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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POESIA

 

Há uma partida cujo nome não se sabe

poesia TBV.jpg

 

Espreitei pelo postigo

do sótão.

Cheguei, por fim.

Este ainda não é o meu lugar, mas cheguei.

O telhado olhava para os meus olhos

e eu ainda sem saber,

iria, sim.

Entre um dia, amanhã, hoje e já,

teria de viajar

dali.

Tinha a imaginação da prisioneira,

e tinha a chave.

Tinha a sem-dúvida

de que aquele poder à minha roda

dominava os horizontes até aos ossos, e intuía que os deuses jamais perdoariam a quem calasse demasiado; a quem consumisse vida

atada a uma corda de jardim a que chamasse casa.

Que vira antes de ver pelo postigo do sótão?

O tal vulcão extinto que muito carregamos? Os prantos entre os cristais? Os lençóis doentes? As púrpuras desoladas? As grandes gretas, a cal?

Não, não morrerei sem ser eterna.

Sou imortal enquanto me amares.

Vou partir.

Vou partir e não tenho medo da esperança ainda que, às vezes,

não tenha medo nem esperança.

Sei bem que nada te disse,

mas não sabia como se devolvia o mar ao mar.

Parecia que só habitava casas de espelhos

sem janelas, sem pistas

até ao dia em que interromper era condição

ao que só prosseguiria graças aos conflitos do não ver.

Depois, depois o entender as razões diferentes,

mas em concordância com o viver o grande tema do mundo.

Sim, repetia, há muitas vidas ocupadas pelas noites.

Há muitas vidas que não espreitam nem soluçam as lágrimas.

Tigres, leões macacos, cães e outros seres domados na mesma arena, sem indignação.

Sim, e há também muitas vidas que são verdadeiros exércitos de uma só pessoa.

Parti.

Depois, depois fui muita ignorância, muita música, melancolia, escultura, suicídio, risco, transumância, beijos imensos.

Descalça enfrentei que o sonho era o sonho que o sonhava

enquanto me apercebi de uma imensa fertilidade e da razão da finitude.

E perguntei aos olhos do velho:

«A que se propõe?»

Ele olhou-me em silêncio.

Quando espreitei pelo postigo

do sótão, o telhado olhava para os meus olhos

e eu ainda sem saber

iria, sim.

Entre um dia, amanhã, hoje e já,

teria de viajar

dali.

Tinha a imaginação da prisioneira,

e tinha a chave.

Tinha a sem-dúvida.

Agora tenho também o silêncio do velho.

Tenho tudo.


Teresa Bracinha Vieira