CRÓNICAS PLURICULTURAIS
187. ÉTICA OLÍMPICA
“Fiz questão de saber que ele estava bem e que poderíamos discutir o ouro de forma justa. Ele teve um azar. Seria injusto ele perder o ouro daquela forma. Quis ter a certeza que ele voltava e que estava bem. Na minha consciência fiquei aliviado (…) foi mais justo. (…) Não poderia ganhar naquelas circunstâncias. (…) O respeito e a ética têm de estar acima de tudo (…) acima de tudo temos de ser boas pessoas”.
- Iúri Leitão
Palavras elogiáveis de Iúri Leitão (IL), após ganhar a medalha de prata em Omnium (ciclismo de pista), em 8 de agosto, nos Jogos Olímpicos de Paris de 2024 (JOP24).
IL optou por esperar, de modo voluntário, pelo francês Benjamin Thomas quando este caiu, aguardando que o ciclista mais bem posicionado para vencer (e seu mais próximo concorrente) se pudesse levantar e regressar à prova, quando não lhe era legalmente exigível que o fizesse.
Ao agir como agiu demonstrou que nem sempre o que é legal é necessariamente ético, preferindo não atacar e aproveitar para ganhar (o que estava ao seu alcance), optando por uma corrida a dois, com dez voltas para o fim, lado a lado, em luta adequada e direta pelo ouro, que o gaulês conquistou, de modo limpo, nobre e justo, como o reconheceu IL.
Há condutas pessoais que se guiam por um cavalheirismo desportivo, um espírito e ética olímpica que nos fazem sentir que há valores que podem e devem consubstanciar a essência da dignidade e da razão humana, fazendo jus, neste caso, a uma cultura desportiva, para melhor, antepondo-se à lei, pois “acima de tudo temos de ser boas pessoas”.
A natureza ética de um ato não deriva de este produzir ou não efeitos positivos, visando o benefício da utilidade máxima para o indivíduo e a sociedade, dado que o teste crucial acontece quando ao observá-la, cumprindo-a, não traz vantagens, como se presume ter sucedido com a atitude (eticamente apreciável e não obrigatória por lei) de IL.
A ética deixou de ser matéria reservada aos filósofos, falando-se dela a propósito de conceitos como a “dignidade da pessoa humana”, “boa fé” e tantos outros, sem prejuízo da atividade política, das relações internacionais, da ciência, da saúde, etc. E do desporto, em que a ética olímpica deve ir mais longe.
Para além deste exemplo de olimpismo louvável, desejamos que IL nos continue a surpreender, como o fez no penúltimo dia dos JOP24, ao sagrar-se campeão olímpico, com Rui Oliveira (ciclismo de pista, Madison, ouro), tornando-se o primeiro português a conquistar duas medalhas (ouro e prata) nas mesmas Olimpíadas.
06.09.24
Joaquim M. M. Patrício