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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ALMADA NEGREIROS: “O PINTOR NO TEATRO”



Trata-se aqui de um texto escrito por Almada em 1948, dedicado “à memória do muito querido companheiro Federico Garcia Lorca, por excelência a vocação de teatro em nossos dias”. 

Recorde-se que a obra teatral e as intervenções plásticas de Almada ligadas ao teatro revelam e deixaram marcas profundas da estadia em Madrid, onde permaneceu e trabalhou de 1927 a 1932. Para alem de exposições e colaboração regular na imprensa, para alem da ligação ao grupo intelectual e artístico de Ramon Gomez de la Serna e da chamada Tertulia do Café Pombo, para alem da decoração do Teatro Munoz Seca e dos Cinemas São Carlos e Barceló, Almada escreveria em espanhol “El Uno, Trajedia de la Unidade” (1929) que haveria de se desdobrar, digamos assim, nas peças (em português) “Deseja-se Mulher” e “SOS”, esta incompleta.

A evocação de Lorca surge perfeitamente enquadrada num relacionamento cultural, artístico e mesmo pessoal. E no teatro, a influencia será por vezes mais direta, como aliás o atesta designadamente Luis Francisco Rebello na “História do Teatro Português”, evocando em certas peças de Almada, “as sínteses futuristas de Marinetti, o Cocteau e o Lorca da época surrealista” e sublinhando a originalidade e a coerência com a restante obra de Almada Negreiros.

Mas retome-se a evocação do pensamento e da analise estética de Almada no que respeita ao teatro. Em “O Pintor no Teatro”  diz-nos  o seguinte:

«O pintor vai ao Teatro, a obra é de Ibsen, gosta da obra, dizem-lhe os entendidos que é teatro de tese, o pintor fica perplexo. O pintor vai ao teatro, a obra é de Pirandello, dizem-lhe os entendidos que é teatro de ideias, e o pintor fica perplexo.  O pintor, como Federico Garcia Lorca, não pode ouvir falar de teatros (plural) de teses e de ideias, nem de politica em arte, nem sequer de arte social; vai ao teatro, a obra é de Federico Garcia Lorca, gosta da obra, dizem-lhe os entendidos que é teatro social, e o pintor e o autor fica ainda mais perplexos que dantes. Até que numa noite o pintor já não pode mais e teve de dizer a entendidos: 

Excelentíssimos Senhores, eu não quero saber absolutamente nada de teatro, sou pintor, gosto de ir ao teatro como toda a gente, que se preza, gosta de saber como está a “sua” dela opinião e eu também me prezo, também gosto de saber como vai a pessoa da minha opinião. Em Madrid o pintor Luigi Bragaglia disse-me isto: o Teatro é como toda a arte: há de pôr-se-lhe tudo precisamente para o que não fica lá.

“O que não fica lá” é a opinião do espetador. Mas ai do autor que não tenha prevista na sua obra a opinião de qualquer espetador».  (fim de citação)

Ora, permita-se uma “retificação”: o pintor Almada Negreiros queria saber de teatro e sabia muitíssimo de teatro - ou de outra forma não seria, ele também, o grande dramaturgo Almada Negreiros que aqui tanto temos evocado. Basta ler as peças, basta ver os cenários e figurinos - mas há que ler ainda as inúmeras intervenções de Almada na teorização e na compreensão da arte do teatro…

 

Como estas que aqui referimos!

 

DUARTE IVO CRUZ