POEMAS DE E TRADUZIDOS POR Luís Filipe Thomaz
FOBERA PROSTASIA
(a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro)
Como um menino antes de nascer
no útero materno aconchegado,
assim em teu regaço reclinado
quisera um dia, ó Mãe, adormecer;
a vida como leite em Ti sorver
e assim em paz, sem pena nem cuidado,
das veras de Teu ser alimentado
não mais do mundo mau querer saber.
Não poderás, ó Mãe, por um momento,
pousar o teu Menino sobre o solo ?
Os anjos proverão a seu sustento…
Se alguma vez do pó em que me rolo,
chega até Ti a voz do meu lamento,
larga o Menino, e pega em mim ao colo !
L. F. T.
Mosteiro de Nossa Senhora de Randol
Páscoa de 1979
NO COMEÇO, ANTES DO COMEÇO…
(O Nâsâdîya)
Nem o ser nem o não-ser então havia,
nem ar ou pó, ou o que o firmamento esconde.
Que cobria ?
Dentro em quê ?
Sob cuja égide jazia,
das águas, insondável, o abismo,
se por ventura então já existia ?
Nem morte nem imortalidade eram então,
nem sinais da noite nem do dia;
o Único respirava,
sem ar, por sua própia energia,
pois nada p'ra além d'Ele não existia.
De começo era a escuridão envolta em escuridão,
e tudo o que hoje se vê era uma água informe.
O Único gerou-se então,
de sua ascese pelo poder oculto,
jazendo ainda tudo o mais sepulto
no vazio enorme.
Começou de princípio a aparecer
desejo, do intelecto a prístina semente:
tal nexo entre o ser e o não-ser
acharam os vates,
em seu coração escogitando sabiamente.
Esticada, de través, a corda de medida
(com que esquadrinharam o cosmo os sabedores)
quiçá jazia juso,
quiçá suso;
eram magníficos senhores,
eram os progenitores:
a oblação quedava aquém,
a intenção mais além.
Quem jamais o soube exactamente ?
quem no-lo poderia hoje anunciar ?
De que emanou ?
Como se originou sua semente ?
Se os próprios deuses são sua produção,
quem poderá saber donde Ele brotou ?
Donde proveio a presente criação,
se foi Ele quem na assentou,
ou se não,
Só Aquele que do mais alto céu a rege
ao certo o saberá.
Ou nem Ele próprio, quiçá…
Rigveda, X, 129
(traduzido do sânscrito por L. F. Thomaz)
São João da Cruz
OBRA POÉTICA COMPLETA
traduzida do castelhano
por
Luís Filipe Thomaz
I
Vivo sem em mim viver
e espero de tal maneira
que morro, por não morrer.
Em mim eu não vivo já,
sem Deus viver não consigo,
pois sem Ele não estou comigo;
e tal viver que será ?
Cem mil mortes me dará,
esperando o próprio viver
e morro, por não morrer.
Ficando ausente de Ti,
que vida poderei ter,
senão morte padecer,
a maior que jamais vi ?
Dó de mim mesmo senti,
pois persevero por sorte,
morrendo, por não ter morte.
O peixe pescado é tal
que de alívio não carece,
pois na morte que padece
a própria morte lhe vale.
Mas haverá morte igual
a meu penoso viver,
se ter mais vida é morrer ?
Se me quero aliviar
ao ver-Te no sacramento,
faz-me maior sentimento
o não Te poder gozar;
o que causa mor penar
é não Te ver e Te querer,
morrendo, por não morrer.
Retira-me desta morte,
ó meu Deus, e dá-me a vida,
não ma tenhas impedida
em este laço tão forte.
Temo que já não suporte
a dor d' inda Te não ver
e morra, por não morrer.
Chorarei a morte já,
lamentarei minha vida,
enquanto assim retida
por meus pecados está.
Oh, meu Deus, quando será
que eu enfim possa dizer
que vivo por não morrer ?