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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

  
De 20 a 26 de janeiro de 2025


Preparando o segundo centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco que ocorrerá no dia 16 de março a Imprensa Nacional e o Pato Lógico lançaram o livro “Camilo Castelo Branco – Amores de Perdição” da autoria de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada com ilustrações de Jorge Margarido.



O ELOGIO DA LEITURA
O incentivo à leitura, designadamente dos mais novos, obriga a uma atenção especial à divulgação dos autores clássicos e das suas obras fundamentais. A Imprensa Nacional criou uma nova coleção intitulada “Grandes Vidas Portuguesas – Portugal de Ontem, de Hoje e de Sempre, através de Vidas de quem o fez Grande” e no âmbito dessa iniciativa, acaba de publicar um pequeno volume dedicado a um dos maiores romancistas portugueses de sempre – Camilo Castelo Branco. Em vésperas de se iniciar a comemoração dos duzentos anos do seu nascimento, estamos perante a melhor oportunidade para dar ao grande público uma pequena mas sugestiva biografia para os mais jovens do primeiro escritor português que fez da escrita uma profissão exclusiva. Numa linguagem acessível e cuidada e com elevado sentido pedagógico, as autoras usam a sua experiência para nos apresentar não só os momentos fundamentais de uma vida atribulada, mas também as linhas essenciais de uma obra multifacetada que projeta para a opinião pública o testemunho de vida do seu autor. Pode dizer-se, assim, que podemos usufruir simultaneamente de duas dimensões – a vida e a obra de alguém que representou de modo exemplar o período atribulado em que viveu – abrangendo a guerra civil entre D. Pedro e D. Miguel, a implantação do regime liberal após a Convenção de Évora Monte (1834), a revolução de Setembro, a Patuleia e a Maria da Fonte e a acalmação ditada pela Regeneração. O percurso seguido por Camilo Castelo Branco compreende a tensão existente entre as ideias liberais dos meios urbanos e as resistências conservadoras dos meios rurais. O ambiente familiar, a memória da infância e da adolescência, o conhecimento de vida adquirido entre Lisboa e Vila Real vão fornecer ao romancista matéria-prima que lhe permitirá dar aos seus leitores um panorama extremamente rico nos temas e nas personagens.


UM TEXTO NECESSÁRIO
Temos, assim, um texto de grande utilidade, dando-nos um pano de fundo muito rico apto a caracterizar o país profundo na sua diversidade, obrigando a uma síntese entre as tradições vetustas do mundo rural e as influências dos ventos europeus da modernidade. De facto, a criatividade do romancista permite prender a atenção dos leitores ao tratar de temas envolvendo amores contrariados, conflitos familiares ancestrais, resistências em relação ao progresso, caciquismo, chegada dos emigrantes de torna-viagem, confronto entre campo e cidade. Contudo, Camilo é também um inovador na escrita e no estilo, não sendo o romântico de escola, antecipando-se mesmo nos terrenos naturalistas. Durante quase 40 anos, entre 1851 e 1890, escreveu mais de 260 obras, ou seja, mais de seis livros por ano. Prolífero e fecundo escritor, deixou, assim, obras de referência que se singularizam na literatura portuguesa. Quando esteve preso na Cadeia da Relação do Porto, sob a acusação de crime de adultério pela relação com Ana Plácido, legou-nos em “Memórias do Cárcere” (1862) um retrato duro mas pleno de interesse vital sobre as duras condições de vida no histórico estabelecimento, onde se vivia a pesada justiça oitocentista, tendo como fio condutor a experiência vivida na primeira pessoa em confronto com outros testemunhos de vida, que Camilo quis deixar para a posteridade, desde as histórias de um falsário à biografia de Zé do Telhado, passando por parricidas e infanticidas e ainda pelo pobre homem que matou o burro dum abade.


UM ENCONTRO HISTÓRICO
Visitando a Cadeia em 23 de novembro de 1860, o Rei D. Pedro V não regateou elogios ao romancista, declarando desejar vê-lo libertado, para poder prosseguir o seu brilhante percurso literário. Nesse período, apenas entre 1862 e 1863, Camilo publicará onze novelas e romances, atingindo uma notoriedade dificilmente igualável. É deste período “Amor de Perdição”, escrito na Cadeia em quinze dias, inspirado numa história familiar, mas, como esclareceu oportunamente, totalmente original, longe de qualquer tendência autobiográfica. Simão Botelho e Teresa Albuquerque protagonizam um intenso amor, elogiado na sua sinceridade plena. Em termos literários e considerando uma obra notável,  Jacinto do Prado Coelho considera Camilo «ideologicamente flutuante […] mantendo-se um narrador de histórias românticas ou romanescas com lances empolgantes e situações humanas comoventes». Assim, o seu romantismo é «um romantismo em boa parte dominado, contido, classicizado», havendo ao «lado do seu alto idealismo romântico a viril contenção da prosa, um bom-senso ligado às tradições e a certo cânones clássicos, um realismo sui generis, de vocação pessoal que parece na razão direta da autenticidade do seu romantismo».


De facto, esta visitação da vida e da obra do romancista de S. Miguel de Seide permite compreender a importância de Camilo, dando aos seus leitores oportunidade para beneficiarem da genialidade de um grande narrador.


Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença