SOB O VÉU DA IGNORÂNCIA
As lições da História estão sempre envoltas em incerteza e mistério. O impasse que hoje se vive no mundo não constitui exceção e a sabedoria ensina-nos que o mais elementar realismo obriga a considerar as circunstâncias tal como são e não como desejaríamos que fossem. A recente eleição presidencial nos Estados Unidos aponta para um tempo de fragmentação e protecionismo, e não de multilateralismo, com novas responsabilidades para a Europa, que deverá contar mais consigo própria com o fim do equilíbrio herdado da segunda guerra mundial. Por outro lado, os efeitos da queda do império soviético, após os acontecimentos de 1989, deram lugar ao projeto do Presidente Vladimir Putin de reeditar o velho império czarista. Contudo, os fantasmas de Pedro o Grande e de Catarina II voltaram à ribalta, pelas piores razões, porque o véu da ignorância esconde o que ambos procuraram significar no seu tempo, pela afirmação de um Estado respeitado na ordem internacional pelos seus princípios. Como disse Hélène Carrère d’Encausse, Catarina a Grande quis associar a sociedade ao Estado por todos os meios. Hoje, assistimos exatamente à tendência contrária nos impérios remanescentes, que apresentam sinais de decadência e a expressão evidente do cansaço.
Eis que não podemos tirar conclusões precipitadas, porque não há vitórias ou derrotas por antecipação - a verdade é que nos deparamos com uma longa guerra com efeitos sempre devastadores, havendo que lhe pôr termo. As tentativas de renascimento póstumo de velhas soluções são invariavelmente, votadas a poderosos fatores contraditórios que correspondem a uma tendência inexorável de declínio. Também as dúvidas norte-americanas dão sinais de mimetismo e de simetria relativamente aos antagonistas, pelas piores razões, como se de um espelho se tratasse, o que explica surpreendentes solidariedades negativas, que põem em causa os valores fundamentais da razão e do direito. A “realpolitik” de Catarina, nos cerca de trinta e cinco anos de reinado, procurou basear-se na afirmação de uma legitimidade racional, para que a Europa pudesse contar com ela. Mas tal não é entendido pelos sucessores de hoje. Pior para eles. De facto, sabia que era preciso dar tempo ao tempo e sobretudo ponderar bem os fatores que condicionam qualquer ação humana: o caminho, o tempo, o terreno, a liderança e as regras – segundo a velha lição de Sun Zu, o estratega e filósofo do período dos Reinos Combatentes do Império chinês em meados do século V a.C.. O caminho tinha de ser nítido. O tempo devia ser certo. O terreno bem escolhido. A liderança determinada. As regras justas. E a confiança era condição absoluta para o bom governo. Sem confiança até um país rico e bem guardado está fadado à ruína. “Nunca houve uma guerra longa que fosse benéfica para qualquer dos reinos envolvidos”. A czarina construiu o seu governo neste entendimento. Mas hoje há uma grande cegueira. E o milenar império da Ásia oriental espera com enorme paciência.
GOM