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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

PATRIMÓNIO

Universidade Internacional Menendez y Pelayo

 

Fragmento da intervenção de GOM na Universidade Internacional Menendez y Pelayo a 14 de Julho de 2010 em Santander:

 

Os últimos anos têm sido caracterizados pela crescente importância da sustentabilidade ambiental e do equilíbrio ecológico – que exigem um maior envolvimento da sociedade e dos cidadãos através de uma tomada de consciência cívica e  de uma responsabilidade acrescida quanto ao conhecimento da evolução científica. Esta atitude contrasta com a consideração da conservação patrimonial como um fim em si. Conservação patrimonial liga-se cada vez mais à consciência ambiental e às responsabilidades da sociedade relativamente à qualidade de vida e ao desenvolvimento humano sustentável. Daí o seguimento de novos conceitos relevantes no âmbito patrimonial como: património comum, património imaterial, paisagens protegidas, património natural e cultural...

Por outro lado, a subsidiariedade e a descentralização tornaram-se referências cruciais para a compreensão e salvaguarda do património cultural (material e imaterial, construído, paisagístico e natural). O centralismo e o domínio tecnocrático ou burocrático têm de ceder lugar à proximidade dos cidadãos e das pessoas.

A subsidiariedade conduz à necessidade de descentralizar as decisões para os níveis adequados, evitando, a seu tempo, o domínio panificador (distante e pouco controlável) e a fragmentação dos interesses locais imediatos. De facto a subsidiariedade procura garantir que a descentralização evite simultaneamente o risco de um paternalismo conservacionista e da pressão dos interesses fragmentários. Insista-se  que o valor do património cultural para a sociedade contemporânea obriga a considerar a coesão territorial, a diversidade cultural, o desenvolvimento humano sustentável e a referência prioritária à dignidade da pessoa humana.

O valor do património para a sociedade obriga, pois, a garantir um equilíbrio entre proteger e conservar, de um lado, criar e inovar, de outro.

Os valores, os direitos, a identidade, a diversidade, a mobilidade e a inclusão tornaram-se referências não abstractas, mas com potencial mobilizador para os cidadãos. O bem, o bom, o belo, o justo e o verdadeiro não podem deixar-nos indiferentes.

Os direitos humanos pressupõem o reconhecimento universal da dignidade humana e o assumir de responsabilidades de acção e de salvaguarda. A identidade tem de ser vista como um factor de coesão e como um reconhecimento de diferenças, que mutuamente se enriquecem, em lugar de se excluírem. A diversidade é a consequência natural do pluralismo e da sociedade aberta – onde o intercâmbio, as trocas e os dons são elementos de confiança e de respeito. A mobilidade obriga a considerar a história como o reconhecimento da incerteza e do movimento enquanto criadores e transformadores. A inclusão obriga, por isso, a alargar os horizontes do respeito mútuo.

E se falamos de valores patrimoniais, temos de recordar que eles são próprios ou intrínsecos, mas mais do que isso: institucionais (ligados às responsabilidades sociais e às funções ligadas ao bem comum e à ideia de obra que permanece na vida social), instrumentais (que têm a ver com os meios que usamos para prosseguir  as finalidades e os objectivos que nos estão confiados, passando pela cooperação científica e académica) e económicos (relacionados com a actividade criadora, com o investimento, com o emprego ou com a sustentabilidade dos recursos materiais disponíveis).

Hoje, o património cultural, tal como se encontra referenciado na Convenção do Conselho da Europa, assinada em Faro a 27 de Outubro de 205, é considerado como um activo na promoção da coesão, da inclusão, mas também na participação cívica e na consideração da ética da responsabilidade. Daí que os valores intrínsecos e próprios da conservação e da protecção do património cultural tenham de se articular cada vez mais com os aspectos institucionais, instrumentais e económicos. A política cultural e a consideração do património cultural deixou de se reportar à dualidade entre património histórico e criação contemporânea. Património histórico e criação contemporânea são faces de uma mesma moeda. Não se trata de fazer aí escolhas prejudiciais ou de assumir dilemas de solução radical por uma ou outra das vias. Do que se trata é de criar mecanismos de “vai-e-vem” que permitam articular interesses e respeitar preocupações e prioridade. Veja-se a leitura de um monumento histórico paradigmático – uma catedral ou um templo de uma cultura distante. Facilmente perceberemos que as grandes referências civilizacionais correspondem a vários períodos e a diversas intervenções. As pedras mortas projectam necessariamente as pedras vivas. Afinal, em cada momento a história vai-se completando num movimento incessante. Resta saber como assumiremos essa opção difícil de conservar. Conservar não é restituir, uma vez que essa escolha obrigaria a parar no tempo, a definir um momento de paralisação. Daí a necessidade de ligar património, herança e memória. Impõe-se que as pedras mortas se liguem às pedras vivas e que o respeito histórico não traia o valor que a sociedade contemporânea está disponível a atribuir.

Na Convenção de Faro é por isso que “o património cultural constitui um conjunto de recursos herdados do passado que as pessoas identificam, independentemente do regime de propriedade dos bens, como um reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução. Inclui todos os aspectos do meio ambiente resultantes da interacção entre as pessoas e os lugares através do tempo”. Estamos, deste modo, perante “reflexo e expressão” de “valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução”. Daí a necessidade de assumirmos o método do “vai-e-vem” ou de uma “naveta” que tem de ir permanentemente à identidade e à diferença, à coerência e ao pluralismo, à ciência e à vida, à história e às pessoas. Daí que tenhamos de compreender a noção de comunidade patrimonial “composta por pessoas que valorizam determinados aspectos do Património cultural, que desejam através da iniciativa pública manter e transmitir à gerações futuras”. Esta noção de comunidade conduz-nos ao respeito mútuo, à complementaridade, à ligação da memória futura à memória passada – muito mais do que a lembrança (que na portuguesa “saudade” se une ao desejo).

Trata-se de ligar a cultura criadora que une as diversas gerações. E assim o Património comum abrange todas as formas de património cultural (...) que, no seu conjunto, constituam uma fonte partilhada de memória, compreensão, identidade, coesão e criatividade”, bem como “os ideais, princípios e valores resultantes da experiência adquirida com progressos e conflitos passados, que favoreçam o desenvolvimento de uma sociedade pacífica e estável, baseado no respeito dos direitos do homem, da democracia e do estado de direito”.

Em suma, a nova Convenção sobre o Património Cultural baseia-se, no fundo, na consideração do património cultural como um recurso que serve não só ao desenvolvimento humano e à promoção do diálogo entre culturas, mas também ao progresso económico e social, seguindo os princípios da utilização sustentável dos recursos disponíveis. Vai, assim, mais longe do que as Convenções anteriores (Granada, 1985; La Valetta, 1992 e Florença, 2000), uma vez que aborda igualmente os riscos do uso abusivo do património, que se traduz na deterioração dos bens ou numa má interpretação do património “como fonte duvidosa de conflito”, pondo igualmente a tónica, de forma inédita e inovadora, no conceito de património comum da Europa e na organização de uma responsabilidade partilhada, considerando a importância da participação dos cidadãos».

Guilherme d'Oliveira Martins