CRÓNICAS PLURICULTURAIS
Tentações de Santo Antão de J. Bosch
192. FUGA ANTROPOLÓGICA
O impulso humano para a ação, a adrenalina, a emoção e a superação está predominantemente associado a uma força positiva, e não a uma inclinação geral negativa para ocultar a nossa angústia perante a finitude da nossa condição.
É uma fuga antropológica, ditada pelo imperativo de sobrevivência, numa correria para a agitação, tentando ignorar a nossa mortalidade.
A vida não é uma ilusória denegação da nossa finitude, mas uma irreversibilidade do tempo que passa, em que as gerações mais novas nos sucedem, com o mesmo percurso enquanto seres humanos da mesma espécie, pois todos nascemos e morremos, mesmo que a realidade nos tente dizer que somos eternos.
Há então que saber ouvir o silêncio e permanecer em repouso, vencendo o ócio e o tédio, mantendo sempre vivas as nossas esperanças, quer através de vidas em que o dia a dia e o trabalho é repetitivo (mesmo que gratificante e reconhecido), quer resistindo ao envelhecimento, ainda que se saiba que envelhecer é uma contínua redução de expetativas.
O irracional, por oposição ao racional, não significa cairmos numa profunda apatia, dado termos de enfrentar a vida em toda a sua complexidade e incompreensibilidade, o que nos ensina a aprender a viver.
20.12.24
Joaquim M. M. Patrício