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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A NOVA FRONTEIRA DA EUROPA

  


Em 21 de maio de 1994, nos Encontros Internacionais de Sintra, promovidos pela SEDES, Timothy Garton Ash falou-nos da “Sombra da História Europeia”, sob a presidência de António Sousa Gomes, com moderação de João Carlos Espada e comentários de Vítor Constâncio e Carlos Gaspar. O tema geral era “A Nova Fronteira de Europa” e estavam em causa os desafios do alargamento comunitário. Havia uma onda de esperança, mas o conferencista britânico lançou pertinentes alertas relativamente às incertezas e contra os excessos de otimismo, uma vez que a história europeia não poderia ser esquecida. O que importava? A ideia de União Económica e Monetária, a moeda única, o Banco Central Europeu, o Sistema Europeu de Bancos Centrais exigiam avanços políticos e institucionais. A moeda única obrigaria a transferências visíveis e inequívocas de soberania dos Estados-membros, o que exigiria abrir-se corajosamente o dossiê da União Política. Acabava o romance, começava a História. Vítor Constâncio falou de três cenários: a fragmentação maligna, a fragmentação benigna  e a Europa com unidade e vontade política suficiente para agir na sociedade internacional. O que tivemos foram amostras dos dois primeiros cenários, e hoje ainda por cima uma guerra.

Trinta anos depois, ouvimos Timothy Garton Ash, referindo-se ao facto de estarmos perante um triplo choque: (a) o revanchismo de Putin e o regresso expansionista da velha guerra entre Estados, numa tentativa de reconstruir o império russo; (b) a emergência de um universo pós-ocidental, envolvendo a China, a Índia, a Turquia, o Brasil ou a África do Sul, que contornaram as sanções à Federação Russa, permitindo o crescimento desta, graças à utilização dos recursos de que dispõem; e (c) o choque Trump, com o não apoio á Europa, a atenção à Ásia, tendência para liquidar a Ucrânia, privilegiando tornar os EUA uma potencia transacional em vez da defesa de uma lógica liberal. Eis o pano de fundo, e a resposta necessária tem de corresponder ao conjunto, prevalecendo a dimensão nacional e fragmentária. Donald Trump tornou-se um adversário da Europa, quer no plano político, quer no plano económico, o que não significa ainda que os Estados Unidos e a sua opinião pública se tenham tornado adversários da Europa. Daí as necessidade de construir uma Europa capaz de se defender a si própria, mantendo os elos atlantistas. Precisaremos para T. Garton Ash de uma síntese entre os pensamentos de De Gaulle e de Churchill. Na OTAN, os europeus deverão ter um papel acrescido, em detrimento da quase exclusiva influência americana. Assim, a dissuasão mundial futura obrigará a uma maior consideração franco-britânica no equilíbrio nuclear. Apesar da tragédia do Brexit, há agora uma oportunidade de correção através da integração do Reino Unido nos programas europeus de defesa. Enquanto a Alemanha e a Polónia deverão ter também um papel fundamental. “A grande questão é unir tudo isto, para reduzir os efeitos negativos da fragmentação.” (Le Monde, 23.3.2025). Daí um otimismo moderado do historiador. Investir mais na defesa não é um bem, mas uma necessidade. Precisamos, de facto, de um estímulo keynesiano, que anime a economia e não sacrifique o modelo social. Importa, por isso, investir corajosamente, utilizar os bens russos congelados e contrair créditos mutualizados. A industrialização poderá facilitar a inovação, com benefício para a coesão social. E assim somos chamados à coragem.


GOM