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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS


de 18 a 24 de Julho 2011
 

 

«Introduções Geográficas à História de Portugal – Estudo Crítico» (INCM, 1977) de Orlando Ribeiro é um pequeno livro, de uma utilidade extrema, onde o geógrafo se interroga sobre as diversas leituras de Portugal feitas pelos historiadores. E o que fica demonstrado? Antes do mais, que História e Geografia têm uma ligação íntima e fundamental, mas ainda que só poderemos entender a saga dos portugueses no mundo, a partir deste lugar de encontro e de diferença. E hoje, num momento de crise, é tempo de percebermos que quase nove séculos de história obrigam a perceber a cultura, o território e os lugares que constroem a nossa identidade e o nosso ser.

 

 
PONTO DE ENCONTRO
A cultura portuguesa é um ponto de encontro, a começar no «melting-pot» original de Finisterra, onde chegaram povos diversos que fizeram da nossa herança um cadinho heterogéneo, e a continuar na relação com o território. Orlando Ribeiro, com a intuição única do geógrafo e do historiador, identificou um «continente em miniatura», e o certo é que essa circunstância original da nossa inserção peninsular e europeia facilitou a partida para a descoberta do mundo, qualquer que se seja a explicação a encontrar. «A terra de um povo já não é um simples dado da Natureza, mas uma porção de espaço afeiçoado pelas gerações onde se imprimiram, no decurso do tempo, os cunhos das mais variadas influências. Uma combinação original e fecunda, de dois elementos: território e civilizações» (diz em «Introduções»). Jorge Dias falaria da capacidade de adaptação, da simpatia humana e do temperamento amoroso dos portugueses – que teriam assimilado por força da adaptação. Se olharmos, contudo, às mudanças profundas dos últimos anos (numa nova relação com a Europa e o mundo), percebemos que a chave não está apenas na adaptação, mas na capacidade de incorporar elementos novos, mantendo fidelidade às raízes. Tem razão Manuel Clemente ao insistir nesta ideia.

 

CULTURA DE VÁRIAS CULTURAS
Estamos perante uma cultura de várias culturas, na qual a língua desempenha um papel fundamental. De facto, a língua portuguesa, com a sua afirmação universal, é expressão de diversas sensibilidades. «Gosto de ouvir o português do Brasil / onde as palavras recuperam a substância total / Concretas como frutos nítidas como pássaros / Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas / Sem perder sequer um quinto de vogal. / Quando Helena Lanari dizia o “coqueiro” / O coqueiro ficava mais vegetal». Sophia disse-o melhor que ninguém em «Geografia» (1967), e no entanto bem sabemos que há muitos modos de dizer. José Eduardo Agualusa assinalou-nos que se diz esperança, desde a forma brusca à expressão suave, compassada e plena de espera. E se falamos de língua, lembremo-nos da palavra saudade: «Saudade é mais que memória: é um arquivo frio a que a saudade dá depois os vários matizes que transformam um catálogo de actos e factos numa história de pessoa» - dizia o António Alçada. E aí encontramos a melancolia, a nostalgia, a alegria, a tristeza, a desconfiança, o remorso, o egoísmo, a generosidade – afinal a lembrança e o desejo, e a ânsia de futuro. E lembremos que «em certas regiões da Malásia reza-se em português e diz-se saudade». E podemos ouvir Cesária Évora. Talvez o Padre Vieira tenha sabido libertar-se de uma saudade pretérita, tornando-a recordação e esperança, como chave da compreensão do tempo…

 

DIVERSIDADE DA LÍNGUA
Ao falar de língua portuguesa, chegamos à diversidade, uma vez que se trata de uma língua de várias culturas e sensibilidades. A hospitalidade e a cordialidade permitem que a cultura se torne mais rica na abertura, no dar e no receber. Em Cabo Verde fala-se de «morabeza», que é um modo espantoso de dizer disponibilidade do coração. E não há dúvidas: sempre que nos abrimos ganhamos. Por vezes, a resposta pronta ou o improviso leva-nos descurar a prevenção e a antecipação. Sérgio Buarque de Holanda, nas suas «Raízes do Brasil», fala do homem cordial, como Ribeiro do Couto, mas liga-o também à «frouxidão das instituições» e à «falta de coesão social», não pressupondo bondade, mas apenas comportamentos de aparência afectiva… De qualquer modo, a cordialidade manifesta-se num sentimento sagrado humano e singelo. «A nossa aversão ao ritualismo é explicável, até certo ponto, nesta “terra remissa e algo melancólica”, de que falavam os primeiros observadores europeus, por isto que, no fundo, o ritualismo não nos é necessário» (diz-nos Sérgio Buarque).

 

QUEM SOMOS, DE FACTO?
Miguel Unamuno conta que, para Guerra Junqueiro, o Cristo espanhol «está sempre no seu papel trágico, nunca desce da cruz…», enquanto o Cristo português «anda por costas e prados e montanhas, brinca com a gente do povo, ri-se com eles, merenda, e de vez em quando, para assumir o seu papel, regressa por momentos à cruz». À parte o exagero, a verdade é que Sérgio Buarque dá o mesmo exemplo no Brasil, no Bom Jesus de Pirapora (S. Paulo), em que Cristo «desce do altar para sambar com o povo». E as festividades do Espírito Santo (dos Açores ao Brasil) têm a mesma cor de cordialidade. Unamuno (admirador sincero da nossa cultura) também afirmou, porém, ser Portugal um «povo suicida», sob o impacto dos exemplos de Antero de Quental e Manuel Laranjeira. O que estava em causa era a desproporção entre as tarefas realizáveis e os ideais. Perante dificuldades extremas, a doçura e a «meiguice» gerariam ferocidade e sentido suicida. Isso impressionou Unamuno. No fundo, diríamos hoje, faltaria aceitar a imperfeição de que Fernando Pessoa / Bernardo Soares fala(m): «Mas imperfeito é tudo, nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos não dê sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda».

 

DE NOVO, PENSAR O MITO
Eduardo Lourenço tem estudado o papel do mito na cultura portuguesa, de modo lúcido e original. A polémica sobre o «reino cadaveroso», de António Sérgio, encarado como mito anti-mito, e uma leitura crítica e emancipadora dos mitos (na linha dos plantadores de «naus a haver») entronca nos sebastianismos e no mito renovado de Vieira e de Pessoa de um Quinto Império emancipador. No fundo, para o ensaísta de «Heterodoxia», o anti-sebastianismo pode alimentar um sebastianismo sentimentalista, a espera irracional de um “desejado”, se não houver sentido crítico (que Antero e a sua geração cultivaram com determinação). Importa, pois, compreender que o «sebastianismo» pode ser visto como um «avatar delirante», mas também como símbolo de uma história complexa, que alterna momentos gloriosos e decadentes, em que a fatalidade e a vontade se entrecruzam e se alimentam mutuamente. Insista-se: mais do que recusar o mito, impõe-se, assim, assumi-lo, percebê-lo, criticá-lo e partir dele para a emancipação. António Sérgio pôs o dedo na ferida ao situar no dilema fixação / transporte o ponto crucial perante que se encontra a história portuguesa. Como afirmar a língua e a cultura esquecendo-o? Sérgio e Cortesão viram bem o drama fundamental da nossa economia, incapaz de tirar lições da longa duração e da criação de fundamentos sólidos de acção e de eficiência. Hoje, como antes, o fundamental é saber como nos organizamos para criar riqueza. E voltemos ao «reino cadaveroso», para perceber que é o problema da educação, da cultura e da ciência que está presente – ligado à fragilidade das élites, ou seja, à fraqueza da capacidade de orientação da sociedade e da economia. Afinal, a primeira das preocupações da cultura portuguesa tem de se ligar à exigência da aprendizagem e à sua qualidade, à transmissão de saberes e à melhoria do conhecimento e da compreensão.

 

 

Guilherme d'Oliveira Martins

 

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