CRÓNICAS PLURICULTURAIS
Eleanor Roosevelt, presidente da Comissão dos Direitos Humanos na ONU (1946-1950), a segurar a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
189. EM BUSCA DA POSIÇÃO MAIS FAVORÁVEL E EFICAZ AOS DIREITOS HUMANOS
Em primeiro lugar, todos somos humanos: somo-lo antes de sermos africanos, americanos, asiáticos, brancos, negros, mestiços, budistas, cristãos, muçulmanos, latinos, lusófonos, cidadãos do mundo.
Daqui decorre que todo o ser humano, pelo simples facto de ter nascido pessoa, em igualdade de circunstâncias com os demais, é igual, com todos, em dignidade, independentemente das suas caraterísticas pessoais, dos seus méritos ou deméritos. Além desta dignidade ontológica (que pressupõe, como primado, que todos os humanos são iguais), há a dignidade existencial, moral e social, entre outras. A dignidade dessas pessoas é delas por absoluto, por inteiro e por natureza, não lhe podendo ser negada ou retirada, porque não lhe foi conferida por quem governa, pelos detentores do poder estadual ou por quaisquer outros indivíduos.
A dignidade vale mais que a identidade, antecipando-se-lhe, pois antes de sermos portugueses e europeus, por exemplo, somos seres humanos.
Não admira que o ser humano seja portador de direitos humanos universais (de todos), pessoais (intransmissíveis), indisponíveis (inalienáveis), iguais (nenhum é inferior ou superior aos restantes), permanentes (só se extinguem com a morte), não patrimoniais (não expropriáveis e não suscetíveis de avaliação pecuniária) e interdependentes (o uso e fruição de qualquer um afeta o dos demais).
Pergunta-se: como compatibilizar esta conceção dos direitos humanos com a do Direito num Estado moderno, em que o Direito decorre de um ato de vontade do poder estadual, garantido pela coação colocada pelo Estado ao seu dispor para impor a sua imperatividade através da lei?
Sendo o Direito, na civilização ocidental, essencialmente positivista, onde sobressai o laicismo, o tecnicismo e a sua relatividade espácio-temporal, impondo-se pela força da sua positivação, onde a lei, os costumes, a jurisprudência e a prática dos tribunais predominam, considerou-se não ser, sob esta perspetiva, suficiente, dado não poder alhear-se do seu fim, que é o ideal de Justiça.
A um Direito predominantemente mecanicista, tecnicista, purista, sem alma, à disposição do Estado para que dele se sirva como mais um meio ou instrumento de poder, junta-se um conjunto de várias doutrinas (jusnaturalistas) que têm como denominador comum que o direito positivo deve ser objeto de uma valoração, atentas os princípios do direito natural e o aspeto ético do Direito.
Tendo o direito natural, por natureza, como um direito superior ao direito positivo instituído, não necessitaria de ser reconhecido por lei, ao invés do direito artificial, feito e positivado pelos humanos. Quando se diz, exemplificando, que a lei que defende a pena de morte viola o direito à vida, defende-se uma realidade que não depende de estar ou não reconhecida na lei positiva, apesar de nada impedir que se positive o direito à vida, dado que, ao fazê-lo, deve excluir-se a pena de morte tornando eficaz a defesa e proteção dos direitos humanos.
Assim, embora a posição mais favorável aos direitos humanos seja a que reivindica a sua desnecessidade de positivação, a mais eficaz e procedente, em termos de defesa e proteção, é a que defende a sua positivação, por maioria de razão após o Holocausto e outras formas de tirania cometidas a coberto de irrepreensíveis legalidades, fazendo renascer, como reação, a intervenção da dimensão axiológica no estudo científico do jurídico.
Interpretação desse ideal é a exigência e positivação da dignidade da pessoa humana, pressuposto e fundamento básico dos direitos humanos.
20.09.24
Joaquim M. M. Patrício