CONHECER O ALGARVE
Por muito que o Algarve seja referido e visitado, o certo é que é das regiões portuguesas menos conhecidas, na sua riqueza e diversidade. Já em 1891, Gabriel de Saint-Victor afirmava que se o Algarve era quase desconhecido dos portugueses, seria, porventura, a mais interessante das nossas regiões… Quando recentemente se abriram ao público os Banhos islâmicos de Loulé, junto da Casa Senhorial dos Barretos, houve surpresa e deslumbramento, uma vez que foi possível revelar que o património cultural não se limita às pedras mortas de uma construção física, prolongando-se no rico conceito de realidade viva, abrangendo a memória imaterial dos costumes e tradições, a valorização da natureza e do ambiente, a inovação científica e tecnológica e a criação contemporânea no respeito da Convenção do Conselho da Europa, assinada em Faro em outubro de 2005.
Quando a comunidade científica debate um conceito aberto e dinâmico de património cultural, não numa lógica conservacionista e redutora, mas como algo que enriquece a arte e a cultura, o desenvolvimento humano e a sustentabilidade, falo do tema a propósito de uma obra de elevado valor científico A Construção do Algarve – Arquitetura Moderna, Regionalismo e Identidade no Sul de Portugal, 1925-1965 (Dafne Editora, 2023) do arquiteto e historiador Ricardo Costa Agarez, baseada na dissertação de doutoramento defendida em Inglaterra, publicada pela Routledge (2016). É um belo livro que merece leitura atenta, já que articula os conceitos de modernismo, regionalismo e “vernáculo”, abordando os fatores que confluem no sentido da construção da identidade regional. De facto, a maturação de uma linha própria na arquitetura contemporânea corresponde, no caso algarvio, a uma tensão e a um confronto, muitas vezes intenso, que permite integrar a criação cultural num movimento relevante. E assim podemos compreender como o Algarve necessita de melhor conhecimento da diversidade que o constitui. Se a realidade algarvia é pouco conhecida, a verdade é que há um potencial cultural e natural que tem de ser divulgado e enriquecido.
Em 1855 John Mason Neale, num roteiro para viajantes em Portugal, falava do território algarvio como “o mais pequeno reino da Europa”, porque mantinha uma autonomia especial desde 1249, no culminar de cinco séculos de poder do califado Omíada, com um governo próprio entre 1595 e 1808, como tem insistido Carminda Cavaco… E Orlando Ribeiro salienta que “Nenhuma das nossas províncias mostra, como o Algarve, tal variedade na cobertura das casas. Predomina, como em toda a parte, o telhado de duas águas (…) mas no litoral oeste e na serra domina o telhado de uma só água”. E esta variedade de formas, incluía a açoteia e as chaminés em estilo mourisco, elegantes e graciosas como minaretes. E Leite de Vasconcelos referia o testemunho de um popular sobre o facto de a açoteia provir de Marrocos. “Toma-se lá o sol, às vezes com toldos; sobe-se também aí para ver o mar. Servem para enxugar roupa, secar figos e pôr vasos de flores”. E assim, tais práticas construtivas e a arquitetura foram marcadas pela necessidade de haver um compromisso com a identidade regional, querendo esta sobreviver e florescer.
GOM