Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  
    Albert Camus 


203. ABORRECIMENTO E AGITAÇÃO


Tendo em atenção que há uma permanente rotina diária na nossa vida, transversal a todas as vidas, através de condutas, pessoais e profissionais, monótonas, repetitivas, cansativas e necessárias, conclui-se que o aborrecimento não pode ser evitado e faz parte do destino natural do homem.   

O aborrecimento, em grau maior ou menor, integra as nossas vidas, pelo que a capacidade para suportar uma vida mais ou menos monótona deve ser adquirida desde a infância.           

Daí que, para Camus, a vida costumeira, entediante e repetitiva que levamos, como um castigo dos deuses (e prova da nossa mortalidade), embora seja um absurdo em termos racionais, deixa de o ser a partir do momento em que o aceitamos e vivemos bem com ele, deixando de pensar se há coisas que dão sentido à vida e aceitando, por exemplo, sem o questionar, o trabalho quotidiano e regular como um benefício, uma compensação e realização (e não como uma condenação ou sanção). 

E se o aborrecimento é, também, um desejo frustrado de aventuras que permite às suas vítimas distinguir um dia dos outros, o seu oposto é a agitação, a inclinação e o impulso humano para a ação, a adrenalina, a emoção, associando-a a uma força positiva que reprime e oculta a nossa angústia.   

Correr para a agitação por um imperativo categórico de sobrevivência, não pensando e esquecendo a nossa mortalidade, gera uma vida esgotante que, continuamente, exige estímulos mais fortes e nos pode levar ao esgotamento.   

Tanto no aborrecimento como na agitação denuncia-se uma espécie de fuga baseada em não querer consciencializar que o aturdimento insaciável da azáfama não dá felicidade, impedindo-nos de nos conhecermos e questionarmos, extensivo ao tempo improdutivo do aborrecimento quando não aproveitado, dada a nossa finitude e brevidade da vida, o que não obriga a um abatimento ou uma rendição. 

Como em quase todas as coisas, indicia-se ser saudável uma certa quantidade de aborrecimento e de agitação, sendo o problema mais de ordem quantitativa, pois ambos são essenciais e indispensáveis à vida.


07.03.25
Joaquim M. M. Patrício