Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Vale a pena evocar aqui os 100 anos de estreia do Teatro Bernardim Ribeiro de Estremoz, ao qual já temos feito referências, mas que merece uma curta alusão neste ano em que se pode celebrar um século exato de reinauguração: pois a estreia ocorreu em 22 de julho de 1922. Efetivamente, nesse dia, sobe à cena um espetáculo característico da época, pela articulação de um conjunto relevante de fatores e de intervenções artísticas.
Pois de facto o Teatro dá o seu primeiro espetáculo naquela data, numa intervenção à época assinalável a cargo da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, que já nesse ano se fazia assinalar como modelo e como referência marcante. E pode hoje recordar-se o conjunto de intervenções que marcaram essa estreia descentralizadora e culturalmente relevante.
Assinala-se aliás a relevância que na época assinalou a estreia da sala de espetáculos, decorrido que foi um século, mais dia, menos dia, dessa inauguração. E vale então a pena referir o movimento descentralizador da inauguração desde teatro e a importância também descentralizadora da atividade de Amélia e do grupo teatral que já nessa época, ou sobretudo nessa época era muito importante…
Pois esse espetáculo de estreia inaugurou-se com a apresentação vasta e variada da Companhia em si mesma. E se recordamos a complexidade do espetáculo em si, isso deve-se basicamente ao significado de descentralização cultural que no seu conjunto a programação impôs.
Mas, mais do que isso, a própria inauguração do teatro significou muito na época mas significa ainda hoje pela programação em si e também pela relevância que já nessa época assumia.
Repita-se: em primeiro lugar, pelo investimento e pela descentralização sociocultural da iniciativa, e isto tendo em vista designadamente a importância do espetáculo, o qual ainda comportou a leitura de poemas evocativos de Bernardim Ribeiro, isto, insista-se, repita-se, na inauguração de um teatro com o seu nome…
E faz-se a propósito uma evocação cultural/teatral.
Com efeito, no espetáculo de inauguração do Teatro, Amélia Rey Colaço recitou um poema dedicado a Bernardim Ribeiro: e salienta-se que Bernardim não é dramaturgo mas em si mesmo, como personagem saliente da cultura portuguesa, merece amplas referências, quanto mais não seja pela sua criação literária.
E finalmente: há que salientar a descentralização cultural envolvida nesta evocação!... A ela voltaremos.
Novamente retomamos a dramaturgia de José Régio, numa evocação dos 120 anos do seu nascimento, ocorrido em 1901. Morre em 1969 e não podemos hoje ignorar a relevância da criação e análise da sua obra dramatúrgica, no contexto de uma vastíssima e relevantíssima inovação, na época menos considerada mas hoje merecendo evocações específicas.
Tal como já amplamente analisámos, a dramaturgia de Régio merece destaque, não obstante a maior relevância, essa sempre evocada, de outras expressões criacionais que marcam hoje a literatura. E no entanto, o teatro de José Régio não pode nem deve ser esquecido. Em 1930 publicou na Presença uma versão parcial da sua considerada primeira peça, “Jacob e o Anjo”, que depois viria a considerar a sua primeira e definitiva criação teatral. Será oportuno insistir na dramaticidade da sua obra vasta e completa, não obstante, repete-se, a variedade, diversidade e qualidade criacional. E importa então outras intervenções criativas no teatro que não completou ou não evocou.
Mas citamos hoje novamente um longo texto doutrinário que Régio publicou em 1967 em “Três Ensaios Sobre Arte”, precisamente intitulado “Vista sobre o Teatro”.
Escreveu então José Régio: “Fantasiemos um momento: a admitirmos a trindade autor dramático, ator e encenador – três pessoas distinta e uma só verdadeira – diríamos que a essa tal única verdadeira caberia a autoridade do espetáculo teatral. Não passando isto de fantasia, que visa a lucidamente sugerir o nosso sentimento levado a extremo, regressemos à realidade: esse pensamento teatral de que se tenta uma realização no palco, essa ideia central, ou teia de ideias, em redor da qual é preciso criar uma espécie de personalidade coletiva realizadora; essa intenção profunda, em foco, esse unitário que sustenta o espetáculo – não é ilusoriamente que desde sempre os atribui o bom senso comum ao autor dramático, criador do texto”.
Quem hoje se veste com uma casaca encarnada? Ou, por outras palavras, quem hoje iria escrever uma peça intitulada “A Casaca Encarnada”? Esperemos que ninguém o faça sem remeter ao século anterior, para citar designadamente “A Casaca Encarnada” de Vitoriano Braga, publicada em 1922, exatos 100 anos decorridos, o que justificará uma referência cronológica.
Mas neste caso, haverá outra razão marcante: pois “A Casaca Encarnada” representa uma abordagem do teatro que, insiste-se, um século decorrido, reflete a situação social e psicológica da época, mas com rigorosa qualidade cénica e literária e com aspetos que sociologicamente também perduram.
Pois a verdade é que, independentemente da qualidade cénica, a peça em si mesma não perde atualidade. E mais: como já escrevi, consubstancia de certo modo um dos mais sólidos suportes desse teatro.
Independentemente de outras características, nela encontramos (como já escrevi e agora cito) a situação de um pianista fraudulento, que acaba num cabaret da época, vestido precisamente com uma casaca encarnada a ganhar a vida como pianista de jazz: E não obstante um século decorrido, a peça, tal como refiro na “História do Teatro Português” é perfeitamente fraudulenta no seu enredo. A falência fraudulenta do protagonista Evaristo Fernandes serve de contraponto as suas aspirações como pianista.
E como já escrevi, “A Casaca Encarnada” é o mais sólido suporte da obra teatral de Vitoriano Braga.
Comporta uma muito bem armada descrição do ambiente especulativo da economia e da sociedade portuguesa da época. E a densidade e veracidade psicológica adequam-se à ambientação. A promiscuidade da atividade económica concilia-se com o ambiente social e representam a Lisboa desse tempo…
Vale a pena evocar autores que souberam marcar com qualidade o teatro português, mesmo nos casos, e tantos são, em que a qualidade criativa das peças respetivas não impede uma hoje menor projeção das obras respetivas. É caso para dizer que a qualidade criacional subsiste mesmo quando os textos e os autores respetivos caíram no esquecimento: e essa circunstância é mais habitual do que se espera no teatro português…
E precisamente, hoje evocamos um caso óbvio, patente mas de menor projeção na dramaturgia portuguesa do século XX. Referimo-nos a Vitoriano Braga (1888-1940) e ao conjunto de peças que nos deixou e que hoje estão esquecidas.
E no entanto, no contexto marcante do teatro português, merecem evocação e justificam a referência, mesmo admitindo, e novamente o fazemos, que esta dramaturgia estará algo esquecida: e no entanto, a qualidade respetiva merece sempre destaque.
Em qualquer caso, a dramaturgia de Vitoriano Braga constitui um conjunto relevante, quanto mais não seja pela coerência criacional respetiva. E de tal forma assim é, que criadores de qualidade, como designadamente Fernando Pessoa, não hesitaram em destacar algumas das peças que, no seu conjunto, marcam até hoje esta dramaturgia, hoje infelizmente algo esquecida…
Mais uma razão para o evocar!
Até porque o conjunto de peças é vasto e coerente. E de tal forma assim é, que a peça “Octávio” (1913) merece referência o mais possível elogiativa. Antes dela, Vitoriano Braga escrevera “A Bi”, (1908) com João Vasconcelos e Sá. E a seguir criaria mais textos dramatúrgicos.
Já escrevemos: muitos deles esquecidos, é certo, mas nem por isso menos relevantes. Citamos designadamente, alem do “Octávio” (1912/1913), “Extremo Recurso” (1914), “O Salon de Madame Xavier” (1918), “O Conselho da Noite” (1922), “A Casaca Encarnada” (1922), “Inimigos” (1925), “Entre as Cinco e as Oito” (1927) e “Lua de Mel” (1927).
Trata-se pois de um conjunto relevante de criação dramatúrgica que merece referências elogiativas. É caso para dizer aliás que este vasto conjunto de peças merece em si mesmo destaque!
E acrescentamos uma referência ao teatro de Vitoriano Braga que desenvolvi na “História do Teatro Português” (ed. Verbo 2001).
Escrevi efetivamente que quando comparamos a obra de Vitoriano Braga com aquilo que o autor sonhou e planeou, e ainda com o que dele se poderia esperar, ficamos com uma sensação de valor inacabado ou de potencial não concretizado. E mesmo assim, estamos perante uma tábua dramatúrgica considerável e em certos momentos extremamente interessante.
Fernando Pessoa não poupa elogios a “Otavio” talvez sensibilizado pelo teor pró-simbolista e decadentista da peça. Em qualquer caso não hesitou, recorde-se, em a considerar notável … E assim é!
Já aqui invoquei o chamado Teatrinho do Palácio da Brejoeira, em Monção: destacando a sala de teatro que valorizou o, já em si mesmo notável Palácio. Recordei então a relevância deste acrescento dedicado às artes do espetáculo, o que, na altura o referi, não é muito habitual, no histórico da arquitetura e da sociedade portuguesa.
Recordei também que começou a ser construído em 1806 e dado como concluído em 1834 segundo projeto inicial de um arquiteto com projeção na época, de seu nome Carlos Amarante. E referi que se processou como que uma conciliação estilística do tardo-barroco comum na época com uma expressão romântica, valorizada no jardim e nas evocações históricas que em conjunto, desde o lago a uma torre gótica e ao recurso ao estilo inglês.
Evoquei nesse texto a intervenção de Ventura Terra, a quem se deve o Teatrinho, mas também não poucos teatros (e não teatrinhos...) por esse país fora: deste logo o Teatro de Esposende, o Salão Nobre do Teatro de São Carlos, o Teatro e Cinema Politeama, que é referido com encómios por José Augusto França, que aliás ao Arquiteto dedica extenso estudo:
“O Politeama, em Lisboa, construído em 1912-13, com o seu amplo espaço interior e a fantasia decorativa do janelão do 1º andar foi a melhor obra do género neste período, bem inscrita dos trabalhos de Ventura Terra” (cfr. “A Arte em Portugal no Século XIX” volume II 1966 pág.78).
E José Augusto França refere também o Palácio de Brejoeira com expressões de encómio: “o último grande solar fidalgo português (…) curiosa construção de carater híbrido” salientando “a importância do seu portal setecentista, a vastidão das suas fachadas em L, já viradas para Oitocentos”. Cita designadamente “o pequeno e elegante teatro” instalado em meados do século passado. (ob. cit. volume I pág. 182).
O Teatrinho, com cerca de 50 lugares em suave declive, além de mostrar os interesses culturais dos proprietários, revela uma harmonia e uma ambiência que se concilia com a funcionalidade do palco, não obstante as reduzidas dimensões da sala.”
Tudo isto foi escrito e aqui publicado na perspetiva do património de teatro e de espetáculo pelo país fora... E justamente, no que se refere ao Monção, é agora oportuno evocar o Cine-Teatro João Verde.
Trata-se agora de um exemplar característico da geração dos cineteatros de meados do século passado. Projetado pelo arquiteto José Esteves, foi construído e inaugurado em 1949, numa fase de atividade descentralizadora, digamos assim, das atividades de espetáculo por todo o país. Com uma lotação inicial de cerca de 300 lugares, marcou pela estrutura interna, aliás comum na época, mas aqui com indiscutível qualidade: e desde logo, pela fachada, que prefigura como uma torre, o que de certo modo concilia a modernidade com a tradição urbana regional.
E a sala propriamente dita segue também esse conceito de modernidade epocal com a capacidade de exploração, conciliando o moderno com o tradicional. O projeto é dominado por uma torre e comporta uma estrutura interna de plateia, balcão e até alguns camarotes.
Só que, no inicio dos anos 80, os proprietários resolvem demoli-lo. Valeu então a Câmara Municipal de Monção, que adquire o Cine-Teatro que em boa hora se mantém em atividade.
DUARTE IVO CRUZ
Obs: Reposição de texto publicado em 18.11.17 neste blogue.
Vale a pena evocar aqui o teatro de Tomaz de Figueiredo nos 120 anos do seu nascimento, ocorrido em 1902. E assinalam-se também os 52 anos da morte, ocorrida em 1970.
Isto, sem perder a noção de que a sua criatividade teatral está algo esquecida, para não dizer mais: e no entanto, a obra dramatúrgica que nos deixou merece referências, hoje de facto ignoradas. E no entanto, a sua dramaturgia merece evocação, pela qualidade e pelo sentido de espetáculo inerente, numa época em que outros valores se impõem mas que não colidem, de modo nenhum, com a qualidade indiscutível desta dramaturgia…
Daí, esta evocação, e isto não obstante o teatro de Tomaz de Figueiredo estar hoje efetivamente de certo modo esquecido: mas a verdade é que a sua criatividade literária também o está…
E no entanto a sua dramaturgia deve ser devidamente assinalada, pois concentra sinais de qualidade merecedores de vasta evocação, que não tem sido efetuada.
Em suma: o teatro de Tomaz de Figueiredo merece referência pela qualidade cénica e sobretudo literária: mas uma coisa não evita a outra, usando uma expressão bem antiga… E vale a pena então insistir que a sua dramaturgia não tem sido devidamente apreciada, e isto não obstante o sentido de espetáculo que envolve.
Na minha “História do Teatro Português” dedico a este autor, hoje, insisto, como dramaturgo de certo modo esquecido, uma referência abrangente e elogiativa, não obstante algumas óbvias restrições que a dramaturgia de Tomaz de Figueiredo implica. No caso concreto, aponta-se sobretudo a truculência textual de peças como designadamente “Os Lírios Brancos”, “O Visitador Extraordinário”, “A Barba do Menino Jesus” ou “A Nobre Cauda”.
Essas peças, escrevi no livro citado, conciliam uma exuberância barroca com um lirismo por vezes dominante, mas sobretudo com uma visão de mitos sociais que efetivamente se aproxima do surrealismo no seu “non-sense”.
E acrescento agora que Luiz Francisco Rebello, na “História do Teatro Português” de que é autor, refere-se à peça “A Rapariga de Lorena” (1964) como exemplo da ligação criacional de escritores/dramaturgos que a certa altura se dedicaram à produção teatral.
O teatro criado em Portugal merece estudos e referências: mesmo quando os dramaturgos são ou estão esquecidos!...
Aqui temos referido espaçadamente, como é óbvio, as ligações de José Régio à arte do Teatro, tendo bem presente a relatividade cénica da sua produção teatracional: um conjunto de textos diversos e dispersos que, entretanto, se valorizam pela própria criatividade e qualidade do autor. Mas mesmo assim há que ter presente a relatividade do teatro do conjunto admirável da sua obra em geral e mesmo na comparação e visão completa e complexa dessa criatividade global. Régio é de facto um grande autor, mas o teatro não significa a dimensão mais determinante da sua obra geral.
Não vamos aqui e agora repetir o que certa vezes escrevemos sobre a obra teatral de Régio e, no entanto, será sempre oportuno retomar o comentário que a qualidade, vastidão e heterogeneidade da sua obra amplamente justifica.
Em qualquer caso, importa invocar a doutrina constante neste conjunto de peças de teatro, ainda por cima contabilizadas com dois aspetos sempre citáveis na obra de Régio: de um lado a vastidão e qualidade do suporte literário subjacente, aliás adequado à atividade profissional; e por outro lado, o sentido do espetáculo que em si mesmas cada uma das peças comporta.
E tudo isto insista-se, numa qualidade literária, poética e de espetáculo que, em si mesma, sobrevaloriza cada uma das peças. Sendo certo que, se por um lado o conjunto da obra de José Régio tudo valoriza de forma coerente, por outro lado a conciliação com os aspetos complementares da restante e vastíssima obra marcam o sentido intuitivo da espetacularidade que o teatro exige!...
E de tal forma assim é, que o próprio Régio assim o consagra, numa vasta análise denominada rigorosamente “Vista sobre o Teatro”, incluída nos três ensaios sobre a Arte que editou em 1967.
Diz então José Régio: “fantasiemos o momento: a admitirmos a trindade o autor dramático, ator e encenador – três pessoas distintas e uma só verdadeira – diríamos que é essa única verdade que caberia ao cuidado do espetáculo teatral. Não passando isso de fantasia que viria a, lucidamente, sugerir o sentido dado aos extremos, regressemos à realidade: esse pensamento teatral, de que se tenta uma realização no palco, essa ideia central ou teia de ideias, em redor da qual é preciso criar uma espécie de personalidade coletiva realizadora; essa intenção profunda em foco, esse unitário que sustenta o espetáculo – não é ilusoriamente que desde sempre os atribui o bom senso comum, o autor dramático, criador do texto”.
Como já uma vez vimos a cultura e a arquitetura ligada aos espetáculos tem em Vila Real inesperadas e extremamente interessantes referências a nível da atividade artística propriamente dita, mas sobretudo hoje na expressão cultural inerente. E mais: não obstante a necessária descentralização, em tempos imposta pela distância relativamente a grandes centros de espetáculo, nunca deixou de se verificar e registar uma atividade de produção artística adequada, à expressão urbana e arquitetónica.
Referimos o Conservatório Regional de Música, o Teatro Municipal e ainda, como memória, o antigo Teatro-Circo. Assim, temos para já o Conservatório Regional de Musica, projeto do Arquiteto Belém Lima, inaugurado em 2004. E, como adiante se refere, é o próprio autor do projeto que nos esclarece acerca dessa tradição modernizada, a qual hoje tanto valoriza a cidade.
Estamos no quadro de uma tradição urbano-arquitetónica que remonta ao antigo Convento São Domingos, com vestígios plausivelmente originários dos séculos XVI/XVII. E há uma heterogeneidade significativa na localização urbana e no que ainda sobressai, e não é pouco, do edifício em si mesmo.
Citamos então o próprio arquiteto: “Em quinhentos e oitenta anos, o chão conturbado do Convento de São Domingos foi também hospital, quartel, estalagem, cine-teatro”. (cfr. “O Novo Hóspede” in “Conservatório de Música de Vila Real”, 2005, texto reproduzido em “Habitar Portugal 2003/2005 - ed. Ordem dos Arquitetos 2006).
E insistimos, foi também, em épocas passadas, teatro, pois lá terá eventualmente estreado em 1846 a primeira peça de Camilo Castelo Branco, “Agostinho de Ceuta”. E a propósito dessa estreia, transcrevo o que escrevi sobre o então Theatro de Vila Real:
“Com a peça, estreou também um Teatro com ar de Igreja, e se calhar fora-o antes, singelamente denominado Theatro de Vila Real. Era pertença de João Pinto da Cunha, tio do escritor. Seguiram-se algumas salas até ao Teatro Avenida, depois Cine-Teatro Real, de 1930. ( in “Teatros de Portugal” ed. INAPA 2005).
Sobre o Conservatório Regional de Música, e tal como tivemos já ocasião de referir, o que mais impressiona é a conciliação do atual projeto arquitetónico com a funcionalidade de uma casa destinada ao ensino, sem trair nem a tradição nem a modernidade. Salienta-se designadamente a harmonização da arquitetura contemporânea com o romano-gótico da Sé e com a envolvente urbana, num edifício de vocação ampla e realizada na docência e no espetáculo artístico inerente.
Ora bem: Sousa Bastos cita, em 1908, um Teatro Circo de Vila Real, construído a partir de 1879 e inaugurado “em 1 de janeiro de 1892 com o drama D. António de Portugal desempenhado pelo grupo de amadores dos Bombeiros Voluntários de Vila Real e pela atriz Carlota Veloso. Tem 26 camarotes numa só ordem, 4 frizas, 208 cadeiras, 170 lugares de superior e 300 de galeria”!... (in “Diccionario do Theatro Português” ed. 1908 pág. 326).
DUARTE IVO CRUZ
Obs: Reposição de texto publicado em 09.12.17 neste blogue.
Temos aqui referido com destaque a politica de descentralização cultural e de património, na conjugação destas duas componentes que convergem mas não implicam obviamente uma comum dimensão temporal, pois o património histórico em si mesmo comporta um significado cultural, mas a cultura tantas vezes se assume e desenvolve à margem de patrimónios específicos.
E isto mais se acentua na ponderação da cultura de espetáculo e dos espaços, modernos ou clássicos que a sua concretização necessariamente envolve.
Nesse sentido, demos aqui notícia do Cine-Teatro Paraíso de Tomar, “herdeiro” de um Teatro Nabantino do século XIX, sucessivamente remodelado em 1920 e em 1948, projeto de Francisco Korrodi, municipalizado em 1997 e reaberto em 2002.
Hoje referiremos o Auditório Fernando Lopes Graça, também situado em Tomar.
E começamos por frisar que o Auditório Fernando Lopes Graça representa, na arquitetura, na evocação e na função, essa convergência modernizante da simbologia e da atividade cultural.
Desde logo pelo património histórico-urbano em que se implanta e na conciliação da sua modernidade arquitetónica com a tradição monumental da cidade. Mas também pela evocação de um nome e de uma obra referencial da cultura portuguesa moderna, o compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994), natural de Tomar e figura destacadíssima no meio musical.
Trata-se de um edifício de notável qualidade na modernidade do projeto mas também da abrangência das atividades culturais e pedagógicas desenvolvidas. Na origem encontramos um grupo coral criado em 1980 na Sociedade Banda Nabantina que se constitui em 1982 como Associação Cultural autónoma com a designação programática de Canto Firme de Tomar. Foi reconhecida como Associação Cultural de Utilidade Publica em 1992. Mas vinha de muito antes a sua ação e projeção regional e nacional no plano das artes do espetáculo e da respetiva docência e formação.
Recordemos então os antecedentes culturais da cidade.
Como vimos em crónica anterior, mas é oportuno novamente referir, existe desde os anos 60 do seculo XIX uma tradição de edifícios teatrais em Tomar. Por essa época foi efetivamente inaugurado o Teatro Nabantino com 30 camarotes de 1ª e 2ª ordem, 12 frisas e 126 lugares de plateia. Trata-se então de uma assinalável iniciativa local, que se foi prolongado ao longo do século passado e que agora se reforça no notável edifício do Auditório Fernando Lopes Graça.
E efetivamente, este Auditório Fernando Lopes Graça – Canto Firme , assim conhecido, constitui um conjunto de valências de cultura e de espetáculo, desde logo a partir da sala principal com lotação de 250 lugares e com palco devidamente dimensionado e equipado.
Mas não só: o edifício comportou ainda uma Escola de Música e áreas de atividades diversas de complementação de cultura e convívio especialmente vocacionadas para formação didática e de juventude.
E com destaque para a produção de espetáculos teatrais.
Nesta alternância entre teatros históricos e teatros atuais, reforçada pela maior ou menor centralidade junto de meios urbanos de destaque cívico e cultural, referimos hoje especificamente o chamado então Theatro da Graça de Lisboa isto no século XVIII: e desde logo se esclareça que a própria designação contém indicador óbvio da própria centralização histórico-urbana que já na altura marcou a infraestrutura do espetáculo teatral.
Num estudo intitulado precisamente “Lisboa: Espaços Teatrais Setecentistas”, Maria Alexandra T. Gago da Câmara remete para o “clássico” Sousa Bastos numa referência desenvolvida a este Teatro, que, com alterações e períodos de interrupção de atividade, funcionou de 1767 a 1781.
É efetivamente um período em que a atividade teatral fomentou a construção ou adaptação de espaços de espetáculo, apesar de tudo muitos deles mais ou menos efémeros. O teatro teria sido construído por Simão Caetano Nunes por encomenda de Henrique da Costa Passos.
Sousa Bastos refere que o Teatro acolheu a certa altura uma companhia espanhola, que trouxe à cena um repertório, hoje completamente ignorado mas onde constava pelo menos uma peça de temário histórico português, intitulada “São Gil de Portugal”...
Como ignorados são hoje os artistas que na época integravam os efémeros elencos do Teatro da Graça: Francisco de Sousa, Maria Joaquina, Joana Ignácia, entra tantos mais...
Apenas António José de Paula deixou alguma memória histórica. A rainha D. Maria I tinha proibido que mulheres tomassem parte em certo tipo de espetáculos públicos. Mas no que respeita ao teatro, essa proibição terá sido revogada em 1800, por iniciativa de António José de Paula, então diretor-empresário do Teatro da Rua dos Condes.
Trata-se aqui do chamado “Velho Condes” que vem do século XVIII e do qual resta uma gravura que mostra um barracão situado onde mais ou menos se irá erguer, com a nova Avenida da Liberdade, os sucessivos “Novo Condes” e o Cinema Condes!...
DUARTE IVO CRUZ
Obs: Reposição de texto publicado em 29.12.18 neste blogue.