RECORDAR O PADRE ALBERTO DE AZEVEDO
Por Guilherme d’Oliveira Martins
Gostaria de ser recordado a partir de uma afirmação do pensador brasileiro Alceu Amoroso Lima: «A sabedoria está para lá da ignorância e para lá da ciência. Cada um de nós deve ter o amor da perfeição. Saber que devemos querer o máximo, mas saber que o máximo nunca atingiremos. A santidade é um mosaico de pequenas virtudes. Os grandes gestos são raros. No mais, a vida é feita de pequenos gestos anónimos. Temos que adquirir o sentido de sermos o menos imperfeito possível. Isto já é uma grande conquista». A frase é, em si, todo o programa… Inquieto e inquietante. Assim poderia ser definido por quantos o conheceram e sabiam qual a sua fibra. Estamos a falar do Padre Alberto de Azevedo, professor do Liceu de Sá de Miranda em Braga, a partir de 1956. Eram os anos das grandes transformações – sessenta, setenta… Aí teve de se confrontar com resistências, antes do mais as do meio e depois as da natural rebeldia dos jovens que consideravam inexorável o caminho do País para a liberdade. Nessa altura, o jovem docente confessou ter tido dificuldade em encontrar o discurso e o método adequados a um tempo de transição e de incerteza, que anunciava as grandes mudanças do Concílio Vaticano II e que trouxe a luminosa referência de João XXIII, o esteio de uma Esperança actuante e inexorável. "Não teve medo de fazer perguntas e de levar os jovens a fazer perguntas" – no dizer de Anselmo Borges. Como Heidegger, tomava essas perguntas como "a piedade do pensamento". A sua memória é extraordinária. Todos nos lembramos do fulgor do seu olhar e da persistência do seu método – sobretudo baseado na experiência. De nada valeria falar sem que isso correspondesse ao compromisso e ao empenhamento. No final da vida, a doença não o impediu de continuar a dirigir-se aos seus amigos, em nome da sua fé, da esperança e do cuidado dos outros e do futuro. Fui recebendo as suas cartas, encimadas por um pensamento de Alceu Amoroso Lima. Com o tempo a sua letra tornou-se difícil, quase incompreensível, mas a sua ideia fundamental continuava a ser a mesma – a justiça e a verdade exigiam um combate permanente, sem desistências, custasse o que custasse. O Padre Alberto de Azevedo foi toda a vida um professor apaixonado, entusiasta, empenhado, sincero, audacioso, disponível, sempre capaz de compreender. Um dia, Torcato Sepúlveda, seu aluno, fez-lhe a melhor homenagem que é possível fazer a um homem sábio e a um velho mestre, ao dizer que a sua lição fundamental foi a da liberdade – base do respeito e da dignidade. Perante a interrogação de Jesus Cristo na cruz "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?", o padre Azevedo falava aos jovens do seu tempo, com os compromissos e a inquietações de hoje. De facto, a dúvida, a dificuldade, a imperfeição tinham de ser compreendidas. Por isso, dizia aos seus amigos e discípulos: "O Senhor te faça feliz". Jacques Maritain, Emmanuel Mounier e Alceu Amoroso Lima foram as suas referências. Esses textos ecoam, ligados a palavras fortes como “compromisso”, “afrontamento”, “comunicação”, “cidadania inclusiva”, “dignidade da pessoa humana” e “cultura da paz”. Conheci-o a partir das nossas referências comuns e da necessidade do empenhamento numa educação audaciosa, que significasse o despertar das consciências para a liberdade e a responsabilidade e a criação de pessoas e de cidadãos – numa sociedade em que a aprendizagem pudesse ser o factor fundamental do desenvolvimento. E foi com muita emoção que inaugurei, a seu pedido, na Escola Secundária de Sá de Miranda em Braga uma sala dedicada a Alceu, na qual a liberdade, a paz, o desenvolvimento e a justiça deveriam funcionar como referências educativas e formativas permanentes e perenes. Afinal, educar ia muito para além dos tempos lectivos ou do ensino formal, os seus discípulos sabiam muito bem que nunca lhe batiam à porta sem que respondesse. Era esse o maior sinal da sua amizade, sempre animada pelo amor cristão e pela ideia de cuidado e de respeito por referência aos outros. O Padre Alberto de Azevedo foi um combatente da indiferença, por isso incomodava generosamente, mas esse incómodo nunca era vão. Acreditava sinceramente nos dons, na gratuitidade e nos valores que não têm preço: o bem, o bom, o belo, o justo e o verdadeiro. Quis continuar a prestar serviço público depois de chegada a idade da aposentação e isso demonstra bem o seu desejo de continuar a estar presente junto dos outros. Não podemos esquecer a sua memória. Inquieto e inquietante, o seu exemplo continua bem vivo!