Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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«Memorial do Convento» de José Saramago (1922-2010) foi publicado em 1982 e constituiu um grande sucesso literário, pelo tratamento do tema, pela vivacidade e ritmo da escrita, pelo domínio da língua portuguesa.
É o retrato do rei D. João V e da sua magnificência, num tempo dominado pela riqueza do ouro do Brasil no reino, numa rica convergência de elementos contraditórios, bem evidenciados na complexidade das personagens escolhidas.
Se para Victor Hugo o protagonista de “Notre-Dame de Paris” foi a própria catedral, também para Saramago a personagem fundamental, em torno da qual tudo se desenvolve o romance, é o Convento de Mafra. «Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento de Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido»...
A riqueza do ouro, transportado em arcas, contrasta com os vários operários anónimos que contribuem para a magnífica construção. E entre eles, está Baltasar Mateus, que tem a alcunha de “Sete-Sóis” porque vive atraído pela luz, tendo perdido a mão esquerda na guerra da sucessão de Espanha. Baltazar ama Blimunda Jesus, chamada de “Sete-Luas”, porque consegue ver no escuro e por dentro das pessoas. Esta, ao ter esta capacidade, consegue recolher as vontades de cada um, como nuvens abertas ou nuvens fechadas. Os dois conhecem um clérigo visionário, o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, “o voador”, marcado pelo espírito científico e pela heterodoxia religiosa, que inicia a construção de um aparelho voador, a Passarola, com o objetivo de subir em direção ao Sol, em lugares a que só Cristo e os santos tinham chegado. A concretização deste sonho torna-se uma obsessão e leva-o a viajar primeiro para a Holanda, em busca do segredo, que permitiria a Passarola voar, e depois para Coimbra, onde se doutorou. É ele, aliás, quem realiza o batismo e a comunhão de Sete-Luas e Sete-Sóis: «o padre virou-se para ela, sorriu, olhou um e olhou outro, e declarou: Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem batizada estava, que o batismo foi de padre, não alcunha de qualquer um». Após um dos voos da Passarola, Bartolomeu foge para Espanha, perseguido pela Inquisição, enquanto Blimunda e Baltasar tratam de esconder o aparelho entre os arbustos da serra e de fazer a sua manutenção.
Não podemos esquecer a figura do grande músico Domenico Scarlatti que, a convite do Padre Bartolomeu, participa no projeto da Passarola, como testemunha silenciosa. Então une-se a ciência e a arte, como reveladoras de um espírito de inovação, de respeito e de abertura ao progresso. Scarlatti instala secretamente o seu cravo na Quinta do Duque de Aveiro, onde toca a sua música e inspira a construção da Passarola, símbolo da modernidade e dos novos tempos das luzes. E quando Blimunda fica com a estranha doença do esgotamento na recolha das vontades, a arte do músico provoca uma cura completa. Um dia, Baltasar ficou preso à passarola, enquanto fazia a sua manutenção, e os cabos que a impediam de se elevar nos céus rebentaram, tendo sido levado pelos ares. A aeronave então despenha-se e Baltasar é capturado pela Inquisição, acusado de bruxaria. Blimunda recolhe, no epílogo do romance, a vontade de Baltasar, enquanto este morre, condenado à fogueira.
E quem é Baltazar? Um homem simples, rudimentar, resignado, terno e fiel, que ama Blimunda, a qual compensa a mão que lhe falta, mas que lhe permite compreender para além do que vê, aceitando o que a vida lhe oferece. E no final é Blimunda quem sobrevive, ela que aprendera tudo o que sabia ainda no seio de sua mãe, onde estivera de olhos abertos.
George Orwell, pseudónimo de Eric Arthur Blair (1903-1950), é porventura o mais célebre dos cultores da literatura distópica no século XX, tendo escrito “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” (1949) e “Animal Farm” (“O Triunfo dos Porcos”, 1945) obras referenciais ao lado de “Farenheit 451” de Ray Bradbury (1963), “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley (1932) e “Nós” de Yvegeny Zamyatin (1924).
Winston Smith é o protagonista da novela, membro do Partido Externo (Outer Party), que trabalha para o Ministério da Verdade, responsável pela propaganda. Reescreve notícias dos jornais do passado, no sentido de as pôr de acordo com a ideologia do Partido. O Ministério destrói igualmente todos os documentos que contrariem a versão oficial dos acontecimentos. Smith é um trabalhador diligente, mas odeia intimamente o Partido e sonha com a rebelião contra o Grande Irmão. A tirania era supervisionada pelo Big Brother (o Grande Irmão), líder do Partido, que pratica o culto da personalidade, buscando o poder próprio pelo poder, com subalternização do bem dos outros. Uma ostensiva preocupação em definir a verdade como realidade exclusiva e incontestável (hoje falaríamos em pós-verdade) levou George Orwell a utilizar expressões e termos como: duplipensar, crime de pensamento, novilíngua, teletela ou 2 mais 2 igual a 5.
O romance tem lugar na “Pista Número Um”, o novo nome de Inglaterra, sob o regime totalitário do Grande Irmão e da sua ideologia “IngSoc”. Diariamente, os cidadãos deveriam parar de trabalhar durante dois minutos para se dedicarem a exorcizar o “traidor” foragido Emmanuel Goldstein e, em seguida, para idolatrar a figura do Grande Irmão. Smith não tem memória da infância ou dos anos anteriores à mudança política e, ironicamente, trabalha no serviço de retificação de notícias já publicadas, publicando versões retroativas e “retificadas” de edições históricas do jornal “The Times”. Estranhamente, começa a interessar-se perigosamente pela sua colega de trabalho Julia, numa sociedade em que o sexo sem procriação é considerado crime. Ao mesmo tempo, Winston é persuadido por O'Brien, um burocrata do círculo interno do “IngSoc”, no sentido de impedir que abandone a fé no Grande Irmão.
“Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” é uma metáfora sobre o poder. George Orwell escreveu-o para denunciar o risco das sociedades modernas se deixarem dominar pela tirania do pensamento único, da idolatria e da mistificação confundida com a verdade. São os totalitarismos de diversas orientações que estão em causa, uma vez que Orwell antecipa o risco de o Estado controlar o pensamento dos cidadãos, designadamente através da manipulação da língua. Daí a criação pelos especialistas do Ministério da Verdade da “novilíngua”, que, uma vez completa, impediria qualquer opinião contrária ao regime. “Duplipensar” era, aliás, uma das mais curiosas palavras da Novilíngua correspondente a um conceito segundo o qual era possível ao indivíduo aceitar simultaneamente duas crenças diametralmente opostas – justificando a mentira. A Teletela era um televisor que permitia ver como ser visto, sendo o padrão de fundo a figura inanimada do Big Brother. Segundo a teoria da Guerra, o objetivo desta não seria vencer um inimigo nem lutar por uma causa, mas sim manter o poder das classes dominantes, limitando o acesso à educação, à cultura e aos bens materiais. A guerra serviria para destruir os bens materiais produzidos pelos mais pobres e impedir que acumulassem cultura e riqueza. Assim, um dos lemas do Partido, "guerra é paz", era explicado por Emmanuel Goldstein: "Uma paz verdadeiramente permanente seria o mesmo que a guerra permanente".
Muito se discutiu sobre a razão de ser do título por extenso de 1984, mas a explicação mais plausível é que se trata do anagrama do ano em que o romance foi escrito, trocando os dois últimos algarismos, para aproximar a realidade da Inglaterra de 1948…
Os críticos são unânimes em considerar “O Grande Gatsby” como um dos grandes romances da literatura mundial. O seu autor, Francis Scott Fitzgerald (1896-1940), tornou-se, de algum modo, um símbolo do tempo que retratou no seu livro, mas (como muitas vezes acontece) a sua obra-prima não teve imediatamente o reconhecimento que a posteridade lhe reservaria. Anthony Burguess afirmou mesmo que o livro e o autor definiram toda a geração. O amor e o drama de Scott e Zelda, as doenças, a tuberculose, o alcoolismo, a morte prematura, “Os Contos da Era do Jazz” e “Terna é a Noite” (1934) são marcas indeléveis.
Publicado em 1925, o romance passa-se entre Nova Iorque e Long Island, no verão de 1922, nos “anos loucos”, entre o fim da guerra e a grande crise. Há uma clara ambiguidade na apreciação de Fitzgerald, que admira o ambiente e o “glamour”, mas que critica o materialismo sem limites e os sinais evidentes de decadência moral. É o tempo da Lei Seca e da 18ª emenda à Constituição americana. A proibição da produção e consumo das bebidas alcoólicas gerou a especulação desenfreada e o aumento do crime organizado, tendo como símbolo Al Capone. Nick Carraway é um jovem comerciante de Midwest, que se torna amigo do vizinho Jay Gatsby, magnate célebre pelas festas que dava em Long Island. A fortuna de Gatsby é, no entanto, motivo de suspeitas, ninguém sabe o passado do anfitrião. Há ainda a referir Tom Buchanan, antigo desportista, casado com Daisy (Mia Farrow, no filme de 1974), que, por sua vez, é prima de Nick. Todos os sábados, há grande animação em casa de Gatsby, mas o entusiamo deste não é grande. E Nick descobre que o milionário só mantinha as festas na esperança de que Daisy, seu antigo amor, aparecesse. A pedido de Gatsby, Nick consegue que ele se encontre com Daisy e inicia-se uma relação explosiva. Tom apercebe-se do renascimento do amor de Gatsby por Daisy – e o seu ódio relativamente ao milionário é reforçado pelas informações que obtém sobre as atividades ilegais deste. Gatsby força Daisy a dizer a Tom que nunca o amou – o que ela faz, com alguma hesitação. Mas tudo se precipita, Daisy e Gatsby regressam a Long Island. É ela que conduz o automóvel amarelo. No caminho, ocorre um terrível acidente, é atropelada mortalmente Myrtle, mulher do garagista George Wilson, amante de Tom, que saíra desorientada de casa depois de uma discussão conjugal. Wilson fica desesperado e jura descobrir quem matou sua mulher. Tom explica-lhe que o automóvel amarelo não é seu, e que ele nada tem a ver com o tremendo desenlace. George Wilson está cego de ódio e sede de vingança. Nada ouve, apenas quer fazer justiça pelas próprias mãos. Durante toda a noite está muito agitado, profere impropérios, anda de um lado para o outro. Finalmente, parece chegar a uma conclusão e vai procurar o automóvel amarelo, dirigindo-se a casa de Tom, que prepara as malas para partir para longe com Daisy. Tom, sob ameaça de uma arma, insiste na sua inocência e refere o nome de Gatsby. Wilson, desvairado, parte ao encontro do magnate. Gatsby nada na piscina, ciente de que o amor de Daisy pode estar perdido, mas ainda lhe assiste uma remota esperança. O garagista dispara sobre Gatsby e mata-o, suicidando-se em seguida no amplo relvado da casa, outrora cenário deslumbrante. Com Gatsby morto, ninguém parece fazer caso da sua memória. Mr. Gatz, o pai, veio para o funeral, recordando a criança que seu filho foi e os compromissos que fez para que pudesse vencer na vida. Nick tenta encontrar quem vá ao enterro, mas ninguém se interessa. Apenas vão três pessoas - Nick, Mr. Gatz, e "Owl Eyes", talvez o único dos convivas das festas de Gatsby que um dia mostrou interesse a Nick pela biblioteca da casa. Quando Nick parte para o Centro-Oeste dos Estados Unidos, tudo parecia ter-se esvaído em ilusão, a relva noutro tempo impecável cresceu e o entusiasmo tão aparente daria lugar ao grande desastre…
Albert Camus (1913-1960), Prémio Nobel da Literatura de 1957, representa uma das referências fundamentais do existencialismo. Com uma obra rica e multifacetada, o escritor franco-argelino foi, pela liberdade de espírito e pela orientação libertária, aquele que, na sua geração, melhor pôde corresponder à superação do espírito do tempo. Foi profundamente criticado, quando publicou “O Homem Revoltado” (1951), por não se ter eximido a criticar o que alguns consideravam tabu, no contexto da guerra fria, mas o tempo veio a confirmar plenamente a compreensão que teve em relação ao risco da tentação totalitária, que existia e poderia aparecer onde menos se esperaria…
Camus disse que o império dos homens pode desvirtuar os objetivos justos, pela cegueira do poder. Todavia, a culpa dos crimes feitos em nome desse império não é da revolta, mas sim a fuga e o esquecimento relativamente às razões da rebelião. A evolução da história contemporânea demonstrou que Camus estava na razão, tendo compreendido os riscos da ilusão sobre a infalibilidade da justiça.
O “Arquipélago de Gulag” e sobretudo o que se lhe seguiu vieram dar razão a Camus, não porque ele nos tivesse dado uma chave de interpretação, mas porque abriu, pela liberdade crítica, perspetivas para uma análise objetiva dos acontecimentos.
No ensaio “O Mito de Sísifo” (1942), escrito em plena grande guerra, o tema central é o absurdo, considerando o homem em busca de sentido num mundo ininteligível, na linha do pensamento de Nietzsche. Será que o absurdo conduz ao suicídio? “Não” - responde o escritor - “Obriga à revolta”. E compara o absurdo da vida do homem à situação de Sísifo, figura condenada a repetir eternamente a tarefa de empurrar uma pedra até o cimo de uma montanha, sendo que, uma vez alcançando o topo, a pedra rolava montanha abaixo até ao ponto de partida pela força irresistível da gravidade, destruindo todo o esforço despendido. Sísifo (como acontecera a Prometeu) desafiou os deuses e foi condenado para toda eternidade, a empurrar a pedra até o topo; e a ter de começar tudo de novo, vezes sem conta. Sísifo é, assim, o ser que assume a vida no máximo das suas possibilidades, odeia a morte e, por isso, é condenado a uma tarefa sem sentido, como herói absurdo. Camus apresenta, assim, a grande metáfora da vida moderna, em que “o operário de hoje trabalha todos os dias na sua vida, repetindo as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas é trágico porque só em raros momentos se torna consciente".
Contudo, para Camus, também há o absurdo criador ou do artista. E o absurdo da arte encontra-se com a experiência do mundo e com a existência de cada um de nós. “Se o mundo fosse claro, a arte não existiria”. E Camus lembra Dostoiévski e “Os Irmãos Karamazov”, no qual os protagonistas se encontram, ao explorar os limites da existência, num caminho de esperança e fé, que os leva a não serem criações totalmente absurdas. Camus sentiu-o quando, em plena guerra da Argélia, invocou os riscos sofridos por sua mãe quando a violência tomou conta do quotidiano da vida, apesar da justeza da luta. O seu compromisso pela Resistência, a sua opção pela liberdade, não impediram que fosse incompreendido e acusado em nome de uma lógica abstrata e cega.
Também no ano de 1942, Camus publicou “O Estrangeiro”, protagonizado por Mersault, que assassina um homem e é condenado à morte, mas vive a permanente indiferença em relação a todos os valores morais. Não aceita as regras do jogo. Contudo está disposto a ir até o fim na defesa da verdade em que acredita. Mersault desmascara a hipocrisia alimentada pela sociedade e por cada um – o homem abandona quem ama, mas também é abandonado, e é impotente perante as desgraças que presencia, e que finge não ver. “O Estrangeiro” disseca o que está errado, abre-nos os olhos para a limitação das falsas regras morais.
Camus morreu em janeiro de 1960 num brutal acidente de automóvel. O seu amigo e editor Michel Gallimard também perdeu a vida. Conduzia um Facel Veja e insistira para que o escritor aceitasse a boleia, ainda que tivesse já comprado os bilhetes para viajar de comboio com René Char. Consigo tinha o manuscrito de “O Primeiro Homem”, romance autobiográfico, que deveria sempre ficar inacabado. Como escritor, filósofo, romancista, dramaturgo, jornalista e ensaísta, Albert Camus tornou-se o verdadeiro exemplo de quem sofreu na pele as angústias e incompreensões decorrentes da lógica do absurdo, sem nunca deixar o apego necessário à liberdade.
Todos temos na memória as cenas marcantes do filme de Christian-Jaque “A Cartuxa de Parma” (1839) sobre o romance imortal de Stendhal (Henri-Marie Beyle 1783-1842) em que o triângulo amoroso, representado por Sanseverina - Maria Casares, Fabrício Del Dongo - Gérard Philipe e Clélia Conti - Renée Faure, permite acompanharmos uma das mais importantes referências românticas da literatura de sempre. O romance de Stendhal marcou toda a literatura europeia até ao século XX, não pertencendo apenas a uma escola ou a uma época, mas constituindo um modo a um tempo heroico e sentimental para ilustrar a História e a compreensão do género humano. Se falo do filme de 1948 é porque muitas gerações se deixaram apaixonar pela audácia e sensibilidade de Fabrício Del Dongo, pelo magnetismo de Gina Sanseverina e pela paixão sentida de Clélia Conti. Balzac admirou a construção narrativa, André Gide não teve dúvidas em considerar este o maior dos romances franceses e Tolstoi foi um leitor fiel das descrições de Stendhal, em especial no paralelo que encontramos entre a angústia de Fabrício, deambulando no cenário trágico de Waterloo, e a atitude de Pedro Bezukhov em circunstância semelhante. Stendhal inspirou-se nas leituras que fez de documentos sobre famílias antigas italianas, como os Farnese, aquando da sua estada como cônsul em Itália. Fabrício é um jovem aventureiro de família nobre, que admira Napoleão Bonaparte, como Julien Sorel, o outro grande herói de Stendhal, em “O Vermelho e o Negro” (1830), narrativa exemplar em que se associam as cores dos uniformes militares e da sotaina dos clérigos. É de Itália que “A Cartuxa de Parma” trata, associando a compreensão das ambições individuais à construção da unidade da pátria, como quisera Nicolau Maquiavel. Que papel teria o ducado de Parma e Placência no futuro que se anunciava, em lugar da fragmentação medieval? São limitadas as ambições de Fabrício, que prefere viver no mundo aristocrático, pensar no imediato, divertir-se, pensar num tempo de sonho e de prazer. No entanto, deseja conhecer e aproximar-se de Bonaparte, símbolo da coragem e de um tempo novo. Demarcando-se do pensamento de seu pai e da orientação monárquica, parte ao encontro do que será o canto do cisne do Imperador em Waterloo. Nesse gesto de audácia e de rutura conta com o apoio de sua tia Gina Pietranera, que se torna duquesa Sanseverina, amante do poderoso Conde Mosca. Mas a afeição entre tia e sobrinho torna-se intensamente amorosa. A dualidade entre o amor fraternal e o carnal revela-se dramática. Gradualmente, Fabrício compreende, contudo, que não amava a tia como mulher. Preso, na torre de Farnese, em virtude da complexa trama política em que se vê envolvido, Fabrício apaixona-se pela filha de um general do partido da oposição ao Conde Mosca, Clélia Conti. Essa paixão torna-se o centro da narrativa romanesca, mas trata-se de um amor impossível, não só porque Fabrício está preso, mas também porque a sua família é inimiga jurada da do pai de Clélia. Graças à intervenção de Gina, Fabrício será libertado e como clérigo e Monsenhor vai exercer o seu múnus, longe da amada. Os rumores sobre uma ligação a uma jovem, Anetta Marini, levam Clélia a ir ouvir o sermão do Monsenhor Fabrício e o encontro entre ambos leva ao renascimento da paixão, iniciando-se uma ligação secreta que vai durar três anos. Entretanto, morre o Arcebispo e Fabrício sucede-lhe. Mas como o novo prelado não pode encontrar-se com Clélia durante o dia, exige que Sandrino, o filho que nascera desse amor secreto venha para junto de si. Os amantes imaginam um estratagema, simulando a morte da criança. Mas Sandrino cai, realmente, gravemente doente e morre. Esta morte é vista por Clélia como uma severa punição divina; e não se perdoará por esse trágico desenlace. Com a morte de Clélia, Fabrício vende todos os seus bens e distribui-os, retirando-se para a Cartuxa de Parma – onde morrerá um ano depois. A duquesa Sanseverina não sobreviveu senão muito pouco tempo a Fabrício, que ela adorava… E com Mosca riquíssimo, o ducado de Parma conhece uma era de liberdade com o seu jovem príncipe Ernesto V…
Jonathan Swift (1667-1745) foi um clérigo e polemista irlandês, Reitor da Catedral de S. Patrício em Dublin, que se celebrizou ao ter criado a personagem de Lemuel Gulliver, que está presente na literatura juvenil dos últimos séculos. No entanto, Swift não escreveu para deleite dos mais jovens, mas como severo crítico da sociedade em que viveu. À distância do tempo, não reconhecemos os que severamente procura atingir, mas fica o carácter irónico de uma sociedade de seres caricatos. Ora, são os seus contemporâneos que Swift considera quase desprezíveis, cheios de si, marcados pela soberba e pela inveja e incapazes de se aperceberem dos seus defeitos incorrigíveis. Por exemplo, o critério para dividir as opções políticas tinha a ver não com a razão, mas com o lado pelo qual cada um deveria partir um ovo… O título por que a obra ficou mundialmente conhecida é “Gulliver's Travels”, mas o título original da edição de 1726, alterada em 1735, é “Travels into Several Remote Nations of the World. In Four Parts. By Lemuel Gulliver, First a Surgeon, and then a Captain of Several Ships”. Trata-se de um romance satírico, escrito por alguém que esteve na esfera política dos Whigs (liberais) e depois passou para os Tories (conservadores). As edições mais popularizadas limitam-se a reproduzir a primeira parte da obra (sobre 1699), onde se fala de Lilliput, ilha fictícia que faz parte de um arquipélago algures no Oceano Índico, de que também faz parte a ilha de Blefuscu, com a qual os liliputianos estão em guerra. Aliás, Lemuel Gulliver ajuda os Lillipputianos a vencer os seus vizinhos de Blefuscu ao tomar a sua frota. Contudo, recusa a reduzir Blefuscu à condição de colónia de Lilliput, o que causa profundo desagrado ao rei e à corte. Tanto basta para que Gulliver caia em desgraça, sendo acusado de alta traição, pelo que é condenado a perder a visão. Todavia, com a ajuda de um amgo, dignitário da corte, consegue fugir para Blefuscu, onde encontra um barco abandonado e consegue ser salvo. A segunda aventura (1702-1706) passa-se em Brobdingnag, terra de gigantes, situada na América do Norte. Lemuel é exibido como um anão em espetáculos, que o deixam doente, e é vendido à rainha, ficando ao cuidado da filha do fazendeiro que o explorara. Como Gulliver é pequeno demais, a rainha de Brobdingnag ordena a construção de uma casa pequena para que ele possa ser transportado, a que chama "caixa de viagem". Depois de diversas peripécias, uma águia rouba a caixa e larga-a numa praia o que permite o retorno a Inglaterra. Entre 1706 e 1710, Gulliver passa por Balnibarbi, um reino governado por Laputa. A burocracia, a Royal Society e os excessos da procura científica são severamente criticados. Na Grande Academia de Lagado, muitos recursos são gastos em procuras absurdas, como a busca de raios de sol a partir de pepinos ou o desmascaramento de conspirações políticas pela análise do excremento dos suspeitos. Enquanto aguarda a partida para o Japão, visita em Glubbdubdrib a casa de um mago louco que discute história com fantasmas, como Homero, Aristóteles, Júlio César, Caio Bruto e até Descartes. Na ilha de Luggnagg, encontra os “struldbrugs”, que são imortais, e já no Japão consegue do Imperador o privilégio de não ter de abjurar o cristianismo. Por fim, entre 1710 e 1715, Gulliver volta ao mar, mas é vítima dum motim a bordo e é abandonado num bote. Encontra uma raça de humanoides selvagens e depois os Houyhnhnms, uma raça de cavalos falantes, que governam e subjugam os humanoides Yahoos. Swift é mestre das distopias e Gulliver é testemunha privilegiada dos defeitos da humanidade.
Camões e “Os Lusíadas” representam a maturidade da língua portuguesa. Toda a obra do grande épico constitui oportunidade para lidarmos com uma riquíssima convergência entre os maravilhosos pagão e cristão, servidos pelo domínio exemplar da palavra e da imagem. Vasco Graça Moura deu-nos, aliás, essa demonstração, pondo a obra camoniana ao nosso alcance e afirmando que estamos na linha dos grandes clássicos, tendo Virgílio, como referência. Deveremos, por isso, voltar a ler Camões, ao menos nos seus momentos mais marcantes. O poema divide-se em 10 cantos, compostos em oitava rima, totalizando 8.816 versos, na chamada medida nova, predominando os decassílabos heróicos, com a 6ª e a 10ª sílabas tônicas. “Os Lusíadas” têm cinco partes, segundo a tradição clássica: Proposição, Invocação das Tágides, Dedicatória ao Rei D. Sebastião, Narração e Epílogo. A narração compreende três ações: a viagem de Vasco da Gama, a narrativa da história de Portugal e as intervenções dos deuses do Olimpo. Nos Cantos I e II, narra-se a introdução e o Concílio dos Deuses, para deliberar sobre o destino dos novos Argonautas. Baco é contrário aos portugueses, Vénus e Marte, tomam a sua defesa, com a concordâcia de Júpiter. Vasco da Gama está no Índico, próximo de Moçambique. Baco, inconformado, instiga o governador de Moçambique contra os portugueses e põe a bordo um falso piloto, mas graças a Vénus, às nereidas, a Mercúrio e à coragem de Gama, os portugueses chegam a Melinde. No Canto III, começa o relato ao rei Melinde da história de Portugal, “onde a terra se acaba e o mar começa” e das origens, de Viriato, da Reconquista, da Primeira Dinastia, da Casa de Borgonha, de Ourique até à morte de Inês de Castro. No Canto IV, prossegue a narrativa, fala-se da revolução de 1383, de Nuno Álvares Pereira, de Aljubarrota, do Mestre de Avis, de Ceuta. E começam os episódios do início da viagem. D. Manuel sonha com os rios Indo e Ganges, a profetizarem sucessos e perigos no Oriente, e pede a Gama que monte a esquadra para concretizar a visão, mas na partida, o velho Restelo previne contra a “gloria de mandar e a vã cobiça”. No Canto V, Gama fala do Cruzeiro do Sul, do fogo-de-santelmo, até ao relato picaresco do marinheiro Veloso. No Cabo das Tormentas, o Adamastor simboliza a superação do medo. No Canto VI, Baco desce ao palácio de Neptuno e incita os deuses marinhos contra Vasco da Gama, mas Vénus intervém. Veloso entretém os companheiros com a narrativa cavalheiresca dos Doze de Inglaterra. E os navegadores avistam Calicute. Nos Cantos VII e VIII, o samorim determina que o governador receba Gama, que o visita e oferece a amizade dos portugueses. Paulo da Gama esclarece o governador acerca do significado das figuras desenhadas nas bandeiras e conta os feitos dos heróis da pátria. Mas os muçulmanos intrigam, Gama é preso e tem de negociar a liberdade, em troca de mercadoria. Nos Cantos IX e X, depois de diversos incidentes, o samorim ordena que a armada possa levantar ferro e iniciar o regresso. E temos o longo episódio da Ilha dos Amores, já que Vénus decide premiar os navegadores numa ilha paradisíaca. O epílogo do poema contém as lamentações, como que um desabafo de Camões por todas as incompreensões sofridas. Mas fica-nos a reflexão sobre a exigência de porfia e de trabalho aturado para se alcançarem os sucessos necessários. Não por acaso, Camões inicia o poema épico citando o início de “A Eneida”: “Arma virumque cano, Trojae qui primus ab oris…”. Como em Dante, é sob a invocação de Virgílio que um tema sublime é tratado…
Hermann Broch (1886-1951) nasceu em Viena, no momento que ele próprio definiu de um “Apocalipse alegre”, no seio de uma família judaica de industriais do setor têxtil. A sua formação foi orientada no sentido de assumir responsabilidades nos negócios da família em Teesdorf na manufatura têxtil, fiação e tecelagem, mas nunca escondeu a sua inclinação literária e até filosófica. Relacionou-se com a intelectualidade vienense do seu tempo, em especial com Robert Musil, Rainer Maria Rilke ou Elias Canetti. Em 1927 vendeu a fábrica têxtil e decidiu estudar matemática, psicologia e filosofia na Universidade de Viena. A sua carreira literária iniciou-se, assim, aos quarenta anos, tendo publicado «Os Sonâmbulos», em três volumes, onde se analisam três momentos da história contemporânea, caracterizados pelo “vazio de valores” e pela existência humana dividida entre a o sonho e a realidade. As três datas são: 1888 e a dissolução romântica do mundo antigo; 1905 e a confusão anárquica que prenuncia a guerra; e 1918 quando o niilismo se torna presente e ativo. «Os Sonâmbulos» de Broch procuram, a todo o momento, libertar-se da ética do passado, protagonizando situações contraditórias de racionalidade e irracionalidade. E assim caminham para o abismo. Com o Anschluss (1938), depois de ter escrito sobre Hofmannsthal (num ensaio que retomará em 1948) e quando já está a escrever «A Morte de Virgílio» é preso, mas um movimento de amigos, entre os quais James Joyce, consegue a sua libertação e a partida para o Reino Unido e depois para os Estados Unidos, graças ao visto obtido por Albert Einstein e Thomas Mann. Além da escrita, empenha-se intensamente no apoio aos refugiados alemães e franceses em fuga à barbárie nazi. «A Morte de Virgílio» é uma obra fundamental, que o autor não qualifica como romance, mas como um poema sinfónico, com o que Hannah Arendt concorda. Cada uma das quatro secções tem um elemento central - a água, o fogo, a terra e o éter – e há um ritmo musical assumido - andante, adagio, maestoso. E a morte do poeta é analisada através da repetição, que procura compreender o absurdo. O quadro da obra corresponde às últimas dezoito horas da vida de Virgílio. Na «Chegada», o poeta de “Eneida” toma consciência da dispersão da sua vida e da insatisfação que sente. E inicia-se um pensamento em ritmo febril, pleno de contradições e paradoxos, contrastes e dúvidas. Na «Descida», as memórias ganham unidade, dando-se o poeta conta, com trágico espanto, de que a sua vida e a sua obra, se foram fazendo no esquecimento de uma parte importante da existência. As memórias mais antigas correspondem a uma realidade heterogénea, depois vem uma visão lírica interior, surpreendentemente noturna. A terceira parte, «A Expectativa», recapitula as discussões de Virgílio com os amigos – e no «Regresso a Casa», todos estes elementos conflituais se resolvem numa visão sublime e unitária, no momento em que Virgílio deixa o mundo dos vivos. Como afirma Maria João Cantinho: «Há uma nobreza incomparável na sua teoria sobre a liberdade e no modo como define a responsabilidade humana». Eis como a literatura deveria considerar a prevalência da atenção e do cuidado relativamente ao outro. Nesse ponto encontramos paralelo em Jaspers e em Lévinas. Hermann Broch morreu em 1951 em New Haven, Conneticut – e é indiscutivelmente um dos grandes autores do século XX.
Estamos perante uma obra pioneira na literatura mundial e europeia. Mais do que um livro de viagens, trata-se de um modo inteiramente novo e original de fazer uma narrativa. Como se disse relativamente a Cervantes, pode afirmar-se que, noutro registo, a “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto (c. 1510-1583) põe-nos perante uma verdadeira personagem romanesca, que assume diferentes acontecimentos e até personalidades, mas que descreve de um modo notabilíssimo, o que era a vida de um português no Oriente – mercador, missionário, soldado, corsário, marinheiro... O próprio título com que a obra foi publicada dá-nos bem conta da riqueza e complexidade do relato. "Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no do Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas cousas, & da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz & resplandor daquellas partes do Oriente, & reitor nellas universal da Companhia de Iesus". Ao ler a obra, houve quem duvidasse da verdade dos relatos, respeitantes aos vinte e um anos em que andou pela Ásia, tendo sido, na sua própria expressão, “treze vezes cativo e dezassete vendido nas partes da Índia, Etiópia, Arábia Feliz, China, Tartária, Macáçar, Samatra e muitas outras províncias daquele Ocidental arquipélago dos confins da Ásia”. A escrita começou uma vez regressado o autor a Portugal, em 1557, só sendo publicada trinta e um anos depois da sua morte (1614), por Pedro Craesbeek, com tardia autorização do Santo Ofício. Aos que duvidaram da veracidade dos relatos, o autor respondeu significativamente: “a gente que viu pouco mundo, como viu pouco também costuma dar pouco crédito ao muito que os outros viram”. É memorável, por exemplo, o encontro de Fernão Mendes Pinto com António de Faria, o célebre corsário, numa situação, em que quiseram saber novidades de Liampó, "porque se soava então pela terra que era lá ida uma armada de quatrocentos juncos em que iam cem mil homens por mandado de El-Rei da China a prender os nossos que lá iam de assento, a queimar-lhes as naus e as povoações, porque os não queria em sua terra, por ser informado novamente que não eram eles gente tão fiel e pacífica como antes lhes tinham dito", mas afinal era engano, pois essa armada tinha ido, afinal, socorrer um Sultão nas ilhas de Goto. É inesquecível a perseguição ao corsário mouro Coja Acém, que se dizia "derramador e bebedor do sangue português" e a quem Faria jurara vingança, por lhe ter roubado as fazendas e morto os companheiros na batalha mais violenta da “Peregrinação”. "E arremetendo com este fervor e zelo da fé ao Coja Acém como quem lhe tinha boa vontade, lhe deu, com uma espada que trazia, de ambas as mãos, uma tão grande cutilada pela cabeça que, cortando-lhe um barrete de malha que trazia, o derrubou logo no chão...” Hoje sabemos da verosimilhança de tudo quanto nos relatou. Pode até ter acontecido que não fora ele o real protagonista de tudo, mas percebemos que tudo ocorreu de facto. E os estudiosos desse tempo são os primeiros a considerar que não é possível compreender o que João de Barros ou Diogo do Couto nos relatam sem ler Fernão Mendes Pinto.
“A Ilíada” e a “Odisseia”, atribuídas a Homero (século VIII a. C.), são as duas obras maiores da cultura greco-latina, marcando decisivamente as tradições mediterrânicas, a ponto de, segundo a lenda, Lisboa ter sido fundada por Ulisses. “A Ilíada” tem origem na tradição oral da época micênica cantada pelos aedos. Tais versos foram compilados numa versão escrita no século VI a. C. em Atenas. O poema foi então dividido em 24 cantos, divisão que persiste até hoje, correspondendo cada canto a uma letra do alfabeto grego, segundo o método usado pelos estudiosos da Biblioteca de Alexandria. O poema passa-se no décimo ano da guerra de Troia e refere-se à ira de Aquiles causada por uma disputa com Agamémnon, comandante dos exércitos gregos, e consumada na trágica morte do herói troiano Heitor, culminando no seu funeral. Este episódio é fundamental na cultura helénica, por se referir ao combate entre alguém da estirpe dos deuses, Aquiles, filho de Tétis, parcialmente vulnerável, e um homem, cujas qualidades heroicas não oferecem dúvida. Homero refere-se a mitos e acontecimentos prévios à guerra, mas esta não é contada na íntegra. O conhecimento da mitologia grega acerca de Troia é, pois, essencial para a compreensão da obra. A Guerra de Troia ocorre quando os aqueus atacaram a cidade de Troia, procurando vingar o rapto de Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, irmão de Agamémnon. Antepassados dos gregos, os aqueus representam no poema épico a origem mítica e histórica de uma civilização plural, enaltecida no poema. A mulher mais bela do mundo era Helena, filha de Zeus e de Leda. Estava casada com Tíndaro, rei de Esparta. Helena possuía diversos pretendentes, entre os quais os maiores heróis da Grécia. Tíndaro, seu pai adotivo, hesitava em tomar uma decisão, mas finalmente um dos pretendentes, Ulisses, rei de Ítaca, resolveu o impasse propondo que todos jurassem proteger Helena e a sua escolha, qualquer que ela fosse. Helena casou-se então com Menelau. A guerra inicia-se quando Páris, filho de Príamo, rei de Troia, vai a Esparta em missão diplomática, e apaixona-se por Helena, raptando-a e levando-a para Troia, o que naturalmente enfurece Menelau, que apela aos antigos pretendentes, em nome do juramento feito. Agamémnon então assume o comando de um exército de mil barcos e atravessa o mar Egeu para atacar Troia. As naus gregas desembarcaram na praia próxima de Troia e iniciaram um cerco que duraria dez anos, custando a vida a muitos heróis, de ambos os lados. Finalmente, seguindo o célebre estratagema proposto por Ulisses, através da suposta oferta do Cavalo pelos deuses, os gregos conseguem invadir a cidade governada por Príamo e terminam a guerra, vencendo-a. A «Odisseia» é também um poema elaborado ao longo de séculos pela tradição oral dos aedos, tendo sido fixada por escrito, provavelmente no fim do século VIII a.C.. Quase todas as edições e traduções modernas da «Odisseia» são divididas em 24 livros. O poema inicia-se dez anos após o fim da Guerra de Troia. Telémaco, filho de Ulisses, tem 20 anos e procede na ilha de Ítaca à partilha da casa de seu pai ausente, com sua mãe e uma multidão de desonestos pretendentes, que querem persuadir Penélope de que seu marido está morto, e que ela deve casar-se com um deles. O enredo de “Odisseia” tem a ver com o relato da viagem de regresso do herói de Troia para Ítaca. É uma descrição iniciática, na qual Ulisses viaja pelo mundo dos vivos e dos mortos. Passa pela terra dos Cícones, visita os comedores de Lótus, é capturado pelo ciclope Polifemo, consegue fugir após cegá-lo com uma ponta afiada de madeira, é recebido por Éolo, senhor dos ventos, que lhe oferece um saco de couro contendo todos os ventos (salvo o de oeste), que deveria garantir a viagem para casa em segurança… Porém, roídos pela curiosidade os marinheiros abriram o saco enquanto Ulisses dormia, pensando que se tratava de ouro; e deixaram escapar todos os ventos, gerando uma tempestade que afastou os navios de Ítaca… Os conselhos de Circe, a passagem pela ilha das sereias, Cila e Caríbdis, o trágico abate do gado do deus-sol e o naufrágio que se segue, os sete anos na ilha de Calipso – tudo culmina no regresso e no ajuste de contas final de Ulisses, símbolo da paixão temperada pela medida.