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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

TEMPO NOSSO E TEMPO DOS OUTROS

  
    Plantu e Eduardo Lourenço


Quando lemos a lição proferida por Eduardo Lourenço na Universidade de Bolonha, Alma Mater das Universidades europeias, na abertura da cátedra que tem o seu nome, em dezembro de 2007, encontramos alertas fundamentais que não podem ser esquecidos, sobretudo num tempo em que a ciência e a cultura sofrem estranhas ameaças, que pretendem pôr em causa a independência e a autonomia do conhecimento e a liberdade criadora. O nosso pensador intitulou então a sua conferência como “Nosso tempo e o tempo dos outros” e foi claro e profético no sentido de reconhecer que há responsabilidades que têm de ser assumidas para a salvaguarda da liberdade e de uma autêntica ética cidadã. Pela primeira vez, a globalização determina que os Europeus estejam confrontados, no interior e no exterior, pela ideia de esgotamento. “Sabemos que somos mortais”. Deixamos de ser símbolo da cultura e não continuamos os nossos jogos culturais como se estivéssemos sós no mundo.

Tanto Heraclito como Hesíodo viveram na convicção de que o seu tempo, os seus trabalhos, os seus deuses, os seus dias, como os seus sonhos eram partilhados por toda a humanidade. Todavia, hoje já não é assim, com evidentes consequências. E Eduardo Lourenço lembrava a metáfora felliniana da “Nave che va”, ao lado da Arca de Noé, da barca de Ulisses, da nave dos loucos ou do navio redentor de Colombo. Não sabemos hoje o destino da viagem. E, se tomamos consciência de que não estamos sós, somos obrigados a compreender a emergência do pluralismo e da incomensurabilidade de valores éticos, que não pode confundir-se com o mero relativismo ou com o absolutismo. A noção de limites torna-se diferente para as várias culturas e deparamo-nos com o risco severo de alimentarmos uma cultura de indiferença, ou pior, de ternos a indiferença como cultura. O resultado está à vista com a prevalência do puro oportunismo e da transformação do contrato social em mero negócio – como se Mefistófeles se tornasse uma fatalidade para Fausto. E assim é o caos que nos ameaça, como temos visto nos últimos acontecimentos. Durante todo o século XX os europeus pareceram dominar, na natureza, na vida e da história – e para além das crenças milenárias preferiram cultivar os sonhos e os mitos. E o “fim de um mundo” transformou-se em “fim da história”, ilusoriamente, numa cultura fascinada por um novo niilismo, o niilismo lúdico, pós-moderno – que parece estar na ordem do dia na cultura americana, no confronto entre perspetivas contraditórias, no medo dos outros, na ausência de compromissos, na busca de bodes expiatórios e na obsessão conspiratória. Ao invés, o conferencista referiu a superioridade de uma cultura antiga, de Dante a Kafka, de Pascal a Beckett, passando por Camões, Cervantes e Shakespeare, capazes de visitar periodicamente o inferno da condição humana, para melhor contemplar o sol e as estrelas. Paradoxalmente, desde que os europeus chegaram ao Novo Mundo, começaram a envelhecer, dando razão aos avanços e recuos, aos corsi e ricorsi de Gianbattista Vico. Outros parecem não compreender as virtudes da liberdade e da audácia criadora. A cultura europeia está, assim, confrontada com a necessidade de deixar de ser apenas reativa, consumidora ou recuperadora das outras culturas. Se conserva intactas as suas capacidades de invenção e de renovação tem de as aproveitar congregando esforços e abrindo-se, para entrarmos em plenitude no tempo dos outros.   

GOM