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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

 

 

A VIDA DOS LIVROS
de 30 de Novembro a 6 de Dezembro de 2009

"Camilo Castelo Branco – Memórias Fotobiográficas (1825-1890)" de José Viale Moutinho é uma obra que nos conduz no percurso multifacetado de um nossos maiores escritores, mas, mais do que isso, leva-nos ao Portugal profundo do século XIX, que o autor de “Amor de Perdição” representa e descreve. Figura muitas vezes desconhecida, apesar do sucesso dos seus livros e da paixão que suscita ainda hoje em tantos leitores, Camilo protagonizou uma vida aventurosa de um romântico que teve a lucidez de se libertar dos constrangimentos de escola que esterilizaram tantas outras promessas. Homem cultíssimo, estudioso exaustivo da história e da sociedade, romancista fecundo – Camilo soube ultrapassar as poderosas baias românticas, indo ao encontro das tendências modernas do seu tempo. A partir de uma personalidade muito forte, o retrato que encontramos de Camilo é a representação de alguém cujo talento resulta de um cadinho onde se misturam ingredientes quase explosivos da sociedade antiga e da sociedade contemporânea, que o escritor procura contraditoriamente compreender.

 

 

MARCADO DESDE O INÍCIO

O infortúnio e a tendência aventurosa de Camilo Castelo Branco são responsáveis pelos mitos que se desenvolveram à sua volta. E o escritor é um dos principais responsáveis (senão o primeiro) por essa aura, não só perante o carácter heterogéneo da sua obra (desde o romance ao ensaio e às memórias), mas também pelo mistério que sempre alimentou sobre a sua própria vida, a começar nas origens, e a continuar no seu espírito aventuroso... Camilo nasceu em Lisboa, no segundo andar da Rua da Rosa, nº 9, no coração do Bairro Alto, a 16 de Março, filho natural de Manuel Botelho Castelo Branco e de Jacinta Rosa do Espírito Santo… A família depressa se muda para a Rua da Oliveira. Dois anos depois, morre a mãe e, em 1830, vemos Camilo a frequentar fugazmente o mestre-escola José Inácio Luís Minas, na Rua dos Calafates, hoje do Diário de Notícias. O pai é nomeado director dos Correios em Vila Real, para onde vai com os seus. Mas, no ano seguinte, a família já está em Lisboa (depois de um dissabor político do pai, em tempo de guerra civil). O jovem Camilo frequenta a Escola da Calçada do Duque, do professor Satírio Salazar. Então é atacado de bexigas (que marcarão para sempre o seu rosto), mora na Rua do Carvalho, voltando o pai a sofrer um revés político, que impede a sua almejada nomeação para os Correios. No fim da guerra civil (1834), morando a família na Rua dos Douradores, morre o pai, que deixa uma pequena herança – prédios em Lisboa e Vila Real e uma quantia em dinheiro, em parte desviado pela amante. Os irmãos Carolina Rita e Camilo são enviados para Vila Real para casa da tia paterna Rita Emília, onde chegam depois de uma viagem atribulada. “Aos meus dez anos, levantou-se uma tempestade no seio da família. Uma vaga levou o meu pai à sepultura; outra atirou comigo de Lisboa minha pátria, para o torrão agro e triste do Norte; e a outra… Não merece crónica a outra: arrebatou-me um esperançoso património…”. A herança motiva, pois, uma história triste. Em 1838, a tia vai para Vilarinho de Sarmadã, a duas léguas de Vila Real, onde Carolina Rita casa com o irmão do padre Azevedo, em casa de quem estão. “Vivi dois anos como o padre António Azevedo. (…) Ensinava-me latim e música de canto”… “Lembra-se daquele incorrigível rapaz de catorze anos que ia à venda da Serra do Mesio jogar a bisca com os carvoeiros, e a bordoada muitas vezes? Esse rapaz sou eu; é este velho, que lhe escreve do cubículo de um hospital…”. A par e passo, seguimos o percurso de Camilo, que aos dezasseis anos casa com Joaquina Pereira de França, que encontra em terras de Basto, em Friúme, Ribeira de Pena, ainda por entre mil peripécias ligadas à herança. Nos lugares de Basto encontra Macário Afonso, que mais tarde imortalizará: “Eusébio tinha gamão e damas; sabia fazer ladroeiras com os dados; jogava a pataco a partida e dizia muitos anexins obrigatórios”. Nasce a filha Rosa e inscreve-se na Escola Médica e Academia Politécnica do Porto, depois de prestar provas no Liceu… Depois vai para Coimbra – a “nossa jovial convivência em um casebre da Couraça dos Apóstolos”…
 

 

AMBIENTES E ATRIBULAÇÕES

José Viale Moutinho faz questão de seguir o caminho de Camilo, usando o seu próprio testemunho, e o resultado é muito bom. Por entre a paisagem agreste e a crueza dos lugares, sentimos formar-se e afirmar-se o Camilo que vamos conhecendo melhor. Em 1846, em tempos de guerra civil, na qual os anti-cabralistas se aliaram à guerrilha miguelista, Camilo envolve-se em duras polémicas políticas que chegam a vias de facto. Chega a dizer que foi ajudante de ordens do general Mc Donnell, mas não há provas disso. O que se sabe é o que conta nas “Memórias do Cárcere” sobre o encontro com tenente Milhundres, à saída de Penafiel, em que, vindo de Coimbra com um aterrado companheiro, se declara miguelista, talvez mais por uma de aventura e sobrevivência (“Eu achava extrema graça a tudo aquilo”). Joaquina e a sua filha Rosa morrem nos anos seguintes, mas Camilo anda enamorado de Patrícia Emília, um amor incandescente que lhe dará a filha Bernardina Amélia. É uma vida intensamente vivida, conflituosa, inconformista, sempre polémica. A tudo acresce a crise religiosa e até a necessidade de aprofundar os estudos teológicos. Deseja tomar ordens menores e submete-se com sucesso a exames para o efeito… Sol de pouca dura. A contradição caracteriza Camilo. De novo, acende-se, contudo, a fogosidade amorosa, com o surgimento dramático de Fanny Owen, que não corresponde aos seus afectos. Em 1854 conhece Vieira de Castro, encontra-se com Castilho, e é o ano das mortes de Fanny Owen e, pouco depois, de seu marido José Augusto Pinto de Magalhães (amigo íntimo de Camilo). A sombra do suicídio assoma. Dois anos depois, vive com uma costureira no Candal, mas o que marca o ano de 56 é o elogio que Herculano lhe faz a propósito do romance “Onde está a felicidade?”. O historiador dirá mais tarde: “O sr. Camilo Castelo Branco é um dos escritores mais fecundos do país e, indiscutivelmente, o primeiro romancista português”. Camilo começa a ser reconhecido… Vai para Viana do Castelo, para S. João de Arga, e é então que surge Ana Plácido. Depressa nasce o escândalo. Manuel Pinheiro Alves, brasileiro de torna-viagem, irascível marido da Ana, procura contrariar, com todos os meios ao seu alcance, a situação… Ana Plácido é presa na Cadeia da Relação. Camilo visita-a clandestinamente e depois entrega-se. É o tempo de “Memórias do Cárcere”, obra-prima do escritor, então na sua maturidade literária e intelectual. Trabalha aí incessantemente. A cadeia torna-se o seu escritório. Por duas vezes o visita D. Pedro V (“Estimarei que se livre cedo”).

 

A CONSAGRAÇÃO

O romancista joga o seu prestígio contra o poder económico de Pinheiro Alves. Marcelino de Matos é o seu advogado. Camilo ficar-lhe-á eternamente grato pelo apoio e pela determinação do causídico. Em 16 de Outubro de 1861, o pesadelo termina. É lida a sentença à meia hora da madrugada: Camilo e Ana Plácido são absolvidos. No ano seguinte sai o “Amor de Perdição” e as obras sucedem-se com muito bom eco público. Camilo é figura consagrada e admirada. Em 1863, Pinheiro Alves morre em Famalicão. Ana Plácido recebe em herança a casa de S. Miguel de Seide, onde passará a viver com Camilo e os filhos. “A casa onde vivo, rodeiam-na pinhais gementes, que sob qualquer lufada desferem suas harpas”. O romancista está no auge do seu talento. Admira Antero de Quental, o talentoso poeta de Coimbra (“Contemplei-o com admirável admiração”), mas considera excessivas as invectivas contra Castilho. O seu amigo Vieira de Castro estrangula a mulher que o atraiçoara. Camilo defende o homicida, escrevendo em sua defesa. O deputado não escapará, porém, ao degredo. O imperador do Brasil visita o escritor no Porto, no atelier do artista da Rua do Bonjardim (1872). As doenças manifestam-se, a vista vai-se perdendo, as vidas dos filhos, a loucura de Jorge e a estúrdia de Nuno, angustiam-no. Nem os banhos de mar da Póvoa do Varzim o aquietam. Sente-se a decadência e a profunda depressão. A luz vai-se desvanecendo, mas o talento bem evidente da obra é indiscutível.

 

 

Guilherme d'Oliveira Martins




 

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