Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Em 1885 seria aprovado um segundo Ato Adicional à Carta Constitucional, impulsionado por Fontes Pereira de Melo, envolvendo a redução da legislatura de 4 para 3 anos, a supressão do pariato hereditário, a restrição do poder moderador do rei, o qual passaria a ser exercido sob responsabilidade dos ministros, sendo regulado e limitado o direito de dissolução parlamentar, além da consagração expressa dos direitos de petição e de reunião… Já na fase final da monarquia constitucional, sob o peso da crise financeira e das consequências da bancarrota (1892), veio a consagrar-se um derradeiro Ato Adicional (1895-96), pelo qual o rei passou a dispor do poder para dissolver a Camara dos deputados e para convocar eleições sem as restrições previstas em 1885. Os últimos anos do regime viriam, porém, a ser marcados por forte instabilidade, com o envolvimento do rei na política dos partidos, que culminaria no regicídio (1908).
No ano de 1885 no Porto Oliveira Martins em articulação com Anselmo José Braamcamp, líder progressista, tinha lançado um movimento que se propunha renovar profundamente a monarquia constitucional. Sob a designação de “Vida Nova”, com um manifesto intitulado “Política e Economia Nacional” e um órgão de imprensa significativamente designado como “A Província” tratava-se de assegurar que a vida política pudesse contrariar uma inércia que vigorava e que se arriscava a agravar o atraso nacional. Infelizmente, Braamcamp, que apoiara o impulso, adoece e morre, que o impede de assegurar, a condução dessa renovação social, económica e política. José Luciano de Castro sucede a Anselmo José no partido progressista, mas não tem capacidade para mobilizar as hostes no sentido reformista preconizado pela “Vida Nova”. E o certo é que a decadência é sentida como marca finissecular. Guerra Junqueiro proclama a ocorrência de um horizonte negro em Finis Patriae e António Nobre canta o fim e o isolamento português. Haveria que superar as razões que Antero referira ao proferir a conferência sobre «As Causa da Decadência dos Povos Peninsulares». A coerência mantém-se. Só ela permitiria a perenidade da influência dos homens de 1870 e desta tentativa da “Vida Nova”. Face ao insucesso do movimento, e usando um irónico jogo de palavras, fala-se dos Vencidos da Vida – como “Battus de la Vie”… Se a designação teve uma origem jocosa, a verdade é que a eles se aplica o dito latino: victus sed victor, pois o tempo dar-lhes-ia razão sobre a necessidade de um projeto culturalmente mobilizador, de pôr Portugal a andar ao ritmo da Europa (o aportuguesar Portugal, segundo Garrett e europeizar Portugal segundo a Geração de 1870).
Pode dizer-se que o século XX cultural português foi profundamente influenciado pelos últimos anos do século XIX – Ultimato inglês, humilhação no Mapa Cor-de-rosa, 31 de janeiro de 1891, a bancarrota parcial de 1892, o descrédito da Casa Real no tema dos adiantamentos… Intelectualmente, a Geração de 70, na sequência do primeiro romantismo de Garrett e Herculano, marcou profundamente o pensamento português nas suas diversas manifestações. A decadência ocorre no contexto de um paradoxo – uns reconhecem a fragilidade da situação e acreditam na solução republicana, outros lançam a semente da reflexão sobre um futuro capaz de superar o atraso e de mobilizar vontades reformadoras. Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Cândido Ribeiro da Costa, Carlos Lobo d’Ávila, Carlos Lima Mayer, o Conde de Ficalho, o Marquês de Soveral, o Conde de Sabugosa, o Conde de Arnoso constituem um grupo que janta no Tavares ou no Hotel Braganza e que ficará conhecido como “Vencidos da Vida”, marcando decisivamente as décadas seguintes todo o século XX. Mais do que o grupo individualmente considerado, é a recusa do fatalismo do atraso que prevalece – o que permite a ligação destas personalidades aos movimentos modernizadores, profundamente heterogéneos, que encontraremos nos anos seguintes. Longe de um pessimismo radical, estamos perante a exigência de uma atitude construtiva mobilizadora das energias disponíveis.
Pode dizer-se que na história portuguesa não há uma geração com maior influência do que a de 1870, semelhante à espanhola de 1898. E há cinco pontos que podemos enfatizar: (a) a ligação estreita entre o romantismo liberal de Garrett e Herculano e a ideia de reformismo social de 1870; (b) a afirmação do constitucionalismo e do Estado de Direito que a Lei Fundamental de 1976 viria a afirmar; (c) a consagração de uma cultura e de uma língua de afirmação global, caracterizada por uma identidade aberta, um europeísmo plural e diverso e um humanismo universalista; (d) a afirmação do desenvolvimento humano centrado na sustentabilidade cultural, no planeamento estratégico e na avaliação que a Vida Nova defendeu; (e) a modernização da sociedade pressupõe a audácia inovadora, a aprendizagem, o rigor científico, o diálogo entre arte e cultura.
«Fora do Diálogo Não há Salvação» da autoria de Frei Bento Domingues, O.P. é uma coletânea que constitui uma reunião fundamental de textos sobre o fenómeno religioso contemporâneo.
PROTEGER A PALAVRA DE DEUS
Num texto importante incluído neste livro, já com alguns anos, Frei Bento Domingues afirmou: “Sei que a palavra Deus precisa de ser continuamente lavada e resgatada dos seus repetidos usos ridículos e criminosos, tanto no passado como no presente, mas não renuncio a ela. Na nossa cultura, o melhor e o pior é sugerido por essa palavra e por nenhuma outra com a mesma eficácia. (…) Tenho amigos que lamentam a minha teimosia em me manter fiel ao registo teológico, mesmo depois de já ter feito repetidas apologias da chamada teologia negativa que só consente afirmações acompanhadas de negações radicais, como da ideia de Tomás de Aquino: ‘Deus só é conhecido como desconhecido’.” (Público, 14.9.2014). Agora, a publicação da obra Fora do Diálogo não há Salvação (Temas e Debates, 2024) constitui motivo de reflexão viva e séria, num momento em que se sente haver o que Hermann Broch designou como “vazio de valores”. A coordenação da coletânea coube a João Miguel de Almeida, Alfredo Teixeira e Helena Topa Valentim. Os vinte e cinco textos reunidos constituem testemunhos da presença de Frei Bento Domingues, O.P. no Centro de Reflexão Cristã (CRC), de que foi cofundador em 1975. A reunião dos ensaios envolveu o CRC e o Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião da Universidade Católica Portuguesa. Identidade cristã – sim ou não?; Evangelização; Perseguição boa e má; Austeros, Libertinos e Religiosos; os Sacramentos – sinais da ternura de Deus; Teologia e choque de culturas; Antes de ser católico português; a Religião dos portugueses; Descolonização e consciência missionária em Portugal; Laicidade, laicismo e modernidade; para memória e futuro do CRC – eis alguns dos temas tratados, com pertinência e atualidade. O texto final é a transcrição de uma entrevista a Frei Bento Domingues, realizada por Alex Villas Boas e Inês Espada Vieira no Convento de S. Domingos em Lisboa em 2022.
Ao falarmos de valores éticos não nos reportamos a abstrações, mas a referências concretas que nos permitam compreendermo-nos na ligação com os outros. Ao longo destes textos sente-se um apelo permanente ao compromisso e à capacidade de ouvir e de dialogar. O bem, o bom, o belo, o justo e o verdadeiro não são ilusões e constituem apelos a não sermos indiferentes relativamente aos outros e a entender a imperfeição como exigência de sermos melhores, sem a tentação de criar um mundo de princípios que esquecem as dificuldades e as incertezas da vida. Não por acaso, Broch escreveu Os Sonâmbulos numa época que antecedeu o trágico século XX de duas guerras mundiais, entre a massificação e um vago messianismo, interrogando-se sobre se num mundo sem ética há a possibilidade de uma relação humana baseada na dignidade e no respeito mútuo… Os três volumes da obra sintetizam a tentação de contrapor um mundo ilusório à realidade da vida – Pasenow ou o Romantismo (1888); Esh ou a Anarquia (1903) e Huguenau ou o Realismo (1918) são três modos de encarar a existência. Com uma guerra às portas da Europa e um conflito insanável no Médio Oriente, importa entender que a falta de memória nos assalta, do mesmo modo que o romancista austríaco diagnosticou. Voltamos à espada de Dâmocles de um novo conflito mundial. E o certo é que, fora do mundo, não há sentido da vida.
RACIOCÍNIO SEMPRE NOVO
Tem razão Lídia Jorge quando afirma que Frei Bento é alguém que “coloca o espaço de leitura e da erudição ao serviço da formulação de um raciocínio sempre novo e sempre aberto, perante a transformação imparável do Mundo, sismógrafo sensível dos terramotos sociais por que passam os nossos tempos, como um discorrer radicado na sensibilidade à mudança”. Daí a importância de aproximar Frei Bento do registo de uma escrita profética ou de uma teologia sensível à grandeza do cosmos, à magnânima fragilidade do humano, ao rosto irrepetível das multidões, à pele da História, inocente e deslumbrado como se fosse um poeta que escolheu à partida a luz do princípio iluminado e fez dele o seu método de clareza”.
Que nos propõe o autor? “Porque é que dou muita importância à Teologia? Porque é o não estar na beatitude. É o não estar descansado, é o não se poder acomodar ao mundo que temos, à Igreja que temos, aos movimentos que temos. O não se acomodar é o que S. Paulo pede: não vos acomodeis a este mundo! Não vos acomodeis! O CRC neste momento tem feito um esforço para renovar as pessoas, mas a renovação é na medida em que se criem condições para poder congregar os descontentes (…). Eduardo Lourenço chamou sempre a atenção para algo que era a teologia negativa. É o não descansar. Por uma razão simples, é que nós não temos uma possibilidade de ir pelo lado de Deus a observar como Ele é. Portanto, a nossa teologia tem de dizer sempre: ‘Está bem, mas ainda não é isto, nem pode ser isto. ‘Porquê? Porque é o mistério absoluto do mundo, o mistério absoluto de Deus”. É neste sentido que as reflexões agora recordadas merecem leitura atenta.