CRÓNICAS PLURICULTURAIS
Auguste Comte
205. CIENTISMO, PROGRESSO E AMORALIDADE
Numerosas descobertas e inventos podem fazer acreditar que todo o progresso está intimamente ligado ao desenvolvimento científico.
Desenvolveu-se uma corrente de pensamento, segundo a qual a resposta a todas as questões colocadas pelo ser humano está na ciência.
Este cientismo, raiando a idolatria, viveu um período de euforia criadora, com reflexos na vida intelectual, com enormes avanços nas ciências exatas (matemática, física, química) e doutrinas filosóficas (positivismo, marxismo, entre outras) que viriam a legitimar uma visão científica do mundo.
O cientismo acreditava que o progresso material traria consigo o progresso moral: “quanto mais se avançar no futuro, mais as ideias pacíficas progredirão” (Émile de Girardin). Eis um princípio, um postulado, um refúgio humanista tranquilizador.
Infelizmente, por muito que nos custe aceitá-lo, o progresso científico e técnico não traz consigo, necessariamente, o progresso moral, como o exemplificam a barbárie, a crueldade e o terrorismo, desde o início dos tempos à atualidade.
Poderia pensar-se que apenas pessoas com distúrbios mentais, com problemas ou uma deformação na formação da personalidade se poderiam envolver em tais atos, o que se chegou a acreditar, crença que foi desmentida por terroristas detidos cujos atos eram e são deliberados, voluntários e racionais, movidos por fins ideológicos e políticos, tendo como legítimo qualquer uso de violência para os atingir.
A teoria da desvinculação moral (Albert Bandura) analisa os mecanismos psicológicos que regulam indivíduos que justificam as suas condutas desumanas, cruéis e violentas sem sentimentos de autocondenação, censura e reprovação.
Nos processos de desvinculação moral prima a desumanização e a atribuição de culpa.
Na desumanização tratam-se certas pessoas como inferiores a seres humanos, retirando-lhes a sua dignidade, sem empatia, sem emoções e sem quaisquer sentimentos, porque tidas como menos do que humanas, não identificadas com a tribo, sendo o ato mais extremo do tratamento imoral contra o outro.
Na atribuição de culpa exclui-se a autocondenação culpando as vítimas e justificando a conduta violenta como uma necessidade derivada de uma alegada provocação (em vez de uma decisão pessoal), tida como uma reação moralmente defensiva e justificada.
No cerne desta violência há o fanatismo, o ressentimento e o ódio, seja de origem ideológica, étnica, tribal, racial ou religiosa, que o nosso tempo amplifica sem entrave à vista, dado que o progresso moral (e ético) não é crescentemente proporcional ao técnico e científico, mesmo que cheguemos a outros planetas, estrelas e galáxias, em que não é de excluir conflitos com civilizações extraterrestres, por uma questão de poder ou sobrevivência, fazendo uso, se necessário, de interesses amorais.
21.03.25
Joaquim M. M. Patrício