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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ANTÓNIO FRANCO ALEXANDRE 

  


Vi Roma a arder


Vi Roma a arder, e neros vários
bronzeados à luz da califórnia
guardar em naftalina nos armários
timidamente, a lira babilónia;
as capitais da terra, uma a uma,
desfeitas em nuvem e negra espuma,
atingidas de noite no seu centro;
mas nunca vi paris contigo dentro.
E falta-me esta imagem para ter
inteiro o álbum que me coube em sorte
como um cinema onde passava «a morte»;
solene imperador, abrindo o manto
onde ocultei a cólera e o pranto,
falta-me ver paris contigo dentro.


I saw Rome burning


I saw Rome burning, and several neros
tanned by the californian light
timidly stashing away in closets
mothballs and babylonian lyres;
the world’s capitals, one by one,
darkened into froth and cloud,
crushed in their core at night;
but i never saw paris with you inside.
And this is the missing image
in my fate-allotted photo album
like a cinema showing certain ‘death’;
solemn emperor, opening the shroud
in which I hid my anger and my plight,
I’ve yet to see paris with you inside.


© Translated by Ana Hudson, 2013
in Poems from the Portuguese

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ANTÓNIO CARLOS CORTEZ 

  


Porque existe este ritmo de luzes…


porque existe este ritmo de luzes
no barco que atravessa as margens do poema
as palavras procuram lugares secretos
para nomear o mundo destruído
pela falta de sentido no sentido
o poema é um barco no rio
para lugar algum
relembras por entre barcos os ritmos
e a primeira viagem de regresso para o
território neutro da cidade insensível
ao poema como geografia lunar
é tempo no poema de voltar.


in Um Barco no Rio, 2002


Because there is this rhythm of lights…


because there is this rhythm of lights
on the boat crossing between the poem’s margins
the words search for secret places
to name the world destroyed
by the lack of meaning in meaning
the poem is a boat on the river
to nowhere
amongst boats you remember the rhythms
and the first return voyage to the
neutral territory of the city as unresponsive
to the poem as a lunar landscape
it’s time in the poem to go back


© Translated by Ana Hudson, 2011
in Poems from the Portuguese

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ANA MARQUES GASTÃO


Anel de Chamas


Adormece a meu lado, a rosa sulfúrea,
amarela de enxofre, aurífera, metálica.
Firme em seus densos, espessos capítulos,
tem o pedúnculo exaltado em firmeza
insegura de amante e matéria de treva.
Guarda do fogo o calor, do âmbar a rota
indolor. Ó tu, verónica prostrada,
misteriosa em tua natureza fremindo, sê
artéria, mansa cor, antes da forma, essência,
antes do fim, princípio, anel de chamas.


Ring of flames


It goes to sleep beside me, the sulphurous rose,
sulphur yellow, auriferous, metallic.
Firm in its dense, thick capitula,
its stalk is elated in a lover’s
insecure resolve and hidden matters.
It keeps the heat from fire, from amber the painless
path. You, prostrate veronica,
mysterious in your pulsating nature, be
artery, docile colour, before shape, be essence,
before the end, the beginning, ring of flames.


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese

POEMS FROM THE PORTUGUESE

Poema de Ana Luísa Amaral

ana luísa amaral.jpg

 

A mais perfeita imagem

Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão que
lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurónio meu, uma memória que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.

in A arte de Ser Tigre, 2003

 

The most perfect image

Were I to sweep every morning this shrub’s
spiky leaves off their harbouring ground,
I would then have a perfect metaphor for the reason
why I’ve come to unlove you. Were I to wipe clean
every morning this window pane and feel
beyond my reflection the distracted transparency
of nothingness, I would see the shrub
is but a small inferno in the absence of the decasyllabic flame.
Were I to look every morning at the cobweb woven between
its branches, I would also understand the imperfection
that eats at its thread, from May to August,
disarming its geometry, its colour. Were I even now
to see this poem in the manner of a conclusion, I would notice
how its lines grow, unrhymed,
in an uncertain and discontinuous prosody
unlike mine. Like slow wind, eroding. I would also learn
that longing belongs to a web woven in another time,
a memory of some insistent beauty perched
on some neuron of mine: the fire of a funeral pyre.
The most perfect image of art. And of farewell.

 

© Translated by Ana Hudson, 2008

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

 

Poema de Ana Hatherly

 

Ana_Hatherly.jpg

 

O Terceiro Corvo

 

Oh Lisboa
Como eu gostava de ser
O terceiro corvo do teu emblema
Estar implícita na tua bandeira
Negra e branca
Como tinta e papel
Como escrita e espaço!

Ser teu desenho
Tua nova lenda
Invenção deste século
Que já não inventa
E se interroga:
Donde vieram estes corvos?

Como tu, Vicente,
Eu também não sou de cá
Não sou daqui
Não pertenço a esta terra
E talvez nem sequer
Pertença a este mundo…

Porém estou aqui
Nesta dolorosa praia lusitana
Cheia de um tumulto inútil
Que enegrece as tuas areias
E polui o ventre do rio
Que os golfinhos há muito desertaram

E olhando as nuvens dedilhadas pelo vento
Sentindo a terna dor do teu sentir sentido
Peço-te, Lisboa
Surge de novo bela
Reinventa
A santidade perdida do teu emblema

in Itinerários, 2003

 

The Third Crow

 

Oh Lisbon
I would so like to be
The third crow in your shield
To be implicit in your flag
Black and white
Like ink and paper
Like script and space!

To be your drafted shape
Your new legend
Invention of this century
That no longer invents
And wonders:
Where have these crows come from?

Like you, Vincent,
I’m not from these parts
Not from this place
Not from this land
And perhaps I don’t even
Belong to this world…

Yet here I am
On this sorrowful Lusitanian beach
Full of a useless turmoil
That blackens your sands
And pollutes the river’s womb
Long abandoned by the dolphins

And seeing the clouds fingered by the wind
Feeling the gentle pain of your felt feelings
I beg you, Lisbon,
Rise again in beauty
Reinvent
The lost sanctity of your shield

 

© Translated by Ana Hudson, 2010

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ALBERTO PIMENTA 


Marthiya of Abdel Hamid segundo Alberto Pimenta 33


33.

Para voltar
A ver-te
Um só instante,
A ti,
Que és mais bela que a lua,
Antes que a manhã recolha
As estrelas
Uma a uma
E as guarde
Do outro lado do céu,

Vou atravessar
O rio
Coberto de holofotes,
Que transformam o verde claro
Numa fosforescência
De água assustada.

Se não me matarem
Nem me apanharem vivo,
Mantém-te alerta,
Mantém alerta
O desejo mais antigo
e o mais novo.

Vou passar
Do lado de fora
Da parede
Perfurada
Pelas balas:

Passa-me um lenço
De seda
Com o teu perfume.

Marca-o com o segredo
Dos teus lábios.


in Marthiya de Abdel Hamid segundo Alberto Pimenta, 2005


Marthiya of Abdel Hamid according to Alberto Pimenta 33

33.
To see you
Again
Only for an instant,
You,
Who are fairer than the moon,
Before the morning gathers
The stars
One by one
To keep them
On the other side of the sky,

I’ll cross
The river
Covered by the searchlights
That change its clear green
Into a phosphorescence
Of frightened waters.

If I’m not killed
Or caught alive,
Be alert,
And keep alert
The most ancient
The most youthful desire.

I’ll walk
Along
The other side
Of the bullet
Pierced wall:

Pass on to me a silk
Scarf
With your scent.

Mark it with the secret
Of your lips.


© Translated by Ana Hudson, 2010

in Poems from the Portuguese 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE YVETTE K. CENTENO 


Os Mestres

a António Ramos Rosa

I

Sentados no alto da colina
contemplando o arvoredo
ouvindo o regato murmurar

São três
os primeiros Mestres
o quarto está a chegar

II

Aquela era a casa inocente
aquela era a casa feliz
o portão não tinha grades
e tu vias toda a gente
ao jardim vinham gaivotas
a mãe dizia não pousem
pois será a chuva certa
e fugias para o quarto
que tinha a janela aberta
esperando o amigo fiel
o pescador dos segredos
que surgia de repente
e te levava com ele
em noites de lua negra
em direcção ao mar alto
às grutas mais escondidas
que só ele iluminava

III

– Vem comigo e nunca temas,
são as águas mais antigas
será esta a nossa casa
a magia renovada
do prazer mais inocente
aqui dormiremos juntos
com as estrelas do mar
a embalar-nos para sempre…


in Outonais (poemas 2005-2010), unpublished
© Yvette K. Centeno


The Masters

to António Ramos Rosa

I

Sitting on top of the hill
looking at the trees below
listening to the flow of the stream

They are three
the first Masters
the fourth is on the way

II

This was the innocent house
this was the happy house
with no bars on the gate
you welcomed everyone
seagulls flew over the garden
mother told them not to land
for they’d surely bring rain
and you ran into your room
the window always ajar
waiting for the loyal friend
the fisherman of all secrets
who wouldn’t be very far
to take you away with him
on black moonlit nights
towards the highest seas
into the most hidden caves
that only he could make bright

III

‘Come with me and never fear
these are the most ancient waters
it’s here that we shall live
in the renewing magic
of the most innocent pleasure
here we’ll sleep together
and all the starfish in the sea
will waft us round forever…’


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE VÍTOR NOGUEIRA


Sementes


Havia dois atalhos pelo meio do pinhal,
direcções espantosamente precisas, animais
que não voltei a ver. Enquanto as colheitas
amadureciam nos campos, havia talismãs
pendurados nas árvores e mercúrio para tratar
certas lesões, uma peça vital do equipamento.
Havia girassóis à volta da casa e as palavras imortais
dos espantalhos, uma forma de evitar
que eu desse em doido. E havia um muro
que era preciso saltar, a manhã gloriosa
da escalada, a ciência das grandes migrações.

Mas não vale a pena entrar em mais detalhes.
Este é o meu corpo. Esta é a minha mente.
Conhecem-se desde a infância e cumpriram pena juntos.

Do futuro nada sei. Apenas que vem aí.


in Este é o meu Corpo, antologia de poemas sobre o pão, 2013


Seeds


Two paths crossed the pine wood,
astonishingly precise directions, animals
I never saw again. While the crops
were ripening on the fields, there were charms
hanging from the trees and quick-silver to treat
certain ailments, a vital piece of equipment.
There were sunflowers surrounding the house and the scarecrows
everlasting words preventing me
from going mad. And there was a wall
which had to be jumped over, and the glorious morning
of the climb, the science of the great migrations.

But there’s no need to go into more details.
This is my body. This is my mind.
They’ve known each other since childhood and together
they’ve served their sentence.

Of the future, I know nothing. Except that it will come.


© Translated by Ana Hudson, 2013
in Poems from the Portuguese 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE VASCO GRAÇA MOURA 

  


wild is the wind


uma sebe de hidrângeas em que o azul explode
faz a moldura deste verão para o teu retrato
e contra o verde largo das folhas, sob o vento, ondula o véu,
ondula o véu de leves dobras a envolver-te a cintura,

e a tua pele recolhe a luminosa serenidade da manhã
como um tratamento de beleza, um bálsamo benfazejo que não seja
para mais ninguém. e penso: como eu andava ao deus-dará
e tu estavas aqui, nesta casa das nuvens, a respirar no seu recato

modulado. fosse o destino, o fado, o acaso, a sina,
tu estavas aqui, desde ontem, ao lusco-fusco, entre as surdinas
de sombra que cresciam pelo vale e a música severa
de que se engendram as palavras. ah, se eu morresse

agora, só diria, em-mim-mesmado, como adriano,
ó alminha, brandinha, vagabunda,
suspende a clepsidra e deixa-te ficar um pouco mais comigo,
só para eu poder contemplá-la e depois acabar serenamente,

entre a resignação do estóico, um estremecimento de ternura,
um fulgor grave do seu olhar, a faiança azul das hidrângeas
e um cheiro de alecrim, ao findar agosto de dois mil e nove,
quando o vento se torna mais bravio.


in O Caderno da Casa das Nuvens, 2010


wild is the wind


a hedge of hydrangeas bursts in blue
setting this summer’s frame for your portrait
and against the wide green of the leaves, in the wind, is the waving
of the veil, the waving of the veil folding lightly around your waist,

and your skin takes in the luminous serenity of the morning
like a beauty treatment, a beneficial balm destined for no one else.
and i think: the ways i’ve wandered and you
were here, in this house in the clouds, breathing inside its modulated

shelter. be it by destiny, fate, chance, fortune,
you have been here, since yesterday, in the dusk, between the softness
of shadows that spread through the valley and the severe
music out of which words are begotten. ah, were i to die

now, i would just say, self-entranced, like Hadrian,
o, gentle, meek, vagrant soul,
suspend the hourglass and stay a moment longer,
that i may contemplate her and end at peace,

amid the stoic’s resignation, a tremor of tenderness,
the grave shine of her gaze, the blue china of the hydrangeas
and the smell of rosemary, in the ides of august of two thousand
and nine, when the wind becomes wilder.


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese 

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE VASCO GATO 

  


Repara nos velhos


Repara nos velhos.

Dementes, doridos, restos de casas.
Vivem agora a lepra
de todos nós.
Não lhes chegamos.
Tresandam.
Esquecem.
Apoderam-se do nada.
E nós, capitosos,
brindamos com o vinho
que também eles
sorveram,
desdenhando a morte
que, amarga como
a nossa indiferença,
haveremos
de provar.


in Napule, 2011


See the old


See the old.

Sore, demented, derelict.
They live for now
the leprosy of us all.
We don’t touch them.
They stink.
They forget.
They grab nothingness.
And we, big-headed,
toast with the wine
they once
sipped,
scorning death
which, as bitter
as our indifference,
we shall
taste.


© Translated by Ana Hudson, 2012

in Poems from the Portuguese