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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

JOANA MARQUES VIDAL

  
   © Tiago Petinga/Lusa 2018 


Foi longo o meu conhecimento de Joana Marques Vidal e sempre tivemos uma cooperação muito profícua. Em tudo o que se envolveu, foi uma cidadã e uma profissional sempre empenhada na realização da justiça como concretização dos direitos humanos e da dignidade pessoal de todos. Com inteligência, considerava que mais importante do que as declarações bombásticas sobre qualquer tema, importava sobretudo ponderar as consequências sociais e humanas de qualquer fenómeno. Nenhum acontecimento poderia ser encarado apenas na sua aparência. A complexidade obriga à ponderação de razões em presença e a imperfeição humana tem de estar presente em qualquer interpretação e nas suas consequências. Não é a sociedade perfeita que visamos, mas a capacidade de podermos ser amanhã melhores do que hoje.


Desde que nos conhecemos, encontrei em Joana Marques Vidal uma atitude de grande humanidade e de consciência firme da justiça como séria ponderação ética – compreendendo, prevenindo, combatendo a mentira e a ilusão. Por isso, desde sempre foi uma defensora da especificidade das difíceis questões ligadas à família e aos menores, como salientou Pedro Strecht na última homenagem que lhe prestou. Ainda antes de trabalharmos juntos, foi no âmbito do apoio às vítimas na APAV que primeiro nos encontrámos. Perante tão complexo tema, deparei-me com a preocupação permanente da cidadã e da magistrada em estudar as situações mais difíceis, em antecipar os riscos, garantindo a denúncia atempada das situações e a proteção das pessoas atingidas ou em perigo de morte.


Todos nascem e devem viver livres e iguais em dignidade e direitos, eis o que permanentemente estava presente na sua ação. Depois, como Procuradora Geral Adjunta no Tribunal de Contas nos Açores, testemunhei diretamente a entrega plena ao serviço público, que reforçou os laços de amizade e admiração, que se prolongaram, quando assumiu a função de Procuradora-Geral da República, numa cooperação muito forte no reforço da jurisdição e das contas e no apoio ao Conselho de Prevenção da Corrupção, em especial com a criação dos planos de prevenção de riscos. Conversámos longamente em especial sobre a preocupação de recusar uma conceção demagógica do fenómeno da corrupção, como se a sociedade não fosse toda vulnerável a algo que começa num favor e acaba num crime. Daí a exigência da prevenção e de uma atenção especial a todos os indícios, privilegiando as decisões colegiais, combatendo os conflitos de interesses e apostando na boa e exigente prestação de contas. Do mesmo modo, concordámos na necessidade de restringir a figura do enriquecimento ilícito ao dinheiro público, para impedir a inconstitucionalidade sobre o ónus da prova, privilegiando a figura do responsável público como fiel depositário… Com grande serenidade, Joana Marques Vidal sabia bem que eficiência e justiça são inimigas da espetacularidade. E tive o gosto de trabalhar com ela até ao fim, na Universidade do Minho, nas presidências do Conselho Geral e do Conselho de Curadores. Mantivemos a convergência de preocupações e de métodos. E foi com grande desgosto que tomei conhecimento da doença e do seu tremendo desenlace. É, pois, uma saudade profundamente sentida que aqui exprimo, lembrando trinta anos de conhecimento, com experiências comuns que jamais esquecerei, pelos ensinamentos recebidos e pelo exemplo inesquecível.   


GOM