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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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NO ANO NOVO DE 2025, O QUÊ?

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Há regiões em que na noite de passagem de ano tudo o que é velho - roupas, pratos, mobília... - vai pela janela fora para a rua. E também é sabido que na noite de passagem de ano há licenças ao nível do álcool e até com a sexualidade que normalmente não são permitidas. É um pouco como se, retomando agora de modo secularizado os mitos cosmogónicos, se instalasse o caos primitivo, para, em seguida, como fizeram os deuses in illo tempore, ser reposta a ordem do cosmos.

Perante um ano novo que está aí à nossa frente, os sentimentos misturam-se: perplexidade, entusiasmo, dúvida, expectativa, temor, esperança... Que é que nos reserva o novo ano: para mim, para a minha família, para os meus amigos, para o país, para a Europa, para o mundo? Será melhor, será pior que o ano que passou? É preciso pensar, pois a perplexidade é gigantesca — pense-se nas guerras em curso e a ameaça nuclear, pense-se na situação periclitante da Europa no contexto da nova geoestratégia global, pense-se na crise climática mortal, pense-se, sem excluir as suas vantagens, nos perigos da inteligência artificial, do trans- e pós-humanismo...

Por vezes, somos tentados a pensar que é tudo igual, que tudo se repete: morre um ano, surge outro ano, na roda eterna do mesmo... Mas não é assim. Nunca houve na história de cada um de nós, na história do país, na história da Europa, na história da humanidade, na história do mundo, com cerca de quinze mil milhões de anos, um ano como esse que está a chegar. Ele aí vem, novo, pela primeira vez, como criança acabada de nascer. E exactamente como a criança vem aí com confiança. Todos nós, individual e colectivamente, enfrentamos, apesar de tudo, o novo ano essencialmente com confiança: se reflectirmos bem, esperamos, evidentemente com realismo, também com temor, mas essencialmente esperamos confiadamente. Porque o ser humano é um ser constitutivamente esperante, apesar da dureza toda com que a vida nos vai confrontando.

Porque é que os homens e as mulheres, apesar de todos os fracassos, horrores, sofrimentos e cinismos, ainda não desistiram de lutar e de esperar? Porque é que continuamos a ter filhos? Porque é que depois de guerras destruidoras e terramotos devoradores, recomeçamos sempre de novo? Perguntava, com razão, o célebre teólogo Johann Baptist Metz: "Porque é que recomeçamos sempre de novo, apesar de todas as lembranças que temos do fracasso e das seduções enganadoras das nossas esperanças? Porque é que sonhamos sempre de novo com uma felicidade futura da liberdade", embora saibamos que os mortos não participarão nela? Porque é que não renunciamos à luta pelo homem novo? Porque é que o ser humano se levanta sempre de novo, "numa rebelião impotente", contra o sofrimento que não pode ser sanado? "Porque é que o ser humano institui sempre de novo novas medidas de justiça universal, apesar de saber que a morte as desautoriza outra vez" e que já na geração seguinte de novo a maioria não participará nelas? Donde é que vem ao ser humano "o seu poder de resistência contra a apatia e o desespero? Porque é que ele se recusa a pactuar com o absurdo, presente na experiência de todo o sofrimento não reparado? Donde é que vem a força da revolta, da rebelião?"
Neste movimento incontível, ilimitado, do combate da esperança, pode ver-se um aceno do Infinito, um sinal de Deus.
E um propósito: em cada dia de 2025 dedicar alguns minutos de silêncio à meditação sobre o essencial.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 30 de dezembro de 2024

JESUS, FIGURA DETERMINANTE


     Presépio de Machado de Castro


Numa troca célebre de cartas entre o cardeal Carlo Martini, arcebispo de Milão, aquele que afirmou que a Igreja anda atrasada pelo menos 200 anos, e o agnóstico Umberto Eco, publicadas com o título “Em que crê quem não crê”, este escreveu: Mesmo que Cristo fosse apenas o tema de um grande conto, “o facto de esse conto ter podido ser imaginado e querido por bípedes implumes, que só sabem que não sabem, seria miraculoso (miraculosamente misterioso)”. O Homem teve, a dada altura, “a força religiosa, moral e poética, de conceber o modelo de Cristo, do amor universal, do perdão aos inimigos, da vida oferecida em holocausto pela salvação dos outros. Se fosse um viajante proveniente de galáxias longínquas e me encontrasse com uma espécie que soube propor-se este modelo, admiraria, subjugado, tanta energia teogónica, e julgaria esta espécie miserável e infame, que cometeu tantos horrores, redimida pelo simples facto de ter conseguido desejar e crer que tudo isto é a Verdade”.

Ouço falar no Natal pelo menos desde Agosto. Parece impossível, porque só se pensa em compras, esquecendo o essencial, que é o nascimento de Jesus. Não quereria ser tão pessimista, mas é possível que o famoso teólogo José I. González Faus tenha razão: “O que se celebra hoje no Ocidente a cada 25 de Dezembro é o nascimento do messias Consumo, filho único do deus Dinheiro. O que os cristãos celebramos no Natal é o nascimento de um Messias ‘pobre e humilde’, filho único do Deus Amor. Ambos são absolutamente incompatíveis.”

Evidentemente, o Natal implica festa e alegria, o Natal é talvez a grande festa da família, mas não se pode esquecer o essencial, determinante. Seria uma perda incomensurável ignorar ou esquecer que o Natal está vinculado ao nascimento de Jesus. Ele representa, na História, a maior revolução, como reconheceram grandes pensadores como Hegel, Ernst Bloch, Jürgen Habermas... Foi através dele que soubemos da dignidade inviolável de cada pessoa. Jesus revelou que Deus é bom, Pai/ Mãe de todos os homens e mulheres e quer a alegria, a felicidade, a realização plena de todos como seus filhos e filhas, a começar pelos mais frágeis e abandonados. É aqui que assenta, em última análise, a fraternidade humana.

Jesus Cristo é figura “decisiva, determinante” da História da Humanidade. Quem o disse foi um dos grandes filósofos do século XX, Karl Jaspers. Hegel afirmou que foi pelo cristianismo que se tomou consciência de que todos são livres. Ernst Bloch, o ateu religioso, escreveu que é ao cristianismo que se deve que nenhum ser humano pode ser tratado como “gado”. Jürgen Habermas, o maior filósofo felizmente ainda vivo, da Escola Crítica de Frankfurt, agnóstico, afirma que a democracia, com “um homem, um voto”, é a transposição para a política da afirmação cristã de que Deus se relaciona pessoalmente com cada homem e cada mulher. Frederico Lourenço, o grande especialista em literatura clássica e bíblica, agnóstico, escreve: “Não tenho nenhum problema em afirmar que, pessoalmente, considero Jesus de Nazaré a figura mais admirável de toda a História da Humanidade.” Jesus foi “o homem mais extraordinário que alguma vez viveu.”

Mahatma Gandhi deixou estas palavras: Jesus “foi um dos maiores mestres da Humanidade. Não sei de ninguém que tenha feito mais pela Humanidade do que Jesus.” Mas acrescentou: “O problema está em vós, os cristãos, pois não viveis em conformidade com o que ensinais.”
Bom Natal!


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 22 de dezembro de 2024

A MULHER NA IGREJA

  

    Simone Weil


"Se a verdade é mulher, não teremos razões para suspeitar que todos os filósofos, na medida em que foram dogmáticos, pouco entenderam de mulheres?" É com estas palavras que Nietzsche inicia a sua obra Para Além do Bem e do Mal, escrita em Sils-Maria, 1885.

Esta afirmação aplica-se não só aos filósofos, mas também aos teólogos, e, em geral, infelizmente, aos dirigentes, por princípio homens, da Igreja Católica.

Embora se não excluam traços maternos em Deus, a Bíblia chama a Deus Pai e não Mãe. Em primeiro lugar, porque se vivia numa sociedade patriarcal, e, depois, porque era necessário evitar toda uma linguagem que lembrasse as deusas pagãs da fertilidade...

É claro que Deus não é sexuado; portanto, chamar-lhe Pai é uma metáfora. Assim, tanto poderíamos dirigir-nos a ele como a ela, isto é, tanto poderemos chamar-lhe Pai como Mãe. E acrescento mesmo: o Deus que Jesus anunciou é o Deus bom e os cristãos deveriam dirigir-se-lhe sempre como Pai e Mãe (Pai/Mãe) — veja-se o famoso quadro de  Rembrandt “O Regresso do Filho Pródigo” e repare-se nas mãos do Pai...

No Credo cristão, referimo-nos a Deus como Pai omnipotente criador do céu e da terra. Não dizemos: Mãe omnipotente. Isso está também vinculado à concepção da biologia grega, concretamente aristotélica, que, no acto da geração, atribuía toda a actividade ao sémen masculino. Portanto, a mulher era considerada essencialmente passiva. Não se esqueça que o óvulo feminino só em 1827 foi descoberto. Por isso, Santo Tomás de Aquino, na sequência de Aristóteles dirá expressamente que "a mulher é algo de falhado": de facto, de si, a força activa do sémen está orientada para gerar uma realidade plenamente semelhante, portanto, do sexo masculino; a geração do feminino acontece devido a uma fraqueza. Daqui concluirá que por natureza a mulher é subordinada ao homem, que os filhos devem amar mais o pai do que a mãe, que o sacerdócio está vedado às mulheres, que as mulheres não podem pregar, pois a pregação é um exercício de sabedoria e autoridade, etc...

Estas e outras razões, como, por exemplo, influências gnósticas e o celibato obrigatório dos padres, contribuíram para que a Igreja Católica se tornasse altamente hierarquizada e masculinizada, patriarcal. Note-se como a própria língua, que é sedimentação e forma de um mundo, está, no referente à autoridade, estruturada de modo machista: basta pensar que, se já não nos causa hoje dificuldade ouvir falar em ministra, por exemplo, ainda constitui autêntica agressão dizer, por exemplo, uma bispa... E que nome dar a uma católica feita cardeal?!...

As mulheres têm toda a razão quando criticam a Igreja oficial, pois ela discrimina-as de modo indigno. Mas têm obrigação de ser amigas de Jesus, pois ele não só não as discriminou como as defendeu sempre. Pense-se — só exemplos — na samaritana, na adúltera...; pense-se sobretudo em Maria Madalena, a primeira a fazer a experiência avassaladora de fé de que Jesus, o crucificado, ressuscitou, está vivo em Deus para sempre; ela reuniu de novo os discípulos, que tinham fugido, de tal modo que até Santo Tomás a chamou a  “Apóstola dos Apóstolos”...

Constitui, pois, uma amarga desilusão  que o Sínodo que terminou em Outubro com a aprovação do Papa mantenha as portas fechadas à possibilidade da ordenação das mulheres. Contra o Evangelho e os direitos humanos, continua o “clericalismo” que Francisco tanto diz ser “a peste” da Igreja. (Continua)


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 15 de dezembro de 2024

A CONCEIÇÃO IMACULADA DE MARIA

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               "Madonna del Magnificat", de Sandro Botticelli


Santo Agostinho é um génio. E a sua influência foi determinante para o homem europeu, e, depois, com a missionação, para a humanidade, sendo necessário acrescentar que esta influência foi para o bem e para o mal. Como exemplo da influência negativa pense-se no seu pessimismo, que o levou à convicção de que o prazer sexual está sempre ligado ao pecado, pois a finalidade da relação sexual devia ser unicamente a procriação.

Baseado na tradução latina da Carta de S. Paulo aos Romanos, 5,12, referente a Adão: "no qual todos pecaram", Santo Agostinho, contra o texto original grego, que diz: "porque todos pecaram", interpretou — ele não sabia grego — que o pecado de Adão não é apenas o primeiro da série de todos os pecados cometidos pelos homens e mulheres ao longo da História, mas que esse pecado é um pecado hereditário, de tal modo que é um pecado de todos, transmitido por geração no acto sexual. Portanto, o recém-nascido não é inocente, nasce em pecado, do qual, para evitar a condenação eterna, só o baptismo o pode libertar. Foi pelo pecado de Adão que veio todo o mal ao mundo, incluindo a morte. Esse pecado tornou a humanidade toda "massa condenada" ao inferno, do qual só alguns são libertados pela graça imerecida de Deus. Pelo pecado, Adão destruiu um bem que podia ser eterno, tornando-se merecedor, ele e todos nele, de um mal eterno: "Daqui — escreve ele —, a condenação de toda a massa do género humano, pois o primeiro culpado foi castigado com toda a sua posteridade, que estava nele como na sua raiz. Assim ninguém escapa a esse suplício justo e devido, a não ser por uma misericórdia e uma graça indevidas. E é tal a disposição dos homens que nalguns aparece o valor de uma graça misericordiosa e nos outros o de uma justa vingança". Assenta aqui a doutrina da dupla predestinação, que continuaria radicalizada sobretudo em Calvino.   

É neste enquadramento que surge a festa que se celebra dia 8 de Dezembro, com feriado nacional: a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Quer dizer, Maria, a mãe de Jesus, seria uma excepção, pois teria sido concebida sem pecado original.

É claro que, como já aqui expliquei, não há pecado original como o entendeu Santo Agostinho. Jesus não falou no pecado original, e que mãe acredita que o seu bebé acabado de nascer foi gerado em pecado? Assim, o que de facto se celebra é a esperança de que no final se realize o Reino de Deus na sua plenitude, pondo termo a todo o calvário do mundo, ao horror do sofrimento sem nome, a esse cortejo infindo de ódio, de malvadez, de vingança, de loucura, de pecado, que realizou todo o mal e toda a tragédia e todas as lágrimas que causamos uns aos outros e o número incontável de vítimas inocentes...

Do ponto de vista filosófico, Theodor Adorno, agnóstico, exprimiu assim a ânsia de redenção, que habita no coração de todos os homens e mulheres: "Face ao desespero, o único modo que ainda resta à filosofia de responsabilizar-se é a tentativa de considerar todas as coisas como aparecem desde o ponto de vista da redenção. A única luz do conhecimento é a que brilha no mundo desde a perspectiva da redenção": tudo o mais é apenas técnica.

No fundo, o que se celebra é a “santa esperança”, como dizia Péguy, a esperança de que a paz, a justiça, a fraternidade, a salvação, a vida eterna, um dia irrompam no mundo para todos. Para que a história do mundo e da humanidade não desemboque pura e simplesmente no sem sentido.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 8 de dezembro de 2024

OUVIR

  
    Angelus Silesius


É preciso ver o invisível e vê-lo precisamente no visível. É necessário voltar à terra e ver aí e daí os sinais que Deus nos faz: no céu estrelado, na rosa que dá perfume sem porquê, como escreveu Angelus Silesius, sobretudo no sorriso de uma criança e na visita de qualquer rosto de homem ou mulher e seja qual for a sua origem ou cor...

Mas não basta aprender a ver. É necessário igualmente saber ouvir. Não será por isso que a arte, cujo referente é o invisível no visível, tem as suas supremas expressões na pintura, na escultura e na música? A grande música está aí essencialmente para dizer o indizível, dando-lhe voz...

Entre os primeiros sons que teremos ouvido, está o do bater do coração da nossa mãe. Por isso é que há aquele brinquedo simples, dos japoneses, segundo creio, cuja única façanha é imitar o bater do coração humano. Quando o bebé chora, ao ouvir o bater desse brinquedo, que lhe recorda o coração materno, deixa de chorar, tranquiliza-se. Depois, deram-nos um nome, e, ainda hoje, ouvindo o nosso nome, sabemos que é a nós que chamam. Aprendemos a falar, ouvindo e imitando outros humanos que proferiam sons articulados...

No século XVIII, dizia-se que, se um macaco falasse, estariam dispostos a baptizá-lo: de facto, é pela linguagem que o Homem verdadeiramente é humano. Mas não é suficiente falar. É ouvindo-nos mutuamente que tomamos consciência da nossa igualdade radical enquanto seres humanos. Não há, não pode haver de um lado aqueles que falam e do outro aqueles que apenas ouvem. Portanto, os estudantes devem ouvir os professores, mas os professores também têm que ouvir os estudantes. Que os cristãos ouçam o papa, os bispos, os padres, mas que o papa, os bispos, os padres ouçam também os outros cristãos, que não podem ficar reduzidos à passividade… Os empregados ouvirão os encarregados e patrões, mas estes deverão igualmente ouvir os operários, pois têm algo a dizer e eventualmente direitos legítimos a reclamar. Onde é que estaria a democracia, se os governantes não escutassem os outros cidadãos?

O bebé reencontra a tranquilidade, recordando o bater do coração materno. Todo o ser humano precisa de ouvir palavras de afecto. Mas hoje quem lhas dirige? Todo o ser humano tem necessidade de desabafar, mas quem está disposto a ouvir os velhos, os doentes, os moribundos? E não encontramos pessoas a falar sozinhas nas ruas?

Afinal, a vida familiar não se afunda frequentemente, porque o marido não tem tempo ou disposição para ouvir a mulher e a mulher ouvir o marido? E não será também porque os pais não escutam os filhos nas suas histórias, nas suas perguntas, nos seus anseios, que os jovens seguem por caminhos que levam ao abismo? Ah! Todos a dedar nos smartphones… E quem fala? Quem ouve?

Precisamos de aprender a ouvir o marulho do mar naquele seu desdobrar-se imemorial, e o bater de asas dos pássaros, e o leve murmúrio das folhas das ervas e das árvores tocadas pela brisa... Precisamos de aprender a ouvir música, a grande música, para reencontrar a paz e a voz do essencial indizível.

Se tivéssemos tempo para nos sentarmos e meditar e escutar o silêncio e a voz da consciência, teríamos evitado tantos erros e disparates e tragédias!... Anda por aí um barulho ensurdecedor, mas quem ouve o silêncio no qual se acendem as palavras da sabedoria?

E se um dia nos dispuséssemos também a ouvir o Divino, que permanentemente se nos dirige?... E a pergunta pelo sentido da vida?


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 1 de dezembro de 2024

O HOMEM: QUESTÃO PARA SI MESMO (16)

  
     "Il Vangello secondo Matteo" (Pasolini)


16. As vítimas inocentes


Quando olhamos para os horrores do mundo hoje, concretamente para a Ucrânia e o Médio Oriente, é o horror  pura e simplesmente, pensando concretamente nas vítimas inocentes. Mas não foi sempre assim? Veja-se Auschwitz. A gente vai lá e fica estarrecido. Bento XVI foi lá também e deixou estas palavras: Há “um silêncio que é um grito interior para Deus: Porque te calaste? Porque quiseste tolerar tudo isto? Onde estava Deus nesses dias? Porque se calou?”  

Ele deixou uma encíclica sobre a esperança — Spe salvi  —, e nela debruça-se sobre uma pergunta decisiva, “a pergunta fundamental da Filosofia” (Max Horkheimer) : o que podem esperar as incontáveis vítimas inocentes da História? Quem lhes fará justiça? Elas clamam, um grito ensurdecedor percorre a História.

E ergue-se um ateísmo moral precisamente por causa das injustiças do mundo e da História . “Um mundo no qual há tanta injustiça, tanto sofrimento dos inocentes e tanto cinismo do poder, não pode ser obra de um Deus bom”.  Quase se poderia dizer que se é ateu ad majorem Dei gloriam, para a maior glória de Deus, como se, perante o horror do mundo, a justificação de Deus fosse não existir. É-se ateu por causa de Deus.

Afastado Deus, deve ser o Homem a estabelecer a justiça no mundo. Mas não será esta uma pretensão arrogante e intrinsecamente falsa? Quem não ouve o eco das palavras de Sófocles: Na terra “há muita coisa terrível, mas nada existe mais terrível do que o Homem.”.  Tem, pois, razão Bento XVI, ao acrescentar: “Um mundo que tem de criar a sua justiça por si mesmo é um mundo sem esperança. Ninguém nem nada responde pelo sofrimento dos séculos”.

Aqui, ele lembra a Escola de Frankfurt, nomeadamente Max Horkheimer e Theodor Adorno, que viveram filosoficamente a inconsolável  “tristeza metafísica” da impossibilidade de fazer justiça às vítimas da História. De facto, mesmo supondo, no quadro do marxismo e da ideia do progresso moderno, que algum dia fosse possível erguer  uma sociedade finalmente justa, transparente e reconciliada, ela não poderia ser feliz, já que ou essa sociedade se lembrava de todas as vítimas do passado, que não participam dela, e seria atravessada pela infelicidade, ou não se interessava por elas e então não era humana, porque insolidária.

Horkheimer e Adorno exprimiram uma filosofia em tenaz: por um lado, não podiam acreditar num Deus justo e bom; por outro, há uma verdade da religião, apesar de todas as suas traições no conluio com o poder e os vencedores: a religião “no bom sentido” é, segundo Horkheimer, “o anelo inesgotável, sustentado contra a realidade fáctica, de que esta mude, que acabe o desterro e chegue a justiça”. Não se trata de um desejo egoísta, mas da esperança contrafáctica de que a realidade dominante da injustiça não tenha a última palavra. Daí, o “anelo do totalmente Outro”, o “anelo da justiça universal cumprida”, “a esperança de que a injustiça que atravessa a História não permaneça, não tenha a última palavra”. E Adorno também escreveu  que, frente às aporias da razão, neste domínio, a única filosofia legítima seria “o intento de contemplar todas as coisas como aparecem à luz da redenção”. Embora se não possa afirmar nada para lá da imanência, a pergunta pela esperança truncada das vítimas, que acusam o mundo da história dos vencedores, obriga a pensar para lá dos limites da imanência, colocando a pergunta pelo Absoluto enquanto pergunta pela justiça universal. 


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 24 de novembro de 2024

O HOMEM: QUESTÃO PARA SI MESMO (15)

  
    Ernst Bloch em 1969. Foto: Brigitte Friedrich/Süddeutsche Zeitung Photo 


15. Pensar significa transcender


Houve tempos em que o mês de Novembro era dedicado aos mortos e à meditação sobre a morte. Isso hoje não acontece nem se permite que aconteça. Vivemos realmente em sociedades que fizeram da morte tabu, o último tabu. Na realidade, se tradicionalmente tabu era o sexo, hoje o sexo está às escâncaras por toda a parte. E vivemos em sociedades do ter,  do consumir,  da corrupção, do imediatismo, submersos a dedar  na alienação das redes sociais, numa correria louca não se sabe para onde, enfim, no niilismo... E aí estão as depressões, os suicídios, o vazio  ameaçador da falta de sentido...

Nunca fui de modo nenhum favorável ao pensamento mórbido da morte, que envenena a vida com o medo e o terror, usados também muitas vezes pela Igreja para aterrorizar as consciências e exercer o poder.

Quero um pensamento sadio da morte por causa da vida. Conscientes do limite, viver intensamente. Quando? Agora. E com dignidade e fazendo de nós e da sociedade o que verdadeiramente queremos. Com tempo e a tempo... Ai!, como o pensamento sadio da morte acabaria com tanta vaidade oca e toda a procissão de ilusões, boçalidades, malquerenças... 

Aqui, na perplexidade, lembro sempre o filósofo ateu religioso, Ernst Bloch, o filósofo da esperança com quem tive o privilégio de conversar. O núcleo do seu pensamento encontra-se na obra O princípio esperança, com a enciclopédia de todas as esperanças. Para ele, “o importante é aprender a esperar”, mas sem ilusões. De facto, por mais longe que se vá na erradicação dos males que nos afligem, ficará sempre a morte.

Não acreditava em Deus, mas, “onde há esperança, há religião”. Na juventude, admitiu a reencarnação. Na maturidade, teorizou sobre “o núcleo do Humanum extraterritorial à morte”. Lá está:  “por dignidade  pessoal nego-me a que o Homem acabe como o gado”; “a desesperança é em si, tanto em sentido temporal como objectivo, o insustentável, o insuportável em todos os sentidos” e “não me resigno a que a última melodia que escutarei sejam as pazadas de terra despejadas sobre os meus despojos”.

O teólogo J. Moltmann contou-me que, poucos dias antes da morte, lhe perguntou como reagia a este desafio, tendo ele respondido: “estou curioso” – note-se, porém, a força da palavra alemã “neugierig”, com o sentido de ansioso por novidades. Moltmann também escreveu que “na véspera de morrer, ao entardecer, ele escutou mais uma vez a sua música mais querida, a abertura de Fidelio, de Beethoven, com o sinal das trombetas para a libertação dos cativos no final”. Essa passagem, que associava à Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, 13, 16: “quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá dos céus e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro”, sempre o comovera. É que, como escreveu, “em Beethoven, pré-anuncia-se a chegada de um Messias. Erguem-se desde as masmorras sons de liberdade e de recordação utópica. O grande momento chegou, a estrela da esperança cumprida no aqui e agora.” A mim também me confessou o que também escreveu: “o cristianismo venceu em grande parte graças à proclamação de Cristo: ‘Eu sou a Ressurreição e a Vida’”.

A última vez que fui a Tubinga, passei pelo cemitério para uma homenagem. O que estava escrito na lápide tumular: “Denken heisst Überschreiten” (Pensar significa transcender).

Aí está o que mais faz falta nas nossas sociedades: Pensar.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 17 de novembro de 2024

O HOMEM: QUESTÃO PARA SI MESMO (14)

  
Theodor Adorno


14. A morte e o intolerável


Conta-se que um dia um padre entrou na igreja e viu Deus a rezar. Terrivelmente perplexo, perguntava a si mesmo a quem é que Deus poderia rezar. Aproximou-se, e constatou, com espanto, que, Deus rezava ao homem: "Homem, se existes, mostra-te, aparece!" Mas Deus, o criador, devia saber que o homem existe -- como é que perguntava por ele?! De qualquer modo, daí para diante, o padre anunciava por toda a parte que Deus existe: ele próprio tinha-o visto a rezar ao homem, a perguntar por ele...

Nesta história — ingénua? —, está presente aquela urgência em que consiste a questão de Deus, que Eduardo Lourenço traduziu assim: "Deus? O problema é saber se nós existimos para Deus."

Afinal, porque é que perguntaríamos por Deus, se ele não estivesse presente em nós? Como é que o procuraríamos, se, como explicitaram concretamente Santo Agostinho e Pascal, o não tivéssemos já encontrado?

Deus está presente, pelo menos como questão aberta, essencialmente na pergunta irrecusável pelo sentido último. A existência humana é uma caminhada de sentido em sentido: tem sentido crescer e aumentar os conhecimentos, tem sentido casar, formar família, ter filhos, educá-los, procurar uma realização profissional, tem sentido bater-se pela justiça, festejar, fazer investigação para aprofundar a compreensão do mundo e transformá-lo, sacrificar-se pela edificação de uma sociedade mais justa e feliz... Mas, se, no fim, pela morte, tudo desembocasse no nada, então, em última análise, tudo apareceria sem sentido, precisamente porque a vida é essa caminhada de sentido em sentido, à procura do Sentido último, e, no final, era o nada. Precisamente esse nada é intolerável.

O carácter insuportável desse nada, do acabar no nada, do nunca mais ser para todo o sempre, adquire intensidade dramaticamente maciça na morte do amigo. Por um lado, olha-se para aquele resto cadavérico e tem-se consciência de que o amigo está real e totalmente morto — é uma naturalidade evidente morrer e estar morto. Por outro, o amigo não é, não pode ser, aquele resto. Mas então onde está, para onde foi? Como é que partiu sem deixar endereço? E fica-se atordoado, é como se o mundo nos caísse em cima ou caíssemos nós num abismo — o pensamento desfaz-se de parede contra parede, a fonte das palavras fica absolutamente seca, e é um vazio sem fim...

A morte de alguém é sempre o fim de um mundo, a morte de um amigo é irreparável. Com a morte do amigo, a nossa própria morte faz a sua entrada no mais profundo de nós mesmos. Como escreveu Santo Agostinho, "admirava-me de viverem os outros mortais, quando tinha morrido aquele que eu amava, como se ele não houvesse de morrer! E, sendo eu outro ele, mais me admirava de eu viver, estando ele morto." E aí ergueu-se gigantesca, assombrosa e inevitável a pergunta essencial: "factus eram ipse mihi magna quaestio — tinha-me tornado para mim próprio uma questão enorme."

Decisivo é não abandonar a pergunta até ao fim e ao fundo. É que, como escreveu Theodor Adorno, fundador da Escola Crítica de Frankfurt, agnóstico, “o pensamento que não se decapita desemboca na Transcendência”. E como escreveu Max Horkheimer, outro fundador da Escola de Frankfurt, "é impossível salvar um sentido absoluto sem Deus" e, por isso, a religião está em conexão com "o anelo de que esta existência terrena não seja absoluta", de que o sofrimento e a morte "não sejam o último."


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 10 de novembro de 2024

O HOMEM: QUESTÃO PARA SI MESMO (13)

  


13. Nos cemitérios, o que há?


Apesar de a morte hoje se ter tornado tabu, muitos nestes dias passaram pelos cemitérios. E a pergunta é: Que foram lá fazer? Quando alguém está concentrado num cemitério perante a campa de um familiar, de um amigo, está a olhar para onde?, e o que é que vê realmente?

Há talvez algumas imagens entrecortadas que lhe passam de modo fugaz pela mente. Mas, quando olha, verdadeiramente absorto, embora talvez com os olhos muito abertos para ver, o que realmente lhe aparece é simplesmente e só um abismo sem fundo e sem fim, um vazio ilimitadamente aberto...

Mas olhar e ver um abismo sem fundo e sem fim e um vazio ilimitadamente aberto, isto é, não ver nada, é o que propriamente se chama ver o Mistério.

Quando se vai ao cemitério visitar a campa de um familiar, de um amigo, presta-se uma homenagem, faz-se uma romagem de saudade... É isso: de saudade, no sentido mais fundo da palavra, dito na própria etimologia: a saudade refere-se a uma ausência sem nome e sem fim, que nos faz sentir a solidão (solitate) que nos dói; se o étimo for salutem dare  (saudar), então trata-se de uma saudação, com o desejo de que quem partiu esteja bem. Aí, no recolhimento mais intenso, pode erguer-se, sem palavras, uma súplica, um soluço, como forma de tentar balbuciar o Mistério indizível...

A morte é o mistério pura e simplesmente... Perante ela e tudo o que se lhe refere, é como se caíssemos num precipício, onde se estilhaça a capacidade de pensar... Ninguém sabe o que é morrer. Que instante é esse o da morte, mediante o qual se deixa de pertencer ao mundo e ao tempo? Mesmo que assistamos à morte de alguém é de fora que o fazemos... Ninguém sabe o que é estar morto. Diante do cadáver do pai, da mãe, do filho, do amigo, do marido, da mulher, não tem sentido dizer: o meu pai está aqui morto, a minha mãe está aqui morta, o meu amigo está aqui morto, o meu marido está aqui morto, a minha mulher está aqui morta... De facto, eles não estão ali... Também é por pura ilusão de linguagem que dizemos que levamos o pai ou a mãe ou o filho ou o amigo ou a mulher ou o marido à sua última morada... Como não podemos dizer, quando vamos ao cemitério, que os vamos visitar... Nos cemitérios, com excepção dos vivos que lá vão, não há ninguém.

Pergunta-se então: Porque é que é um crime nefando em todas as culturas e sociedades a violação de um cemitério, se lá não há ninguém? Afinal o que é que está nos cemitérios?

Nos cemitérios, o que há é uma incontível e inapagável interrogação: o que é o Homem, o que é ser ser humano? O que há nos cemitérios é a afirmação de que, seja como for, a antropologia não é redutível a um simples capítulo da zoologia...

Afinal, para onde foram os mortos? Não será que, como acontece nas guerras, andam perdidos, mas um dia havemos de encontrá-los e encontrar-nos? Para onde vão os mortos? Para o nada? Mas, como perguntava o filósofo Bernhard Welte, que nada é esse? O nada vazio e nulo ou o nada enquanto véu que oculta a realidade verdadeira, como quando entramos num espaço de breu e dizemos: aqui, não vejo nada, o que não significa que lá não haja nada, pois pode até acontecer que lá se encontre o tesouro maior?... Para onde vão os mortos? Para a noite total ou, pelo contrário, para a luz plena, de tal modo luz que para nós é noite, como quando, olhando para o sol de frente, ficamos cegos pelo excesso de luz? No final, está a esperança.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 3 de novembro de 2024

O HOMEM: QUESTÃO PARA SI MESMO (12)


12. Donde vem o “eu”


É soberanamente estranho e enigmático o significado de dizer "eu". Só cada um, cada uma, o pode dizer de si mesmo, de si mesma, com sentido único e irrepetível. Ninguém pode dizer "eu" na vez de outro. Precisamente por isso, ninguém sabe o que é exactamente ser outro, outro eu, ninguém pode viver-se plenamente a partir de dentro de outro, ninguém pode conceber o mundo visto pelo outro, por outro eu. O outro - outro eu, mas sobretudo e sempre um eu outro - é irredutível. É absolutamente fascinante perguntar-se a si próprio: como será o mundo a partir dali, daquele olhar, daquele olhar do outro - olhar não apenas externo, mas interior? Como é que ele, ela, me vê? O que se passará nele, nela, dentro dele, dela, quando me vê, quando me observa, quando pensa em mim, quando diz que me ama? Se nos fosse possível ir lá dentro!... O que é que aconteceu para que o bebé, que começa por parecer um "embrulhinho" (perdoe-se a expressão terna), inicie um processo de dizer-se, que vai do neutro - o menino, a menina, o Kico, a Rita... - até ao soberano eu, donde tudo parece partir para tudo dominar?

Mas não é apenas o eu do outro que é enigmático. O meu próprio eu é enigma para mim. Quando tentamos ver-nos a nós próprios à distância, em miúdos, quando andávamos na escola, por exemplo, ao dar connosco, sabemos que somos nós, mas ao mesmo tempo vemo-nos de fora: somos os mesmos, mas de outro modo. Até no presente, por mais que objective de mim, há sempre um reduto último - parte da subjectividade - que resiste à objectivação, não havendo nunca coincidência entre o eu objectivo e o eu subjectivo. Vejo-me, sem ver-me adequadamente, de tal maneira que, na medida em que procuro mergulhar até à ultimidade de mim, é como se desaparecesse no nada. Também por isso, David Hume negou a existência do eu: quando me vejo por dentro, o que encontro é apenas uma série de vivências, mas nunca o eu, que não passa precisamente de um feixe de vivências. Não perguntava Pascal em que parte do corpo é que se encontraria o eu? Aliás, já certas correntes do budismo se tinham referido ao eu como ilusão, e o exemplo que se dá é o de uma cebola a que se vai tirando as camadas sucessivas, sem que reste um núcleo duro: da desconstrução da unidade pessoal não permanece um sujeito.

Mas a interpretação também pode seguir outro caminho. Descendo até ao abismo de mim, aquele aparente nada com que deparo é o véu de mim enquanto inobjectivável, isto é, enquanto pessoa e não coisa. Precisamente aí - no eu irredutível - posso encontrar-me com o mistério do Deus criador. É com esse milagre do eu enquanto pessoa, fim e não meio para nada nem para ninguém, que se defrontam, por exemplo, os pais, no encontro com o filho, como escreveu o filósofo Julián Marías: "A realidade psicofísica do filho - corpo, funções biológicas, psiquismo, carácter, etc. - 'deriva' da dos pais, e neste sentido é 'redutível' a ela. Mas o filho que é e diz 'eu' é absolutamente irredutível ao eu do pai bem como ao da mãe, igualmente irredutíveis, é claro, entre si. Não tem o menor sentido controlável dizer que 'vem' deles, pois eu não posso vir de outro eu, já que este é um 'tu' irredutível. Neste sentido, a criação pessoal é evidente. Isto é, o aparecimento da pessoa - de uma pessoa - enquanto tal é o modelo daquilo que realmente entendemos por criação: a iluminação de uma realidade nova e intrinsecamente irredutível".


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 26 de outubro de 2024