POESIA
Barco
Nem posso acreditar que fomos tão fortes nos nossos tempos de juventude sim,
avançávamos para a frente do barco e pegávamo-lo com todas as viagens em cima, as feitas e as por fazer e as paralelas a tudo o que conhecíamos da vida num sentimento tremendamente poderoso que nos ligava ao mar e às urzes, a tudo junto, julgo, as pedras também
Agora sentimos que as realidades permaneceram em nós, como aquilo que foram e como aquilo de que não abdicamos
e já levo as mãos aos olhos e esfrego os olhos, e penso que afinal nada hoje é como sempre foi, algo aconteceu ou foi acontecendo,
mas o quê? Fixa-te na distância, digo, fixa-te a ir vendo
o sobrevindo
e esse quê é o sobrevindo
e é o que me leva e levou a alterar rotas em direção ao longe lá longe quando o horizonte se une com o céu, bem lá ao longe
depois regressámos e passámos a usar o ponto de referência
e de novo o barco alinhado, mas a partir desse ponto de referência,
e é diferente, julgo, é mesmo diferente, agora as nossas partidas só se fazem a partir dos pontos de referência, a partir daí, sim é isto que passou a estar no nosso entendimento
e esfrego os olhos de novo
Vá experimenta tu primeiro, encontraste uma explicação por que as nossas razões não se afundam, por que se recusam a afundar-se
Sim, é por aí, claro que sim, é por aí, digo
Depois o oceano quer-nos no barco com tudo o que amamos
No barco nunca esteve o que não amamos
por essa razão depois
tudo ao mesmo tempo nos aproxima da eternidade
sim, por que passámos a estar nela
e estamos de mão dada, firmes, fortes
Nem posso acreditar que somos tão fortes, tão fortes
que já nem sentimos o frio
antes o recuperamos para nos aquecermos
e preciso tanto, tanto, que venhas comigo agora
Teresa Bracinha Vieira