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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 4 a 10 de novembro de 2024


Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson recebem o Prémio do Banco da Suécia em homenagem a Alfred Nobel, conhecido como Prémio Nobel da Economia, pelas investigações sobre por que razão algumas nações conhecem um crescimento económico maior do que outras.


RELEMBRAR AS ORIGENS
Evocamos, assim, as origens primeiras da Ciência Económica graças ao seu fundador, Adam Smith, que, depois do contacto com os fisiocratas franceses, se interrogou sobre as causas da riqueza das nações (1776). E o certo é que se continua a notar, com muita nitidez, a influência desse desafio original nos estudos agora alvo de reconhecimento. A título de exemplo, nos trabalhos considerados é importante a comparação dos índices de mortalidade dos colonos brancos em diferentes territórios colonizados com as taxas de crescimento económico atuais nos Estados originados nessas experiências: “Conclui-se que onde os colonos puderam povoar os territórios graças a um ambiente menos duro, criaram-se instituições capazes de garantir os direitos, em particular de propriedade, e de estimular o progresso técnico e económico. Pelo contrário, com um ambiente malsão, em que prevalece a escravatura na utilização dos recursos locais, agrícolas ou mineiros, com o único objetivo de obter uma renda não há progresso”. Também nos Sul dos Estados Unidos as instituições que tinham assegurado o desenvolvimento tornaram-se uma desvantagem quando o ambiente económico mudou – na comparação entre a economia das plantações e a revolução industrial. Em suma, os países que criam organizações para explorar os trabalhadores e os recursos naturais podem prosperar no curto prazo, mas são incapazes de gerar uma riqueza duradoura, enquanto os que estabelecem instituições inclusivas e mediadoras, apoiadas no direito e na liberdade, criam multiplicadores de prosperidade sustentada. Daí a importância da relação entre o Estado e a sociedade na criação de instituições legítimas e eficazes.


LIBERDADE E JUSTIÇA
De facto, os Estados são fundamentais para proteger a liberdade e para administrar a justiça; não devendo, porém, esquecer-se o caso daqueles que se tornam muito fortes e dirigistas e são usados para instalar organizações que impedem a prosperidade. E se os avanços tecnológicos aumentam a produtividade, a verdade é que quando as riquezas se concentram num número limitado de sujeitos económicos, estes tendem a usar a renda obtida para instalarem organizações extrativas que os mantêm no poder para além do mérito próprio das respetivas inovações. A distinção entre instituições inclusivas e extrativas está no centro desta investigação. Senão vejamos, se a colonização encontra na população doenças graves, como a malária, causadoras de muitas vítimas entre os exploradores, verifica-se que as organizações extrativas são preferidas, não favorecendo a criação de instituições duradouras, representativas e mediadoras, garantido a legitimidade do exercício em democracia. Deste modo, importa destacar que as instituições persistem no tempo, devendo assumir uma função legitimadora e de representação, em vez da tentação messiânica e providencialista – com se o progresso dependesse apenas de uma intenção. Perguntando-nos por que motivo alguns países têm melhores ou piores condições de progresso, a resposta tem a ver com a consistência e influência das instituições, em vez da geografia ou do peso dos recursos naturais. A cultura e a aprendizagem assumem, assim, um papel fundamental, na medida em que permitem criar instituições capazes de serem a voz legítima e eficiente dos cidadãos. E a abordagem institucional leva-nos a recordar o ensinamento de Albert O. Hirschman (1915-2012), agora recordado por Daron Acemoglu, antigo bolseiro da Fundação Gulbenkian, em conferência na UNESCO sobre o triângulo saída / voz/ lealdade. A eficiência da mediação das instituições vai depender a ponderação desses três elementos, o que permite a ponderação dos riscos na saída, a formulação da vontade através da voz e a durabilidade pela lealdade. Nesse sentido Daren Acemoglu mostra como a inovação tecnológica pode ou tornar-se renda de uma elite dominante, ou ser posta ao serviço do bem comum e do maior número em função das instituições existentes. Do mesmo modo, Simon Johnson usou um esquema semelhante para analisar a captura do sistema financeiro norte-americano por uma estreita elite bancária, com consequência nas crises financeiras assim engendradas. Estamos, assim, na presença da consideração que as recentes crises, desde o subprime à crise financeira de 2008, incluindo os efeitos inflacionistas da pandemia e das guerras, obrigam à lembrança dos velhos institucionalistas, como Thorstein Veblen, e da escola da regulação, como Robert Boyer e Michel Aglietta, que apontam à necessidade da ponderação de fatores complexos na vida económica. Em lugar de se entender que a abordagem dos três autores agora premiados leva demasiado em consideração o modelo institucional anglo-saxónico e a o direito de propriedade privada, a verdade é que a leitura atenta das obras de referência que produziram, como Porque Falham as Nações, de D. Acemoglu e J. Robinson (Temas e Debates, 2013), leva-nos a entender que há pistas metodológicas muito ricas, que nos permitem usar da plasticidade institucional para valorizar a legitimidade democrática, a sustentabilidade, a justiça e a equidade.


DESBLOQUEAR A ECONOMIA
Como diz Robert Boyer, “torna-se necessário desbloquear a economia, tendo os premiados de agora partido dos limites das teorias clássicas do crescimento, para descobrir o papel das instituições, estudando os países e os casos de sucesso. Se o júri persistir nesta via, que considera a heterodoxia, pode muito bem acontecer que se prove dentro de dez anos que a ciência económica é pertinente para compreender o nosso mundo” (Le Monde, 16.10.2024). Eis um ponto fundamental, já que as soluções ortodoxas não se revelam aptas a responder aos difíceis desafios que aparecem a cada passo. Lembramo-nos como Lorde Keynes surpreendeu o mundo ao fazer um diagnóstico inesperado para a grande crise de 1929, quer em face das terríveis consequências da paz de 1919, quer na formulação das soluções que começaram no “New Deal” e se seguiram à II Grande Guerra. Numa palavra, a grave conjuntura que vivemos obriga a “desbloquear” o impasse, que não pode ser superado através do protecionismo ou do fechamento das sociedades e das mentalidades. De facto, só os países que estabelecem instituições inclusivas criam fatores de prosperidade sustentada. É de cultura que falamos e da necessidade de a economia estar atenta à criatividade e à necessidade de haver instâncias catalisadoras do desenvolvimento humano.   


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença