PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO
Contagem decrescente - Japão (6)
Peregrinar obriga a pensar. Já falámos de Shusako Endo e da sua amizade com o Embaixador Martins Janeira, hoje voltamos ao romancista japonês, com a ajuda da Professora Helena Barbas (FCSH, UNL). Esta refere-nos o romance “O Silêncio” de Shusako Endo: «São os portugueses quem, acidentalmente, descobre o Japão ao mundo Ocidental por volta de 1542. Talvez Fernão Mendes Pinto e seus dois companheiros Diogo Zeimoto e Cristóvão Borralho, num dos seus muitos naufrágios. Estes «Chenchocogins do cabo do mundo» são seguramente responsáveis pela introdução das armas de fogo e do fabrico da pólvora naquele país (Peregrinação, cap. cxxxiiii). Este relacionamento estabelecido pelo enxofre e incenso é magistralmente descrito por Venceslau de Morais: «Em 1549 o Jesuíta Francisco Xavier, espanhol de origem, mas servindo portugueses, desembarca no Japão, em Kagoshima, e enceta a sua propaganda religiosa, seguido de perto por outros nossos missionários e numerosos mercadores. Em 1587, dá-se a primeira perseguição contra os cristãos. Em 1597, em Nagasaki, vinte e seis cristãos perecem no martírio. Em 1624, após lutas cruentas, tragédias e massacres, o Japão fecha à cristandade as suas portas, com excepção dos holandeses...» (Os Serões no Japão, Parceria A. M. Pereira, 1973, p.142). Lendo Relance da História do Japão, ainda de Morais, entende-se que, por detrás do conflito individual de Sebastião Rodrigues, está o Histórico, apenas esboçado no romance de Shusaku Endo: a grande luta religiosa entre protestantes e católicos; o conflito de interesses comerciais entre as grandes potências do período; o fechamento do Japão ao ocidente, fundamentado na necessidade de independência e autonomia. O Silêncio não é um romance teológico, mas evidencia a posição dogmática de Endo face à religião católica. As suas personagens só pelo renunciar aos aspectos mais materiais da religião, pelo abandono das manifestações culturais da fé, podem alcançar a redenção e entender a natureza de Cristo: o Cristo benevolente, que convida o jesuíta Rodrigues a pisar a sua face, é o mesmo com quem Hasekura, O Samurai se encontra. Um Cristo tão oriental que parece tocar as raias da heresia. A preocupação religiosa do autor transborda no excesso de referências e comparações com os momentos mais conhecidos da Paixão, redundantes para a cultura judaico-cristã. (…) Estes mesmos aspectos revelam-se como manifestação de um esforço sincero de entendimento do ocidente por um olhar oriental, pelo que em nada diminuem o interesse deste singular romance.» - Helena Barbas [O Independente, 4 de Maio de 1990, III p.43].