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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

A GRANDE AVENTURA CONTINUA A SER A INTERIOR

  


Não se desejam democracias supostamente aperfeiçoadas até ao adormecimento de quem não zelou pela exclusão, pela violência, pelas voltagens das diferentes culturas de humanos como nós.

As democracias existiram e existem para serem cuidadas e acordadas o suficiente para que nelas não medrem os silêncios brancos.

As democracias não se desenvolvem no isolamento do não escutar outros mundos, nem se podem envolver em mistérios que não descodificam erros graves não os denunciando, nem criando alternativas de correção, e não podem, nem poderiam as democracias deixarem-se constituir como meras periferias de natureza e cenários.

Todos os que para essas democracias contribuíram, são os mesmos que lhes reforçaram a fragilidade sob um aparato jurídico que as limitou desde a primeira hora.

A democracia por si só não é garantia de liberdade e a sua essência sempre dependeu da cultura e do desenvolvimento dos povos no aprendizado.

As democracias possuem vínculos irrompíveis e todos nós lhe sentimos a liberdade possível a entrar por aquela janela que nunca se fecha ao radar atento à descoberta que faz dos homens uma noção mais disponível.

Certo é que os homens têm de assumir a responsabilidade de se deixarem convocar pelo mais inóspito que se agarra à mochila das democracias, e descobrir a razão da não luz, e levá-la até onde se possa resolver por empenho e surpreendente passo a passo o que se permitiu que enquistasse.

E a democracia é também o reconhecimento da oposição.

E a democracia existe quando é possível o sim e o não, ou seja, quando nos podemos condenar, mas também salvar-nos.

E aquí a fundamental esperança de Aranguren - Nadie connoce al ombre, nadie puede sondarle en su corázón, pero debemos creer en él y esperar de él.

Todavia, nunca descuremos que o ambiente molda o caracter em maior dimensão do que o património biológico, como nos diz Kerstin Bergman, e não é possível eleger entre a violência e a pureza, mas sim entre distintos tipos de violência como bem afirmou Merleau-Ponty.

Na verdade, apela-se à violência e à não violência, quando ambas não se reconhecem como tal porque se autojustificaram e institucionalizaram pela lei dos homens, afastados do conhecimento de si, e nesse “si”, a violência primária e nua encapotada sob o manto do direito e da moral.

Há muito que a não-vida fez parar mentalmente as gentes que só se identificaram com elas próprias, e são essas mesmas gentes que seguem os guionistas como se segue um vício pardo, mas metastático.

O laisser faire permitiu os negócios de proteção de grupos para privilégio real de uns poucos, sem se procurar uma resposta de moralização democrática, a partir da desigualdade provocada nos cidadãos por estas mesmas realidades.

Mas registe-se que fora do espaço da democracia até o direito natural se converte num instrumento político ao serviço da ordem estabelecida.

E também certo tipo de religiosidade, quando se sente ameaçada pela secularização própria dos nossos dias, reage constituindo-se na base de muitos fanatismos.

E diga-se que as democracias permitem, enfim, que um sistema de vasos comunicantes funcione.

Todavia, para isso acontecer em consistência, não nos esqueçamos de corrigir as nossas inúmeras omissões aos avisos de entupimento desses vasos comunicantes, nomeadamente sabendo o que constitui a integração social, indispensável realidade para a estabilização de todos os excluídos, os sem oportunidades, os desprovidos da possibilidade do uso dos direitos, enfim, todos aqueles para quem a repulsa pela democracia ou por um extremismo qualquer lhes é absolutamente indiferente.

Ao contrário do que muito se afirma, não estão os bons de um lado e os maus de outro, para se condenar uns, e para que se possa canonizar outros, só a minimização moral sem sustentação na mais ínfima realidade, concede.

Não há maus sem mescla de bons nem bons sem mescla de mal algum, mas a situação extremada de ambos constitui a suprema responsabilidade de todas as maiores violências, de todas as ambiguidades, de todas as submissões ao poder de quem tem, em valor monetário, o mesmo que um orçamento de um estado soberano, e ainda promete oferecer a todos um teto para uma existência ajoelhada.

Só o homem aventureiro que renuncia a este amparo submetido, se entrega ao risco de um heroísmo solitário, esse mesmo que todo o homem generoso transporta em si, colocando-se fora desta nova lei, não enquanto bandido, mas recusando o colaboracionismo assente nos caídos que cederam ao cansaço, ou os que habitaram a ignorância não sabendo desde quando assinaram o contrato. Este o tema de Albert Camus no seu livro Os justos.

As democracias estão confrontadas por uma polarização aberrante. As redes sociais provocam indizíveis disfunções. Os algoritmos estão projetados para que as pessoas cliquem e cliquem e cliquem, pontuando nas bitcoins, ou a facilidade do poder ao dinheiro não fosse a base da nova e opulenta sociedade, a mesma que diz respeitar os sentimentos numa nova fórmula sem qualquer emoção.

 

Mas como a grande aventura continua a ser a interior

Sei muito bem o que não me quero tornar

     Nietzsche


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

UM AZUL SUPERIOR


Nestes tempos confusos em que se admira mais a bravura física do que a coragem moral há um mundo que visa criar o caos adubando o medo. Um mundo absolutamente consciente da sua mentira; um mundo de insignificância que troça dos pensadores que teme; um mundo que promete segurança, abrigo, justiça e prosperidade, no maior desprezo pela verdade do que é humano; um mundo que só lhe interessa não valorizar o que até hoje se alcançou para em tudo semear ambiguidade e incerteza, utilizando as redes sociais num obsceno jogo de comando, através do qual a liberdade vai sendo eliminada e os seres semelhantes a térmitas, mil vezes multiplicados.

É um mundo que nenhuma cultura merece.

Um mundo bruto que defende os muros farpados, o não entendimento da diferença, um mundo que compra com alegria a ignorância a preços baixos.

Chegaram estes tempos confusos com a ajuda do culto do eu, e dentro desse eu, cada um, supostamente sacerdote de si, aprisionado na era dos meios digitais, e como se já antes desta era, por cima do ombro, estes eus se tivessem compreendido nas suas pequenas verdades; como se o narcisismo dos eus não fosse tóxico e capaz de contar apenas a história que desejam ouvir e transmitir.

Na verdade, aqui chegados, muitos ambicionam entrar em cena na procura do poder a fim de concretizarem a sua única vontade, inclusive, tripulando naves que só eles conhecem destino, colapso ou emergência.

Entretanto invoca-se a criatividade, e as start-ups prometem também a ressurreição!, qual falácia agitada e organizada da nova termiteira.

E encontramo-nos quando tiramos a máscara que usamos diante de todos?

O que encontramos por trás da máscara?

Um somos ninguém? ou um pouco do alguém?

Quando criámos uma alternativa de soluções eficazes aos desafios que encontrámos?

Quando?, quando ideias materializáveis foram contributo às perguntas sem resposta?

Quando a aventura humana se confundiu?

E hoje, hoje temos convicções suficientemente sólidas para lutarmos contra quem quer destruir a capacidade delas se formarem?

Está a chegar um novo ano e já vimos demasiadas coisas.

O herói de uns é o vilão de outros, e anda muita gente desorientada sobre o que significa ser bom ou ser melhor.

Até já se desconfia daqueles que tomam posições contra o abuso de poder ou de dogmas.

E nem sempre foi assim.

E nem sempre foi assim.

E muitas vezes já foi assim.

E muitas vezes já foi assim.

As ondas da história fazem-se sempre ao redor de uma rotunda, mas também podemos ser, de repente, algo poderoso que acontece:

Volto a recordar o jovem rebelde que ficou em pé frente aos tanques na Praça Tiananmen.

E desde então nada se compreendeu?

Não estar morto não é tudo o que há a celebrar!

Fará sempre parte da nossa tragédia apenas colocar as culpas nos outros, minimizar os perigos reagindo demasiado tarde, ridicularizar a ciência, politizar doenças, relativizar a não-vida enquanto por entre tudo, uma primitiva manipulação já obteve êxito na criação de abismos de ódio entre os homens.

E não é fácil descortinar como esses abismos serão ultrapassados.

Quem toma por garantido deseja que nada aconteça depois disso: que não exista um tu vivo, um tu que sinta, pense e fale.

E não é fácil explicar o facto de não se saber coisas e é inexequível exprimir o facto de se não saber o que é saber.

Nas grandes tragédias humanas sempre esteve o comportamento do pior da nossa natureza, esse mesmo que se expande no obscurantismo das multidões fanáticas, na crueldade como seu traço distintivo.

Há de novo um mundo que pretende reinar destruindo tudo o que existe para dar início às versões dos messias titânicos que já vestem o nanismo do futuro do outrora.

Mas recuperadas forças e estupefações, a luta pela vida digna provará que o rugido de um mundo não ensurdece o de um outro onde vive um azul superior.

Com boas leituras que venha 2025!


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

Os indris deixam de cantar em cativeiro


Os guias apontaram para um estranho animal no cimo das árvores e exclamaram «Indri» já que esta palavra significa «olhe para aquilo» e foi entendida a palavra «Indri» como sendo o nome local do animal.

Rezava a história que se se atirasse uma flecha contra estes animais, eles a apanhariam no ar e devolviam-na à procedência com pontaria certeira, e assim geraram-se as histórias sobre o Indri e estabeleceu-se um lugar do Indri na evolução dos grandes mamíferos, concluindo-se que humanidade e indris são aparentados.

De muitas das criaturas da Terra esta é uma das mais raras e cativantes e mesmo que as lendas sejam difusas, eu gosto de pensar que são de excelente clareza.

Acresce que, segundo a lenda, os indris reconheciam uma relação com os humanos, pois ajudavam muitas vezes a humanidade, nomeadamente com o seu uivo avisavam as aldeias da aproximação de ladrões.

Os indris são muito afetuosos entre si, passam horas a acariciar-se em gestos de grande proteção e parecem muito humanos, com proporções entre a medida das pernas e do peito muito próximas de nós.

Vivem os indris numa parte das florestas orientais de Madagáscar, florestas que estão a desaparecer, vítimas de incêndios e desflorestações devido a atividades de minério.

Em cativeiro os indris têm dificuldade em sobreviver e assim esta espécie fabulosa está ameaçada de extinção.

O Indri é o maior lêmure que se conhece. Todavia, o caminho entre os humanos e eles divergiu há milhões de anos, mas há uma conexão impressionante: os Indris são dos poucos mamíferos que cantam, criando mesmo coros nas copas das arvores que ecoam por muitos quilómetros.

Contudo, os indris deixam de cantar em cativeiro e apenas piam em constantes gritos de alarme.

Que a interpretação desta realidade, manifestação de sentir, faça parte do nosso círculo moral; que seja analisada com a riqueza de quem no mundo respeita a vida e a casa que todos partilhamos neste planeta; que em paz, esta aventura da existência, inimitável e extraordinariamente comovente esteja na base do nosso mais completo compromisso.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  


O Natal não é uma época para nos obrigarmos a ser felizes.

É sim, uma época por entre todas as dos dias que não deviam descuidar a construção dos significados, das razões de se deixar à mesa uma cadeira vazia à frente de um prato- expetativa-lembrança- lugar-de-pertença de alguém que está sem lar.

O Natal é sim, mais uma proposta de um tempo, um tempo de “ir à terra”.

À terra que nos desafia a memória que afirma o primado da vida sobre a morte, aquela mesma memória pela qual nos conhecemos, nos esquecemos, nos desentendemos e nos compreendemos.

“Ir à terra” no Natal, é sim, como todos os tempos são, tempos de nos recebermos recebendo os outros; tempo de compartilhar, de escutar tal como o devemos fazer em qualquer outra data, vivendo a realidade que não conhece o poente do amor.

Esquecer as razões da tristeza, da dor, da nostalgia, das guerras, da fome, das doenças, da revolta, da solidão, do abandono, da ausência de laços entre os homens, quando ninguém é como as famílias dos filmes, quando se concorda uns com os outros em não nos importarmos, é esquecer a renovação da verdade do nascer, e este “ir à terra “ no Natal não é de todo um ato luminoso, mas antes a visibilidade de um mundo que continua a escurecer.

Um dia, ainda na infância, cavei na praia, uma leve cova e do seu fundo vi surgir um outro mar e o meu empenho foi guardá-lo inteiro para o próximo Natal, dali a um nadinha, dali a uma próxima onda.

E continua a ser nesta época e em todas as da natureza dos musgos que as crianças nos saciam uma fome.

Está a chegar outro Natal!

 Qu’est-ce que signifie “apprivoiser”?

(…)Ca signifie “créer des liens…”


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  


Procurar a felicidade é uma necessidade humana e como todas as necessidades ela é atribuída a uma falta.

Aprender a desenvolver as nossas potencialidades, é tomarmos consciência do sentido que queremos dar às nossas vidas, é tomarmos consciência dos limites e da finitude.

Sabemos que para vivermos melhor todos carecemos de amigos a fim de nos conhecermos a nós mesmos. Ter amigos é, sem dúvida, uma necessidade. Somos seres relacionais e a nossa autonomia implica a própria realidade que nos torna dependentes uns dos outros.

Aristóteles afirmou que a procura da amizade e a busca da felicidade são um mesmo caminho e afirmou mesmo que «quando os homens são amigos, não há necessidade de justiça».

Encontrarmo-nos para conversar é uma harmonia resolvida que implica a harmonia dos outros connosco, e se acaso esta harmonia encontra fissuras, algo nos desassossega no equilíbrio da dependência recíproca, na experiência da comunhão afetiva que é indissociável da condição humana.

A amizade proporciona segurança e autoconfiança; proporciona a meditação entre amigos; proporciona o bem comum que nos conecta: a sympatheia que nos faz sentir afetados pelo sofrer e pelo prazer dos outros.

David Hume cultivou com Adam Smith uma profunda amizade e entendia de que o que motivava o comportamento das pessoas era o calor dos sentimentos e não a fria razão. Assim, este «sentir com» levou-nos também a entender o quanto a felicidade da sociedade é aquela que merece o entendimento daqueles que a compõem.

A felicidade não tem receitas para ser alcançada, mas razões para se não sucumbir ao não esforço por este bem maior - que exige tempo e paciência - na consecução de algo rico, de algo com limite, mas que concede.


Teresa Bracinha Vieira


Obs.

Pierre Aubenque, no seu livro sobre a virtude da prudência aristotélica, e tal como o interpretámos, convida-nos a refletir sobre o querer apenas o que é possível e desfrutarmos da vida até onde ela depende de nós.

Jesus Mosterín, no seu livro Racionalidad y acción humana, e tal como o interpretamos, atenta o quanto a racionalidade não promete o caminho da felicidade, mas pode constituir um guia de onde podemos extrair soluções para prosseguirmos os nossos fins «(…) que são mais amplos do que as nossas vidas e que se espalham no tempo.»

CRÓNICA DA CULTURA

  


Durante uns tempos ele teve um inquilino no quarto de hóspedes. Era mercenário. Andava sempre de colete à prova de bala.

A ambos agradava que fossem muito calados. O tento na língua era fundamental. As paredes têm ouvidos.

Um dia, o mercenário, depois de pedir licença, levantou-se e saiu da sala. Foi a primeira vez que o vi de frente. Tinha uma carantonha que fazia medo. O que faria ele ali?

Uma vez por semana o sacerdote visitava-o lá em casa e recomendava-lhe um rosário de mea culpas que ele silenciosamente aceitava cumprir, recolhendo-se no quarto.

Naquele sábado quando cheguei, o quarto já estava vazio e limpo. Chegara a hora de eu poder ser o inquilino que se seguiria. O mercenário sentira-se livre e partira. Ouvi.

Aquilo tudo me fez uma grande confusão.

Mas, talvez, quem sabe? eu também precisasse de alguém que me aliviasse do peso do que sabia de mim e me ajudasse a encontrar algo neutro.

Talvez um sacerdote pudesse ser o meu sapador psicológico que me ajudasse a desarmar a bomba das verdades.

Em rigor, vivia extenuado de tanto me debater com os meus demónios, com os meus pesadelos, as minhas insónias e aflições continuadas, e decidi procurar ajuda no especialista em dramas de almas.

Assim, combinei aceitar terços e terços de mea culpas durante uns tempos, convicto da verosimilhança com o que acontecera com o mercenário.

Sentir-me-ia livre e partiria, enfim.

Mas nada acontecia. As múltiplas penitências não me abriam portas nem frinchas. Eu era uma verdadeira fortaleza de mim. Os deuses não entravam na minha própria história melhor do que eu, e o alerta, pertencia-me.

Não era mercenário. Não possuía carantonha de fazer medo, mas algo me impedia de ir à vida.

Num final de tarde, agachei-me exasperado no soalho do quarto com a cabeça entre as mãos. Arranhei a cara como se lhe quisesse tirar a pele. Gemi como só se geme no dia da agonia.

Tempos, tempos de inquilino no quarto de hóspedes.

Tempos também em que o abismo começou a tomar forma de braços, e eu muito devagar deixei de ser o final de alguma coisa e peguei no giz, o registo que desaparece, ou uma simetria entre o que morre e o que floresce.

Pessoa fosse como fosse.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  
      Árpád Szenes


E escrever sobre o eu.

O eu que poucos conhecem, o eu de fora, o de dentro e os eus que nem a lâmina finíssima separa.

O eu nascido, o eu universo, o eu memória, o eu consciência, o eu virtual, expressão do self.

Sim.

Escrever. Refletir.

E escrever com as palavras

essenciais

e com todas as outras também essenciais.

Nelas e nas por escrever, acontecimentos, pensamentos, primeiros e últimos

de eus também de um deus; de deus nenhum; de eus de vários deuses.

E também escrever e refletir sobre o eu-coxo

e sobre o eu que desconhece

o coxeio.

E refletir e escrever sobre o eu das trocas do nada pelo vazio,

do não sei quem pelo não sei quê como ponto de partida.

Refletir.

Escrever.

Vitaliciamente.

E refletir e escrever sobre o eu das pandemias dos eus prenhos do medo.

Refletir e escrever

sobre todos os eus contidos na morte que os esquece.

E escrever sobre o eu.

E refletir sobre o eu debaixo da imensidão que carece de significado.

O eu

meu, nosso

ao qual chegamos

na estreita margem da liberdade

ainda triunfo, ainda aresta viva,

idealidade


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

E pego-vos ao colo

numa pretensão de mãe

que

só vos fala

através dos sonhos 

  

Que

a vossa superlativa dor reclama à piedade extinta

que

a indiferença do mundo em vós

não finda

que

a vossa resistência é húmida de sangue e lágrimas e medo e aflição

e tão imensa a vossa nudez

acossada

por homens sem olhos

de horrendas pálpebras

grandemente abertas

para que nada viva

para que nada se perceba ou se ame

que

vossos rostos

desaparição

Ó inocentes!

que

rasgada e arrastada a vossa pele em chaga

ainda rejeitam

que

vossos filhos pressintam

que

as asas que lhes prometeram

se suicidaram no amanhecer

do vosso abandono

absoluto

Ó inocentes

que

de nós retiraram parte

para fazer outros iguais

que

somos nós

os indignos

E pego-vos ao colo

numa pretensão de mãe

que

só vos fala

através dos sonhos


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  


Há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis.

Maquiavel

O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta.

Maquiavel

Para Maquiavel entender o comportamento humano diante do poder é fundamental a fim de que o poder delibere ações que permitam antecipar o que se deve fazer para perpetuar esse poder.

Ele tinha uma visão de que a natureza humana era profundamente egoísta e voltada para a busca do poder.

Retinha a importância da necessidade de incutir o medo como motivador para controlar as circunstâncias, argumentando que os governantes deviam agir com ambição e crueldade avaliando a realidade, e entendia que “os rebeldes” que se opõem ao poder não deviam ter lugar na sociedade.

Pare ele, o poder, tem de ser capaz de agir de forma imoral para garantir a aparente estabilidade política, e não de acordo com o que ele chamava de ideais abstratos.

Política era para ele astúcia e pragmatismo numa busca implacável pelo poder.

Um governante deveria manipular, enganar os outros, usar de todas as persuasões, utilizar toda a estratégia da propaganda em seu favor, numa busca absolutamente implacável para alcançar os seus objetivos.

Para Maquiavel, o contexto molda todas as ações das pessoas e determina as suas decisões, donde, entender as circunstâncias é essencial para entender e manobrar a natureza humana.

Inúmeras são as referências de Maquiavel aos desejos (ou humores) que constituem a dinâmica pulsional de toda civiltà.

Quanto à natureza dos humores, refletia que “o desejo dos grandes é positivo porque determinado, ao passo que o desejo do povo, indeterminado, é negativo: antes de mais nada, o povo exige apenas não ser oprimido”.

Para muitos, isto significa o esvaziamento do desejo do povo de todo e qualquer conteúdo político ou significa que o povo "não quer saber nada do poder”.

Acresce que para Maquiavel existem duas funções para a religião: “a que implica que o governante saiba como quer interpretar a religião, e a segunda, a de conseguir com essa interpretação, conduzir o povo ao que ele chama de patriotismo” (Josete Soboleski).

E enfim,

São tão simples os homens e obedecem tanto às necessidades presentes, que quem

engana encontrará sempre alguém que se deixa enganar.

Maquiavel


Teresa Bracinha Vieira