Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Com a chegada e o fim da primeira grande guerra, dadas as suas extensas inovações tecnológicas e grande carga ideológica, a doutrina da guerra justa foi não apenas revista, mas igualmente renovada, estimulando a criação de estruturas internacionais adequadas e capazes de conferir maior eficácia àquela ideia de guerra. Assim surgiu, finda a primeira grande guerra, a Sociedade das Nações, destinada a promover a cooperação internacional e a garantir a paz e a segurança.
Surgia a primeira organização internacional universal da natureza política, com o fim geral relacionado com a garantia e manutenção da cooperação, segurança e paz.
Segundo o artigo 16.º da SDN, é agressão a todos os outros Estados, a guerra ilícita, exercida por um Estado-membro devendo, em tais circunstâncias, ser adotadas sanções económicas contra o agressor, cabendo ao Conselho recrutar forças militares terrestres, navais e aéreas para uma resposta e repulsa coletiva.
O artigo 8.º, por sua vez, estabelecia que os seus membros reconheciam a manutenção da paz e exigiam “a redução dos armamentos nacionais ao mínimo compatível com a segurança nacional e com a execução das obrigações internacionais imposta por uma ação comum”.
Foi assim que, finda a primeira guerra mundial, e após um período caraterizado por inovações tecnológicas e cargas ideológicas, se estimulou a criação de estruturas internacionais vocacionadas para conferirem eficácia prática à ideia de guerra justa, cuja doutrina seria revista e renovada, com o contributo da Liga ou Sociedade das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas. Substituiu-se o sistema eclesiástico medieval, concebido e aplicado pela Igreja, pela estrutura secular contemporânea, dando-se lugar a uma organização internacional constituída por nações.
Rejeitada a guerra para qualquer fim, surge como caraterística essencial da nova doutrina da guerra justa saber o que é imprescindível como justa causa para fazer a guerra. Se só é justa a guerra defensiva em resposta a uma agressão, impõe-se uma definição de agressão. Já não era a agressão em si mesma que preocupava, mas distinguir entre a justiça e a injustiça do fim a alcançar, dado que a “agressão” podia ser um meio legítimo para atingir um fim justo: a justiça.
Passou-se a querer subordinar a paz à justiça, dado que os Estados e povos se viram coagidos a rever a sua eventual aversão ao uso da força, quando confrontados com violações dos direitos humanos, nomeadamente na sequência das duas grandes guerras do século XX. Houve um retorno, adaptado e atualizado, a uma posição intermédia da boa ou justa causa da guerra, nas suas origens medievais. O que não significa que a guerra seja necessariamente imprescindível, ou que se anteponha à paz, uma vez que as guerras nunca foram nem são a melhor solução. Só que a paz a defender só pode ser a que serve a justiça, porque só ela justifica a guerra justa em sua defesa.
A guerra da Ucrânia está a pôr em grave perigo um património cultural de valor incalculável, que aqui referimos. É a humanidade que está em causa, uma vez que a memória histórica é a memória das pessoas e das culturas.
CULTURA EM PERIGO! Quando o património cultural está em perigo é a própria humanidade a estar em causa. E temos insistido em que não falamos de pedras mortas, mas de pessoas, como pedras vivas, na expressão do “nosso” António Sérgio, mas também de Rabelais. Longe do entendimento tradicional de um património visto como referência do passado, falamos de uma realidade viva, que abrange transversalmente todos os domínios dos direitos humanos. Quando a Diretora-Geral da UNESCO Audrey Azoulay lançou um dramático alerta a propósito dos bombardeamentos indiscriminados a que temos assistido nas últimas semanas na Ucrânia, afirmou expressamente: “Devemos salvaguardar este património cultural, como testemunho do passado mas também como vetor de paz para o futuro, que a comunidade internacional tem o dever de proteger e preservar para as gerações futuras. É também para proteger o futuro que as instituições de ensino devem ser consideradas santuários”.
De facto, o apelo envolve os monumentos históricos, mas também as escolas e as instituições da ciência e da cultura. Lembramo-nos do hediondo assassinato de Khaled Al Assad, estudioso e guardião de Palmira, que demonstra a ligação íntima que se estabelece naturalmente entre a defesa dos direitos das pessoas concretas e a salvaguarda da sua memória cultural e histórica. Como se sabe, quando se começam por queimar livros ou a destruir a memória humana, acaba-se por matar as próprias pessoas. No fundo, a criação cultural, a sua preservação e a sua comunicação têm a ver com a essência do ser humano. O avanço na UNESCO e no Conselho da Europa relativamente aos conceitos de património cultural e de direitos culturais tem contribuído, de facto, para ligar os direitos da Declaração Universal de 1948 à vida e à dignidade humana no sentido mais essencial. O caso da Convenção de Faro sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea (2005) é bem demonstrativo disso mesmo. Por isso, o património cultural envolve direitos e deveres, não retrospetivos mas prospetivos, abrangendo o presente e o futuro, de modo a acrescentarmos valor ao que recebemos das gerações que nos antecederam. E o que está hoje em causa no tocante à necessidade de respeitar a Carta das Nações Unidas é a defesa de uma verdadeira cultura de paz e de respeito mútuo. João XXIII disse-o claramente na Encíclica “Pacem in Terris”.
DIREITO PATRIMONIAL COMO DIREITO HUMANO Quando um tirano viola claramente o direito internacional comummente aceite, e até se propõe erradicar da face da terra um Estado soberano e um povo, de um modo unilateral, recusando o Direito e a própria História, compreende-se que a invocação de direitos culturais assuma uma importância insofismável. Falamos dos fundamentos dos valores éticos, morais e jurídicos. Julgar que se pode tornar a Carta das Nações Unidas letra morta, esquecendo garantias essenciais como o primado da lei, o multilateralismo, a estabilidade de fronteiras, a soberania legitima, ou o direito de fazer a paz e a guerra são gravíssimos atentados de natureza humanitária, que tocam a essência da memória cultural dos povos e da partilha de um património comum da humanidade. Desde 1945 que a dúvida se não punha, e qualquer incerteza neste domínio a todos prejudicará, uma vez que o que os direitos protegem, os direitos garantem; o que os deveres salvaguardam, os deveres consolidam. O primado do direito a todos interessa, porque assenta no respeito mútuo.
A Ucrânia conta atualmente com diversos bens culturais e um natural, declarados como Património da Humanidade pela UNESCO. Todos estão, agora, diretamente ameaçados: a Catedral de Santa Sofia de Kiev, conjunto de edificações monásticas e o Mosteiro de Petchersk,, símbolo da Nova Constantinopla, de um valor espiritual e unificador incalculável (inscrito em 1990); o Conjunto do Centro Histórico de Lviv, onde que se encontra praticamente intacta a topografia urbana medieval, a que se acrescentam as construções barrocas e posteriores (inscrito em 1998 e 2008); Dezasseis Tserkvas de madeira da região dos Cárpatos, nos territórios da Polónia e Ucrânia, trata-se de templos da igreja ortodoxa tradicional (inscrito em 2013); o Arco Geodésico do astrónomo Friedrich Georg Wilhelm Struve (realizado entre 1816 e 1855), abrangendo dez países, desde o Báltico ao Mar Negro (inscrito em 2005); a Residência dos Metropolitas da Bucóvina e da Dalmácia em Tchernivtsi, junto da Roménia e da Moldávia, do arquiteto checo Josef Hlavka, reflexo da política de tolerância religiosa mantida pelo Império Austro-húngaro (inscrito em 2011); a Cidade Antiga de Quersoneso na Crimeia, que apresenta os restos da cidade fundada pelos gregos dóricos no século V a.C. no norte do Mar Negro, importante centro vinícola envolvendo relações entre os impérios grego, romano, bizantino com referências atá ao século XV (inscrito em 2013); e, no domínio natural, as Florestas Primárias de faias dos Cárpatos, abrangendo 12 países (inscrito em 2007). Além destes casos, refira-se o Centro Histórico de Chernigov, perto de Kiev, agora sob ameaça direta, com referência à célebre Catedral da Transfiguração do século XI. Há já a lamentar a destruição confirmada e irreversível do museu de Ivankiv, localidade a noroeste de Kiev. A instituição apresentava 25 obras da Maria Prymachenko (1908-1997), artista fortemente influenciada pelo folclore ucraniano, elogiada por Pablo Picasso, pelo seu caráter percursor. Segundo a imprensa local poucas obras terão sido salvas por um cidadão local, que enfrentou sozinho as chamas. Note-se que a grave situação no terreno levou alguns especialistas, a duvidarem do efeito positivo do pedido de proteção, com receio de atrair atenções…
ESCUDOS AZUIS PARA PROTEÇÃO Entretanto, representantes da UNESCO e das autoridades ucranianas decidiram colocar Escudos Azuis nos bens patrimoniais ameaçados na zona do conflito. Além dos casos referidos, foi também assinalado o centro da cidade e o porto de Odessa. Esta prevenção insere-se na aplicação da Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, assinada na cidade de Haia em 14 de maio de 1954. O Comité Internacional do Escudo Azul (Blue Shield ou Bouclier Bleu) foi fundado em 1996 pelo ICOM (Conselho Internacional dos Museus), ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), Conselho Internacional dos Arquivos e Federação Internacional dos Bibliotecários e Instituições com o fim de assegurar a proteção do património cultural ameaçado por guerras e catástrofes naturais. O acompanhamento deste tema torna-se neste momento melindroso em virtude de o Comité do Património Mundial ser presidido por Alexander Kuznetsov, de nacionalidade russa, estando prevista em junho uma reunião na cidade de Kazan do referido Comité, o que é fortemente contestado. O fundamental é deixar claro que é motivo muito sério de preocupação por parte das organizações multilaterais o facto de haver na comunidade internacional dificuldade evidente em fazer prevalecer a perspetiva dos direitos humanos, dos valores democráticos e a ligação efetiva destes ao desenvolvimento humano e à cultura.
Entre o nunca e o sempre destas duas posições, há a de que a guerra é por vezes justificada, a doutrina da guerra justa ou da justa causa para a fazer.
Reconhecendo que o pacifismo tem como verdade crucial o valor da paz, tem-se como desfasado ao igualar todas as guerras e excessivo ao ter a defesa como um mal ao nível da agressão, pelo que tendo a agressão tão justa como a defesa, proibindo-se esta potencia-se a permissão do ataque, o que provoca a guerra, impedindo a sua prevenção. A guerra e a paz, o armamento e o desarmamento, são atos humanos, complexos, que provêm de seres vivos livres e responsáveis, passíveis de juízos de valor, o que tem como impositivo abordar a licitude da guerra.
A posição defendida pela doutrina de que a guerra pode ser justificada, teve e tem grande influência nas relações internacionais e na história da humanidade. Ninguém é indiferente à licitude ou ilicitude da guerra, ao seu uso justo ou injusto.
A doutrina da guerra justa nasceu quando o cristianismo vingou como religião oficial do Império Romano, sendo no essencial um resultado da teologia cristã. O pacifismo puro dos primeiros cristãos, segundo o qual se a beligerância ofendia o mandamento cristão do “não matarás”, devendo ser vedado combater aos seguidores de Cristo, foi-se tornando dispensável. Santo Ambrósio, pronunciou-se no sentido de que a guerra seria justa, se o objetivo fosse a defesa da pátria contra os bárbaros ou a proteção dos fracos. Santo Agostinho, começando pela exaltação da paz, acabou por concluir que a guerra podia ser lícita para restabelecer a paz, injustamente violada. São Tomás de Aquino, entendia que a guerra justa requeria uma causa justa, e como este requisito é tido como uma norma de teologia moral, argumenta que o assunto pertence à jurisdição da Igreja. Esta justa causa para fazer a guerra, foi também aprofundada e desenvolvida por um grupo de filósofos do direito natural e juristas internacionais, como Francisco Vitória, Hugo Grotius, Samuel Pufendorf, Cornelius van Bynkershoek, entre outros.
Era uma doutrina fundamentalmente moral que conferia legitimidade à luta contra a injustiça, sendo a Igreja, que a tinha concebido, quem julgava e aplicava sanções, além de fixar um código programático e de limitações da guerra.
Perante os horrores que estamos a viver, escrever o quê? O meu desejo era tão-só pôr como título: Ucrânia: o horror. Depois, pedir para colocarem na página em branco a imagem de uma cruz e, no fundo à direita, duas palavras: Lágrimas e solidariedade. E era tudo.
Mas estamos na Quaresma e, no Domingo passado, o Evangelho narrava as três tentações de Jesus, tentações que, lá no fundo, não são senão uma só: a tentação do poder total enquanto domínio: o poder económico — o diabo disse a Jesus: “diz a estas pedras que se transformem em pão” —, o poder religioso — levou-o ao pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo, os anjos levar-te-ão nas suas mãos” —, o poder total — “o diabo mostrou-lhe todos os reinos do universo: Dar-te-ei todo este poderio e a sua glória; se te prostrares diante de mim, tudo será teu.”
Jesus não cedeu. Mas, quando se cede, caindo na tentação do domínio total, da omnipotência, julgando ser Deus, então é o que se sabe, ao percorrer a História: horrores, tragédias sem fim, a brutalidade pura, reinos destruídos, impérios que se desmoronam, ódio, sofrimento e dor sem nome e sem fim... Lembrando apenas o século XX na Europa: várias guerras, com duas mundiais, custaram quantos mortos? E agora, quando pensávamos ter encontrado a paz, eis que, num desígnio imperial, Vladimir Putin, ignorando o Direito Internacional, a dignidade da pessoa, os direitos humanos, invade um país independente e soberano, a Ucrânia. E aí está outra vez a guerra, e as atrocidades sucedem-se, bombardeamentos indiscriminados, milhões de deslocados, feridos, mortos, edifícios arrasados, idosos, mulheres, crianças a fugir desesperados à morte, num calvário arrepiante, pungente. O intolerável que, no limite da loucura de uma guerra nuclear, poderia arrastar para o auto-aniquilamento da Humanidade...
Mesmo se a União Europeia e a NATO não souberam gerir da melhor maneira o pós-queda do Muro de Berlim e o desmembramento da URSS — não se deverá esquecer a ideia de De Gaulle sobre uma Europa “do Atlântico aos Urais” nem o discurso do Papa João Paulo II sobre o Ocidente e o Oriente como “os dois pulmões” da Igreja e da Europa —, isso não justifica de modo nenhum a invasão. Aliás, felizmente, como que anunciando o despertar para uma nova Europa, nunca a Europa esteve tão unida como nesta condenação e, também na Assembleia geral da ONU, 141 Estados votaram a favor da resolução condenando a invasão; apenas 5 votaram contra. Putin sentir-se-á isolado como nunca, já com um lugar na história dos tiranos, e a solidariedade com os ucranianos é gigantesca e cordial.
Nesta solidariedade e procura da paz mediante negociações diplomáticas, o Papa Francisco tem sido incansável. Logo nos primeiros dias da guerra, encontrou-se com o embaixador russo no Vaticano, telefonou ao embaixador da Ucrânia, manifestando a sua “profunda dor” pela invasão, e falou com o presidente ucraniano Zelensky.
Entretanto, enviou à Ucrânia dois cardeais: Krajewski, o esmoleiro, e Czerny, prefeito do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, como mensageiros da paz. No Domingo passado, foi claro: “Na Ucrânia, correm rios de sangue e de lágrimas. Não se trata de uma operação militar, mas de guerra, que semeia morte, destruição e miséria.” Lembrando as tentações, sublinhou que elas são “uma proposta sedutora mas que conduz à escravidão do coração: cegam-nos com a ânsia do ter, reduzem tudo à posse de coisas, de poder e de fama. Jesus, porém, opõe-se vitoriosamente à atracção do mal. Como? Respondendo às tentações com a Palavra de Deus, que diz que a verdadeira felicidade e a liberdade não estão no ter, mas na partilha, não no aproveitamento dos outros, mas no amor, não na obsessão pelo poder, mas na alegria do serviço.” E, mais uma vez, declarou: “A Santa Sé está disposta a tudo, a pôr-se a caminho pela paz.” Numa conversa telefónica entre o Secretário de Estado do Vaticano e o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, o cardeal Parolin repetiu a Lavrov o apelo de Francisco e a disposição da Santa Sé para todo o tipo de mediação considerado útil para fomentar a paz: “Os combates têm de cessar, impõe-se abrir corredores humanitários, negociar.”
O grande objectivo de Francisco é poder entrar em contacto, pelo menos telefónico, com Vladimir Putin. Para isso, precisaria da mediação do Patriarca ortodoxo de Moscovo, Kirill, que, desgraçadamente, se tem colocado ao lado de Putin.
Termino com parte da letra de uma canção, enviada por um amigo, intitulada: “Senhor Putin”.
“Sr. Putin, permita que lhe pergunte: afinal, quem é? Nasceu de pai e mãe? Tem coração que bate? Pensa? Sente? Já alguma vez sofreu? Já chorou? Como é possível sob o seu comando tanta gente perder a vida, perder a paz, ter de abandonar as suas casas, fugir das armas e tanques de guerra, tudo sob o seu comando? Como pode ver crianças a sofrer, a chorar assustadas, crianças mortas? Crianças a nascer em bunkers, mulheres a ver os seus maridos e filhos a morrer? Quem é afinal, Sr. Putin? Pense... Alguém lá acima, mas muito acima..., Esse, sim, a quem todo o poder pertence, Ele fará justiça e o Sr. Putin irá então encontrar-se consigo mesmo, dando conta da sua pequenez, ignorância, insignificância, frieza, crueldade e materialismo. A vida aqui tem um tempo limitado. Abra os olhos. Pare, Sr. Putin, pois esta guerra não é dos russos, é do Sr. Putin. Deus, sim, Ele é o Senhor de tudo.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 12 de março de 2022
A tradição pacifista tem uma verdade essencial, que é o valor da paz.
Só a verdadeira boa vontade, o espírito de tolerância, a crença num estado de coisas melhor para o mundo, através de uma educação consciente podem solucionar os males da guerra.
Para os pacifistas de todos os tempos, ninguém é capaz de justificar moralmente o porquê da guerra, pela simples razão de que não tem justificação.
Anula e contradiz o imperativo primordial da ética “Nãomatarás”.
A guerra, à semelhança dos genocídios e massacres, não faz parte da natureza humana, nem é espontânea, é organizada e pensada, sendo criada e sustentada por manipulações, propagandas ideológicas e construções políticas.
É um mal absoluto e total.
Para os belicistas a guerra é a única realidade histórica que acompanha, em permanência, o ser humano.
Hobbes tinha-a como inerente à humanidade, como parte necessária do homem, porque o egoísmo e a ferocidade ilimitada é nele natural.
Hegel tem a guerra como inevitável, a violência como o motor da história, sendo o herói hegeliano um guerreiro, tendo como referências históricas Alexandre (o Grande), César e Napoleão.
Os positivistas, os materialistas e os belicistas atuais, defendem que as guerras declaradas pelos Estados não são compreensíveis por remissão para critérios morais, dado tratar-se de um direito (dever) exercido com base no seu interesse soberano e não na sua justificação.
A responsabilidade do cientista é só para com a verdade científica, não para com a verdade moral ou social. Este realismo de matriz hobbesiana, tem a política internacional como uma espécie de estado de natureza em que cada Estado se assume como lobo, numa guerra de egoísmo sem fim.
Eis que surge, então, um embate crescente entre pacifistas e realistas de base hobbesiana.
“Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura”
“Os exércitos permanentes (miles perpetuus) devem, com o tempo, desaparecer totalmente”
O Projeto de Paz Perpétua, de Kant, tem como imperativo categórico que os Estados se associem numa organização de fins pacíficos, regida por uma lei universal que colocasse a guerra fora do Direito, declarando-a inimigo público número um de toda a humanidade.
Propunha como solução, para garantir a paz perpétua, a constituição de uma federação de Estados livres, uma República universal de um congresso permanente de Estados com competência para resolução de conflitos internacionais.
Sabemos, pela experiência vivida, que foi em nome dessa cooperação fundada em imperativos morais e jurídicos limitativos dos poderes estaduais que se norteou a Sociedade das Nações, o que não impediu, após a primeira grande guerra, que os ressentimentos se agudizassem e se chegasse à segunda guerra mundial.
Tudo para concluir que embora em termos estratégicos, mediatos e de longo prazo, não seja de excluir a utopia de uma organização internacional e universal que alcance um estádio similar àquele que, nos nossos dias, já foi atingido no interior dos Estados com o Direito a superar a vingança privada, só daqui por muitas gerações vindouras poderemos, eventualmente, banir a guerra e estabelecer uma paz justa.
Do mesmo modo, enquanto não tivermos um Direito Universal com a mesma eficácia e modelo do Direito que existe dentro de cada Estado, não haverá um Direito Internacional Público Universal.
Pura utopia falar em paz perpétua?
Guerra e paz sempre existiram, sendo nossa obrigação, com espírito de tolerância e uma educação permanente, reintroduzir nas relações internacionais a nobre tarefa de alcançar um consenso global a respeito da noção de guerra justa, paz e justiça.
Proclama a Unesco que Nascendo a guerra no espírito dos homens, é no espírito dos homens que devem ser construídas as defesas da Paz, sendo esta, na sua essência, a tectónica da paz, o que se pode adaptar à justa causa para fazer a guerra e a justiça, mesmo que se demorem séculos para excluir a guerra e consolidar a paz, ou mesmo que o imperativo categórico da paz perpétua não seja mais que uma magna promessa.