Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CADA TERRA COM SEU USO


XII. O Ouro do Brasil e as sequelas de Methuen


Os Tratados de Methuen estabeleceram o acordo de Portugal com a Grande Aliança, formada pela Grã-Bretanha, as Províncias Unidas e o Sacro-Império Romano-Germânico, para enfrentar a Espanha e a França na guerra de sucessão espanhola. À frente das negociações deste tratado estiveram o embaixador inglês John Methuen e D. Manuel Teles da Silva, marquês de Alegrete, do lado português. Portugal não desenvolveria as suas infraestruturas industriais, em especial têxteis (e portanto perdeu a corrida industrial). Contudo, Portugal manteve uma posição política forte num cenário que se revelou fundamental na preservação da integridade territorial do Brasil, num momento em que a exploração do ouro e diamantes ganhou importância. O segundo tratado, assinado em 27 de dezembro de 1703 (popularmente conhecido como "Tratado do Vinho do Porto", estudado por David Ricardo) incentivou as relações comerciais entre a Inglaterra e Portugal. Os seus termos permitiam que o tecido de lã inglês fosse admitido em Portugal com isenção de direitos; em troca, os vinhos portugueses importados para a Inglaterra estariam sujeitos a um terço a menos do que os vinhos importados da França. Isso foi particularmente importante para ajudar o desenvolvimento da indústria portuária. Como a Inglaterra estava em guerra com a França, tornou-se cada vez mais difícil adquirir vinho e, assim, o Vinho do Porto tornou-se uma bebida muito apreciada.


Pouco tempo antes, dera-se a primeira grande descoberta de ouro no Brasil nos sertões de Taubaté, em 1697, quando o então governador do Rio de Janeiro Castro Caldas anunciou a descoberta pelos paulistas de ouro da melhor qualidade. Iniciou-se então a primeira “corrida ao ouro” da história moderna. O movimento foi tal que em 1720 D. João V limitou a saída de pessoas do noroeste de Portugal, prevendo autorizações especiais e passaportes para outros casos. Chegaram então ao Brasil cerca de dois milhões de imigrantes, de várias origens. A confluência destes dois fatores, incentivo à produção do vinho e descoberta do ouro, determinou uma clara redução da política da fixação, em benefício do transporte, o que atrasou aas manufaturas e a industrialização do país. A descoberta do ouro do Brasil interrompeu, assim, a concretização do desígnio manufatureiro – o qual só viria a ser concretizado algo fugazmente pela política de Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal…


A Europa das Luzes: Portugal e os Estados modernos


Portugal, depois da Restauração da Independência de 1640, saiu enfraquecido, procurando responder às novas circunstâncias em que se encontrava. E assim jogou com a liberdade dos mares e com a relação com a Inglaterra (em plena crise interna britânica de índole constitucional, religiosa e política). Daí as tentativas para criar núcleos economicamente ativos nas zonas de influência, em especial no Brasil, sendo desse tempo a proposta do Padre António Vieira de recorrer aos cristãos-novos e judeus, de modo a refazer o império marítimo, contra a lógica do isolamento a que a Espanha nos quis condenar. E o Prof. Jorge Borges de Macedo refere duas tendências em confronto na política externa portuguesa – uma atlântica, inclinada ao entendimento com a Inglaterra, e outra continental, orientada para uma ligação à França. E se o casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra, procurou pôr fim ao isolamento português, segundo uma opção atlântica, que parecia ser a mais consistente, não podemos esquecer a ambiguidade do casamento de D. Afonso VI com a princesa francesa D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, que viria a originar uma série de acontecimentos que culminariam na deposição do rei e na aclamação de seu irmão, D. Pedro II. “Para Portugal, - refere ainda Borges de Macedo - as boas relações com as potências marítimas apresentavam-se como indispensáveis, uma vez que era por mar que se fazia o comércio externo mais significativo; por aí saíam o vinho, o sal, as frutas, chegavam e partiam as produções coloniais, como sejam o açúcar, o tabaco e os couros”.


Aliás, a participação portuguesa na guerra da sucessão espanhola (1701-1714) é bem ilustrativa dos cuidados estratégicos e da exigência tática. Haveria que acautelar o que restava da influência marítima, sobretudo na América do Sul e no que restava da influência na Índia. E se houve mudança de campo e de partido por parte de D. Pedro II, primeiro ao lado de Luís XIV e da causa dos Bourbons, e, depois de uma aparente hesitação neutralista, na “Grande Aliança”, de Inglaterra, Holanda, Áustria e alguns Estados alemães, a verdade é que a preocupação fundamental estava ligada à necessidade de preservar a relevância de Portugal como potência atlântica. O primeiro Tratado de Methuen (1703) celebrado com a Inglaterra inseriu-se nesta orientação e teve uma influência grande na evolução económica do século XVIII. No entanto, os lucros da comercialização dos produtos canalizados pela economia portuguesa pertenceriam aos grandes comerciantes franceses, ingleses e holandeses. O tratado de Utrecht (1712), no fim da guerra de sucessão, permitiu a Portugal reforçar a sua posição no Brasil – num momento em que se anunciava a riqueza e magnanimidade do ouro…


Enquanto a Grã-Bretanha se tornava paulatinamente a potência marítima hegemónica, Portugal vivia uma fase próspera, com meios de pagamento abundantes, graças ao ouro, e ao resultado das vendas do açúcar brasileiro, dos vinhos e das frutas, e gozava de prestígio internacional, designadamente junto da Santa Sé (com a atribuição do título de “Fidelíssimo” ao monarca português) reforçado pela participação na vitória sobre os turcos em Matapão (1717).


A influência dos Estrangeirados


No século XVII, um conjunto de autores portugueses preocuparam-se com a necessidade de recuperar a posição de Portugal no contexto internacional, não só evitando a subalternização relativamente a Espanha, mas também garantindo a defesa dos domínios ultramarinos e das frotas do Brasil. Estiveram neste caso diversas figuras relevantes em diversos domínios da vida nacional, como: Manuel Severim de Faria, Duarte Ribeiro de Macedo, o Padre António Vieira, o 4º conde da Ericeira, Alexandre de Gusmão, José da Cunha Brochado, o Cardeal da Mota (D. João da Mota e Silva) ou António Ribeiro Sanches. É nestas águas que encontramos também D. Luís da Cunha, autor do célebre Testamento Político. Quando encontramos referências aos estrangeirados, estamos, assim, perante uma corrente política que procurava assegurar uma ligação à chamada “Europa das Luzes”, que procurava seguir as orientações marcantes nos países com maior desenvolvimento, quer pelo culto da racionalidade, quer pelo conhecimento científico. Está nesse caso o Dr. António Ribeiro Sanches, formado nas Universidades de Coimbra e Salamanca, de origem judaica, que D. Luís da Cunha conheceu bem, designadamente num contacto que fez com a Universidade de Leiden (Países Baixos), em diligência feita no ano de 1730 para a aquisição de livros de Medicina e de Filosofia Moderna, destinados à Universidade de Coimbra.


No relatório que produziu, Sanches salientava, porém, que os lentes de Coimbra iriam ter certamente dificuldades em aceitar as novas ideias por exemplo no tocante à Física de Newton ou a moderna medicina experimental, por estarem demasiado dependentes do ensino escolástico. Ribeiro Sanches partiria pouco depois para S. Petersburgo (donde regressaria em 1747) a solicitação da czarina Catarina II, onde exerceu influência significativa. Continuou, porém, a reflexão sobre como modernizar Portugal, o que, segundo o conselho dado a D. Luís da Cunha obrigaria a encontrar alguém com grande influência no Rei que pudesse contrariar as práticas censórias e inquisitoriais e mudar profundamente as mentalidades e os métodos vigentes. Sanches escreveu as “Cartas sobre a Educação da Mocidade” (1759), onde preconizava as urgentes medidas necessárias a ultrapassar os grandes atrasos do país.


Importa referir o exemplo de Luís António Verney, autor do “Verdadeiro Método de Estudar” (1746), leitor dos pensadores britânicos, como John Locke, no qual é feita uma crítica ao ensino rígido e escolástico, devendo proceder-se a uma nova orientação, baseada na inovação e na experiência, devendo a instrução elementar ser ministrada a ambos os sexos e a todas as classes e cabendo ao Erário fomentar e custear as despesas da educação. Refira-se ainda o caso de Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira), o autor da mais severa crítica aos métodos inquisitoriais, que considerava serem a razão do atraso português. Menos preocupado em adotar uma perspetiva pedagógica e reformista, assume essencialmente uma perspetiva de denúncia. Por isso, será condenado pelo Santo Ofício, tendo-se convertido ao protestantismo, escreveu vasta obra crítica entre a qual as Reflexões de Félix Vieira Corvina dos Arcos…  Já Filinto Elísio foi um admirador dos franceses, com o cuidado de evitar excessos galicistas. Clérigo de formação, foi mestre de latim de D. Leonor de Almeida, a marquesa de Alorna (Alcipe). No exílio, com o seu amigo Félix Avelar Brotero, aplaudirá a Revolução Francesa, regressando no ano seguinte a Portugal. O próprio Padre José Agostinho de Macedo, o famigerado Padre Lagosta, foi influenciado pelos ventos estrangeirados, mas tornou-se conhecido pelas diatribes antiliberais e pela linguagem radical. Pertenceu com Bocage à Nova Arcádia, com Cruz e Silva e Reis Quita, onde teve por nome Elmiro Tagídeo, mas deixou uma sombra pouco acolhedora. E D. Luís da Cunha? Há quem ponha dúvidas. Mas não há que as ter, pois foi indiscutivelmente o verdadeiro símbolo de inteligência fulgurante, num tempo de radical mudança.

Agostinho de Morais

 

>> Cada Terra com seu Uso no Facebook

A VIDA DOS LIVROS


De 12 a 18 de agosto de 2024


Angel Marcos de Dios é autor de “Unamuno – Textos Fundamentais sobre Portugal”, conjunto de reflexões fundamentais para a compreensão da importância da nossa cultura.


UM ENCONTRO NATURAL
“Que terá este Portugal – penso – para assim me atrair? Que terá esta terra, por fora curta e branda, por dentro atormentada e trágica? Não sei; mas quanto mais volto, mais desejo voltar. Cheguei a acreditar que estes extremos ocidentais deram-se as mãos aos extremos orientais, como a Índia, e chegaram ao triste cerne da sabedoria, à compreensão do carácter vão de todo o esforço, parecendo prevalecer a lúgubre sabedoria do Eclesiastes”. Era Miguel de Unamuno quem o afirmava, como um dos mais entusiastas do encontro ibérico. Como diz o meu amigo Angel Marcos de Dios, o maior lusófilo espanhol de todos os tempos, permite-nos compreender as nossas diferenças e complementaridades (Cf. Unamuno – Textos Fundamentales sobre Portugal – Luso-Española de Ediciones, 2016). A língua, a história, a cultura…, paralelamente, encaminham-nos no sentido de um destino comum. E assim, o salmantino diz que desde que começou a estudar o português – a linguagem, e sobretudo, desde de que começou a viajar por Portugal interessou-lhe a ligação cultural mútua de ambos os povos, o castelhano e o português. E dava dois exemplos, o da História da Civilização Ibérica de Oliveira Martins, que Menendez y Pelayo enaltecia como de leitura obrigatória para os espanhóis e a obra de D. Francisco Manuel de Melo sobre a guerra da Catalunha, enquanto clássico em castelhano e clássico em português como demonstração de um destino de convergências, deixando claro que as diferenças e as preocupações comuns servem para caracterizar as virtualidades de uma vocação de humanismo universalista.


“Para conhecer uma pátria, um povo, disse ainda Unamuno, não basta conhecer a sua alma – ou o que designamos como sua alma – o que fazem e dizem os seus homens; é mester conhecer também o seu corpo, o seu solo, a sua terra”. A paisagem é fundamental para compreender a essência de uma cultura. E lembramos com entusiasmo os dias passados nas faldas do Marão com o amigo Teixeira de Pascoaes. “Passei em sua casa, em casa de seus pais e irmãos, toda a bondade e carinho hospitaleiros, dos dias mais aprazíveis, mais gratos e mais fecundos da minha vida, saí dali cheio de gratidão e de gozo e nada ainda lhe disse (…). Mas quero que saiba, que saibam pais e família, que saibam todas as pessoas que me fizeram gostar da paz e encanto desse lugar que não fez passar em vão o reflexo das águas do Tâmega no meu coração”. Aliás, confirmaria tudo isto a Maragall – “Aonde anseio regressar depressa é a Portugal. Que dias passei em Amarante! Lugar delicioso!” Só estas palavras dizem tudo.


OBRA DE AMOR E DE CULTURA
“É uma obra de amor e de cultura fazer que Portugal e Espanha se conheçam mutuamente. Porque conhecer-se é amar-se. O conhecimento engendra amor e o amor conhecimento. São no fundo uma só e a mesma coisa vista por fora e por dentro” – diz noutra carta a Pascoaes. As amizades com Guerra Junqueiro e Manuel Laranjeira são fundamentais para compreendermos Unamuno. É uma atitude pessimista que prevalece, mas o Cristo português de Junqueiro é mais expressivo do que o castelhano, estando disponível para se juntar à festa, em lugar de manter a atitude de sofrimento, do mesmo modo o mestre de Salamanca se admira pela multiplicação em Portugal de nichos invocando as almas do purgatório. Há, assim, uma solidariedade entre tempos e gerações diferentes. É o paradoxo do português que permite a permanente coexistência da bela dimensão lírica e da história trágico-marítima, tudo isto sem esquecer o carácter contraditório e mofeiro do escárnio e maldizer. E então no mundo literário, Camilo Castelo Branco surge autenticamente ibérico: Falando do romancista de “Amor de Perdição”, Unamuno confessava que Junqueiro dizia que a alma tormentosa e apaixonada do romancista era mais espanhola que portuguesa, e que muitas vezes se assemelha o cariz fúnebre de Quevedo. Nele o romance parecia a novela de paixão amorosa das mais intensas e profundas que se tinham produzido na Península em livros representativos da alma ibérica.


QUE SOLIDARIEDADE?
Por outro lado, e regressando a Pascoaes, dizia com um misto de ironia: “Depois de Cervantes, é o seu génio o que tem mais força de expressão ibérica e mais poder de absorção. Se houvesse muitos escritores de Espanha com idênticas qualidades seria tal coisa um perigo para a nossa independência”. O S. Paulo de Teixeira de Pascoaes é um exemplo especial. Nas diferenças, há pontos de convergência. E uma lista de génios em diálogo surge com naturalidade a alimentar o Sentimento Trágico da Vida – Antero, Herculano, Junqueiro, soror Mariana, João de Deus, D. Sebastião, por contraponto a Dom Quixote, Santa Teresa ou Goya, este ungido por Dostoievski. E pode dizer-se que ninguém melhor define a essência do património cultural do que Unamuno: “Quando para os vivos apenas se construíram cabanas de palha ou de terra, que as intempéries destruíram, já se levantavam túmulos aos mortos, e a pedra encontrou emprego nos sepulcros, antes de servir nas habitações dos vivos. As casa dos mortos – as dos mortos e não as dos vivos – venceram os séculos pela sua solidez; não as estalagens, mas as moradas permanentes”.


Por um momento, lembramo-nos do gabinete de Miguel de Unamuno na Universidade de Salamanca e recordamos os dias agitados do fim da sua vida, ameaçado pelo grito tremendo: “Abajo la Inteligencia! Viva la Muerte!”. E silenciosamente numa fila discreta de fotografias, como heróis num altar, encontramos seis portugueses, entre a expressão estoica e a proclamação da vida e da sabedoria, da poesia e da história: Herculano, Oliveira Martins, Antero de Quental, João de Deus, Camilo Castelo Branco e Soares dos Reis. E Angel Marcos de Dios, como cidadão de pensamento: recorda-nos o que o mestre deixou dito na pedra: porque a Europa necessita da dimensão moral ibérica, plural, legitimada pela liberdade, pela vontade, pela justiça, pela dignidade e pela democracia. “Muitas coisas e as mais íntimas da minha Espanha não cabe compreendê-las – nem consenti-las – se não se conhece Portugal, que está unido ao resto da Península Ibérica em parte pelos seus espinhaços rugosos, mas sobretudo pelos grandes rios que enlaçam ambos os países atravessando-os”.


Guilherme d'Oliveira Martins