CRÓNICA DA CULTURA
O mundo é bolha mutante, não o podemos tomar como garantido.
Tendemos a viver dentro de uma imagem de sociedade e insistimos que é assim: o mundo é assim e não outra coisa.
Mas um dia, e de um segundo para o outro, desaparece-nos o que considerávamos ser a nossa vida real e o que nela tínhamos por seguro. De súbito, somos nós as mariposas pregadas à parede, e assim nos morre a inocência juntamente com a sensação de segurança, forte hábito que nos impediu de ver as criaturas esvoaçantes que constituem os factos.
Na verdade, existem realidades incompatíveis e em colisão, onde a liberdade de um homem é o imperialismo de outro; onde a idílica família tem gente malvada; onde somos irrecuperavelmente magoados e magoamos outros, e debandamos para escarpar, levando-nos para as viagens nas quais vamos construindo a nossa versão de nós.
Na verdade, nós nunca paramos de mudar, a nossa própria metamorfose foi a nossa grande constância, a nossa grande discordância.
Tudo mutante.
Então, um dia, é natural que a nossa vida real se altere.
O mundo no qual confiávamos enfrenta-nos, expondo-nos a batalha das instabilidades, das fadas mortas, das trapalhadas entre realidade e ficção, das casas-castelos de deuses, das dúvidas e dos medos, das celas do ninguém te diz porquê, das guerras pulverizadoras de sangues, e por entre linguagem e silêncio, a nossa perceção da condição humana.
Assim, desde o nosso primeiro dia, somos viajantes-mutantes, e vale a pena dizer que as artes nos possam dar sempre impermanência, pois através delas está o mundo que é só delas e o de todos num sumo, ou a sua expressão não tivesse a ver com o enigma, aquele que se senta e aprende aos pés do que muda persistindo.
Teresa Bracinha Vieira