CRÓNICA DA CULTURA
Henry J.Y.King
Há que entender o mistério da amizade sem a meter ao mesmo nível essoutras amizades comuns, as que Aristóteles referia: «Ó amigos meus, não há nenhum amigo!»
Acham-se muitas pessoas aptas a relações superficiais, mas quando o trato se estabelece a partir do fundo do coração, necessário se torna que tudo seja límpido e fiável e a raridade desta situação leva a que se diga:
se encontrasse um amigo e se fossemos os dois boa luz dessa amizade, nada nos poderia comparar.
E vislumbrar a sombra de um amigo? sem andar à cata de outros? seríamos então metade de tudo um para o outro sem nos roubarmos parte alguma um ao outro.
Seria grande a fortuna de sermos um de dois em todo o lado dos tempos, e nenhum sobreviveria inteiro, se o outro partisse.
Não haveria limites para a saudade se essa realidade acontecesse. Não haveria nada mais certo de que o amigo-irmão seria sempre amado nessoutro mundo para onde os rios sempre correm.
Mas se os próprios rios ora se esparzem ora se contêm e até por eles entra o mar, como não relacionar estes factos com a vida da amizade, grande senhora da topografia dos sentires que nos dá novas do resto do mundo e assim se assume e arrisca.
Na verdade, o mistério da amizade produz um ninho de avezinha e acha-se muito próximo de um primeiro estado natural, mesmo quando o mais usual seja sermos melindrosos juízes das suas dissonâncias e quase cegos das nossas; seja mesmo, no limite, aceitarmos que o amigo pode ser imprevisível, mas afinal nunca vencido em paralelo, e este grande mistério da amizade envolve sim, o marchar à frente das razões quando se enfrenta a vida.
E combatemos assim, e combateremos assim por uma nação sem sucessões, riquezas, superioridades, servidões, parentescos, e de lá nunca sairá um amigo doente ou um amigo que agrade às brumas dos espíritos comuns.
Teresa Bracinha Vieira