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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

VIAGEM CNC 2011 - 4ª CRÓNICA NA RÁDIO RENASCENÇA

 

 


Nesta vinda às Molucas não podemos deixar de lembrar que Fernão de Magalhães, apesar de português, ofereceu os seus préstimos ao Rei de Espanha para demonstrar que as Molucas estariam fora do hemisfério português. Fê-lo em vão, uma vez que, ao chegar à região, depressa se apercebeu de que não tinha razão. O resto da história é conhecido, mas lembrámo-la esta manhã com Monsenhor Andreas Sol, um holandês católico entusiasta da presença portuguesa nas Molucas e em especial em Amboino. A biblioteca que reuniu é uma preciosidade: livros, mapas, crónicas, revistas – mas mais importante foi o modo como nos recebeu nos seus 95 anos. Este foi sem dúvida o momento alto da nossa passagem por Amboino.
 
Temos Camões como companhia. Chegados a Ternate, lemos o que o épico nos diz no Canto X dos Lusíadas:
“Olha cá pelos mares do Oriente
As infinitas ilhas espalhadas:
Vê Tidore e Ternate, co fervente
Cume que lança as flamas ondeadas.
... As árvores verás do cravo ardente,
Co sangue português inda compradas”
Aqui estamos com os vulcões adormecidos em volta, regressados às Molucas do Norte. Somos recebidos com honras especiais. Visitamos o Sultão de Ternate, que recorda a antiga presença portuguesa e faz questão de dizer que agora nos reencontramos em nome da cultura da paz. O Sultão é uma pessoa culta que faz questão de salientar a importância que a vinda dos portugueses tem para o sultanato, dizendo que cada um de nós passará, por certo, a ser um embaixador de Ternate onde quer que se encontre. Fala-nos do fenómeno religioso e da importância do conhecimento nas diferenças culturais ou do diálogo entre as confissões. Estamos na zona de produção do cravinho, mas também da noz-moscada e, num percurso na ilha, paramos na estrada para ver as plantas e compreender o respectivo circuito da produção. A primeira armada portuguesa destinada a Maluco envolveu o mercador Tamul e simultaneamente também Rui Araújo, feitor de Malaca. Mas a expedição de António Abreu de 1511 foi a primeira a sério, carregada de mercadorias com valia nas ilhas do cravo. A história das ilhas e dos portugueses é cheia de peripécias e vicissitudes. Peripécias e vicissitudes sobre as quais continuaremos a falar.



Crónica do Dr. Guilherme d'Oliveira Martins na Rádio Renascença gravada em 8 de Setembro de 2011

VIAGEM CNC 2011 - 3ª CRÓNICA NA RÁDIO RENASCENÇA

Timor

 

Longa jornada por estrada, de Dili até Baucau. É ainda aventurosa esta viagem com um caminho muito irregular a obrigar a esforços, solavancos e atenções muito especiais. As nuvens acastelavam-se no horizonte, mas a chuva não veio, antes cedendo lugar ao sol e ao calor. Primeiro tivemos a paisagem xistosa, depois a calcária, primeiro o verde e depois o amarelo, até à cidade de Manatuto, a pequena propriedade e o regadio e a seguir a estepe seca. Sempre com o mar por companhia, com um azul fantástico, apanhámos alguns sustos por causa do abrupto das ravinas. Todos ficam deslumbrados, é Timor Leste no seu melhor, terra acolhedora e agreste, intensa e doce - e até os mangais constituem lição uma vez que medram na água salgada, bastando-lhes apenas algumas horas de água doce. Chegámos a Baucau quase com uma hora de atraso e D. Basílio espera-nos com a sua simpatia e com a hospitalidade que tão bem conhecemos. Um grupo de jovens meninas aguarda-nos na Catedral e os seus cânticos na celebração são o modo de nos dizerem que somos bem-vindos. Ouvimos o seu português, às vezes inseguro, entre pequenos sorrisos, mas o olhar é transparente e de uma simpatia tocante.

 

Hoje já estamos de novo na Indonésia e chegámos a Amboíno. Partimos de manhã bem cedo e já aqui nas Molucas começámos a ver com os nossos próprios olhos um dos cenários da presença portuguesa no Oriente do Oriente. Apesar de pequenos atrasos inevitáveis, sobretudo tratando-se de um voo especialmente contratado, chegámos a esta baía ao fim da manhã e embrenhamo-nos de imediato numa cidade equatorial situada numa pequena ilha intensamente povoada de floresta. A presença de um tão alargado grupo de portugueses causa surpresa. As autoridades locais não se poupam a esforços para nos serem simpáticas. Somos levados ao hotel e depois ao restaurante do almoço, antecedidos por um automóvel da polícia municipal. O Prof. Luiz Filipe Thomaz recorda em pormenor as vicissitudes da presença portuguesa que aqui ocorreu de 1512 a 1605. Fala-nos do naufrágio de Francisco Serrão nas ilhas das tartarugas, do comércio do cravo e da noz-moscada e da chegada de São Francisco Xavier. Mas esses largos contos são tema para a nossa próxima crónica...

 

 

Crónica do Dr. Guilherme d'Oliveira Martins na Rádio Renascença gravada em 5 de Setembro de 2011

VIAGEM CNC 2011 - 2ª CRÓNICA NA RÁDIO RENASCENÇA

 
 

Continuando a viajar no sentido dos portos onde os portugueses tiveram a sua presença efectiva, partimos para as Flores onde chegámos ontem a tempo de um almoço tardio, mas retemperador, de modo a visitarmos a família real de Sika - os Ximenes da Silva - na casa de Maumere, com quem pudemos usufruir de uma visita ao pequeno - mas significativo - tesouro, constituído por duas coroas do Rei, pequenas pulseiras e armas votivas. A coroa real é um capacete do século XVII, do ano de 1607, talhado em ouro, com a imponência própria e o fulgor do metal em que foi feito. Verificámos ser necessário criar condições de maior segurança para este património que recorda o acordo realizado pelos portugueses com os chefes da Ilha do "Cabo das Flores" há trezentos anos. E deparamos, com emoção, com a assinatura de Helena Vaz da Silva no livro de honra sentindo que a memória é inapagágel.

 

A Ilha das Flores, baptizada pelos portugueses, nunca foi conquistada. Foram tradicionalmente os seus reis que exerceram com autonomia o poder nesta terra em que a serpente impera. No entanto, até 1851, e de um modo natural, a população teve o apoio dos portugueses ao abrigo de um entendimento ancestral – reforçado aliás pelas características próprias, culturais e religiosas deste povo, maioritariamente católico.  A caminho de Sika, onde vamos ao encontro do antigo reino, do seu palácio e da sua situação geográfica encontramos uma ilha amiga e fraterna. O Senhor Pereira mostra-nos ainda o que faltava ver do tesouro de Sika – o Menino, ou seja, o Menino Jesus Salvador do Mundo vestido a preceito como se estivesse em Portugal. E se se diz que as Flores - ou o Cabo das Flores, para sermos mais rigorosos - nunca foi objecto de conquista, tal serve para deixar claro que a hospitalidade que recebemos vem dessa longa história – de humanismo, de abertura e de complexidade. Somos recebidos de braços abertos por um povo que não esconde a sua simpatia. E hoje fomos até à montanha, à aldeia de Watublapi, fumar o tabaco da paz, ver as danças tradicionais e como se confeccionam os panos. Foi este mais um momento de emoção partilhado por todos. À parte a distância, as Flores correspondem a uma situação única e o seu povo hoje tem-nos no coração, e nós a ele.

 
 
Crónica do Dr. Guilherme d'Oliveira Martins na Rádio Renascença gravada em 2 de Setembro de 2011 

Viagem CNC 2011 - 1ª crónica na Rádio Renascença


Os portugueses ao encontro da sua História

Malaca, Timor Leste e Indonésia (Bali, Flores, Amboino, Ternate, Tidore)


27 de Agosto a 10 de Setembro de 2011

 

 

Malaca acolheu-nos principescamente. A visita ao bairro português é um motivo especial de interesse, da antiga Fortaleza de Afonso de Albuquerque, “A Famosa”, apenas resta a porta da muralha, já que os ingleses não evitaram a destruição do edificio militar que em muito se assemelhava à nossa Torre de Belém, como aliás está representado nos documentos da época. Para nós, o mais emocionante foi a subida aqui à Igreja do Monte sob a evocação da Anunciação, ou de São Paulo, onde Sào Francisco de Xavier  pregou e onde foi sepultado por D. Miguel de Castro, filho de D. João de Castro. As visitas sucederam-se mas o mais importante foi ouvir o papiar do Século XVI, a língua franca dos  mercadores que os missionários desenvolveram sabendo-se que os textos religiosos são sempre fundamentais para a afirmação de uma língua.

Hoje estamos em Bali e vivemos uma imersão total na cultura hindu, aqui caldeada pelo animismo vivido pelas populações mais antigas da ilha. Nos templos que visitámos encontramos os três mundos da cultura hindu -  o domínio dos espíritos que importa aquietar e lembramos a purificação pelo sangue da luta dos galos à entrada do campo santo; o domínio das pessoas humanas e o terceiro domínio, dos deuses e dos antepassados. No caminho longo que seguimos até às montanhas vimos terraços verdejantes dos arrozais mas também as plantações de banana, cacau, papaia e manga e muitas estátuas do hinduísmo; presenciámos ainda a festividade dos muçulmanos a viverem o fim do Ramadão com muita côr e alegria. E culminámos com a ascenção ao vulcão Batur, numa paisagem deslumbrante, em que até o sol timidamente apareceu.  O lago ocupa parte da cratera e o lugar corresponde a um encontro natural entre o sagrado e o humano - e quando chegámos ao templo da Primavera Sagrada, onde a purificação pela água está bem presente, sentimos com naturalidade que aqui em Bali temos intensamente o diálogo entre o homem e a natureza.

 


 

Crónica do Dr. Guilherme d'Oliveira Martins na Rádio Renascença gravada em 31 de Agosto de 2011

 

 

PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

Contagem decrescente - Japão (11)

Hoje recordamos um conto tradicional japonês segundo Wenceslau de Moraes, que no-lo compara com a fábula mdediterrânica da Cigarra e da Formiga!...

O TIRA-OLHOS E A CASTANHA
por Wenceslau de Moraes

 

 

"Chegara o Inverno, frígido. Um tira-olhos, que fora resistindo até então, mas a custo, abrigando o corpo esguio e nu no quimérico agasalho das suas asas de gaze transparente, veio por acaso pousar num castanheiro. Então, fixando uma castanha, dirigiu-lhe, suplicante este discurso:
- "Ó senhora castanha, vossemecê, para se preservar das intempéries, usa de uma camisa junto ás carnes, por cima da camisa veste um kimono de duas consistências; e, ainda por cima traz uma capa forrada de espinhos e de pêlos. Pois tenha dó de mim, que nada possuo para abrigo senão estas asas de gaze transparente, ceda-me um dos seus vestidos..."
Responde-lhe a castanha prontamente:
-"Ora essa! Você durante todo o Verão, passou o tempo em pândegas, em voos descuidados, em amores boémios, de regato para regato, de flor para flor, sem cidar de precaver-se e de fazer alguma roupa. Eu, modestamente, sem sair do pouso onde nasci, fui tecendo e cosendo os meus vestidos, preparando-me para o frio. Pois governe-se agora como possa, meu amigo e, se tem frio...tenha paciência".
Leitor amigo: não vos parece estar ouvindo, com ligeiras modificações de pouca monta, a fábula da cigarra e da formiga? É que a moral dos povos é uma e única (...). As nossas classificações antropológicas que chamam a este individuo um Japonês, àquele um Grego, àquele outro um Português, têm apenas a importância éfemera que satisfaz num momento dado o grau das nossas concepçôes. Cada ser humano, havendo já vivido no passado imerso e sem distinção de latitudes, milhões e milhões de vidas, retém em si a impressão das múltiplas recordações das suas existências anteriores, reduzidas a qualidades de alma; o que arrebanha todos os homens num só grupo - a Humanidade (...)."
 
Fonte: Fala a Lenda Japonesa, Wenceslau de Moraes

PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

 

Contagem decrescente - Japão (10)

 

Voltamos ao Embaixador Armando Martins Janeira, no seu livro “A Construção de um País Moderno”: - «Os grandes construtores do Japão moderno não são os políticos, mas os grandes industriais: os inventores da Sony, da National, da Honda, da Seiko, da Toyota e da Nissan, do jornal maior do mundo, o Yomiuri. Estes construtores de um novo país têm incessantemente proclamado acima de tudo a sua fé na inteligência. O progresso industrial baseia-se na circulação da informação. O Japão é o país mais bem informado do mundo. Para dar um exemplo: a Mitsui dispõe de uma rede de telecomunicações de 400 000 km, tendo vinte e quatro linhas directas para Nova Iorque; recebe diariamente quatro mil mensagens – mais que todos os ministérios portugueses juntos. Existe uma estreita ligação entre o marketing e a actividade produtiva; a Toyota, por exemplo, só produz o número de automóveis que pode vender. Os sistemas económico e industrial são rapidamente permeáveis às inovações técnicas. São mesmo sensíveis à estética: as operárias de uma fábrica em Tóquio usam uniformes desenhados por Pierre Cardin.

Pode dizer-se que o progresso japonês é apenas devido à inteligência, condicionada a três factores: o sistema de educação, a constante procura de inovação e a disciplina da organização, incessantemente aperfeiçoada.

Os elementos essenciais do sistema nipónico têm sido a produção industrial e o comércio externo. Uma das principais tarefas da diplomacia japonesa tem sido realizar a coordenação e expansão económica ao nível internacional.

A organização política e económica, embora com muitas limitações, não sofre dos defeitos e absurdos, nem da rotina, do capitalismo ocidental. O Japão adoptou do Ocidente princípios capitalistas e princípios socialistas, e sobre estas duas filosofias políticas instalou um pragmatismo são e eficaz – simbiose esta que só poderia ser realizada por quem está de fora tanto da filosofia capitalista como da comunista e pode recorrer ainda a uma forma de pensamento diferente de ambas, de raiz asiática.

Mas antes desta adopção de ideias e métodos estrangeiros está o propósito fundamental de criar um país novo, assente em novas estruturas, embora guardando ciosamente o fundo da sua ética, língua, cultura e carácter social.

Os Japoneses responderam ao desafio do Ocidente modificando a sua sociedade e elaborando um sistema de valores que visa o progresso nacional e o convívio internacional, num mundo novo orientado para a divisão internacional do trabalho e a harmonização do comércio mundial.

(…) Uma sociedade é um complexo de estruturas humanas, cuja evolução se vai
acelerando. Enquanto o Ocidente se preocupa cada vez mais com a sua segurança (…), o Japão concentra-se nos problemas da intensificação do progresso, da automatização, da humanização das grandes cidades, na regeneração do ambiente, na redução do tempo de trabalho, no preenchimento dos tempos livres, no aumento da cultura, em abrir largas perspectivas sobre o século XXI.

Cobrindo uma vasta extensão de terra e mar, rica de recursos, contando quase metade da população mundial, a Ásia começa a tomar consciência da força da sua identidade.

Aqui estão situados países de economias muito dinâmicas, como, além do Japão, a Coreia do Sul, a Formosa, Singapura; mais tarde será a China, cujo desenvolvimento, como previu Napoleão, vai provavelmente decidir o futuro do mundo.

O Japão, procurando guardar a sua identidade e pertença à Ásia, quer alargar ao mesmo tempo os seus laços com o Ocidente, dupla posição que poderá favorecer o esclarecimento de uma política comum nos problemas Norte-Sul e trazer benefícios ao progresso mundial.

Escritores há que prevêem que o próximo milénio será de predomínio da Ásia.

O Japão seleccionou do Ocidente as ideias e os estímulos que pudessem revitalizar a sua antiga civilização, e é o único país não ocidental a atingir uma industrialização plena. Combinando as novas ideias e fontes ocidentais com as herdadas do seu passado, o Japão está a criar uma nova cultura e a abrir novos caminhos às gerações do futuro.

O Japão criou uma nova forma de capitalismo, bastante diferente do original
ocidental. A originalidade e a criatividade com que o Japão formou as suas novas estruturas políticas e económicas oferecem matéria para séria reflexão. A vida política e a actividade económica nipónicas estão impregnadas de uma sabedoria oriental e de valores estéticos orientais que não têm equivalente nos países capitalistas do Ocidente.

Mas só a ciência e a tecnologia ocidentais podiam permitir o espectacular sucesso do Japão moderno.

 

PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

Contagem decrescente - Japão (9)

 

As notícias acerca do Japão, antes da chegada dos Portugueses, eram escassas. A primeira notícia da existência do Japão provém de Marco Polo (1254-1324) e a sua obra foi a base dos nossos conhecimentos sobre grande parte da Ásia até meados do século XVIII. A ilha do Japão era denominada por Marco Polo de Ciganpu, «Agora nos cheguemos a demostrar e decrarar as terras de Índia, e começarey em a ylha grande de Ciganpu. Esta ylha da parte do oriente he alonguada no alto mar da rybeyra de Mangy (grande China) per mill e quinhentas milhas e he muyto grande.», segundo nos informa Georg Schurhammer, na obra  Anais da Academia Portuguesa de História, Vol. 1, 2ª série, p. 33. Esta notícia do Japão foi divulgada na Europa nos fins da Idade Média. Cristóvão Colombo, baseado nas informações de Marco Polo, teve a intenção de alcançar Ciganpu na sua primeira viagem, em 1492. A palavra Japão foi, pela primeira vez, usada, na Europa, por Tomé Pires na sua Suma Oriental, obra escrita em Malaca, que terminou em Janeiro de 1514, «A Ilha de Jampon, segundo todos os Chijs dizem, que he moor que a dos Lequios e o rey mais poderoso e maior e nom he dado à mercadoria nem seus naturais. [...] Tratam na China poucas vezes por ser longe e elles nom tem naaos nem serem homens do maar.», in: Anais da Academia Portuguesa de História, segundo Georg Schurhammer, Vol. 1, 2ª série, p. 81. Duarte Barbosa também fez referência ao Japão na sua obra Discrição, «Defronte desta grande terra da China vão muytas ilhas ao mar, alem das quaes vay hua terra mui grande que dizem que hé firme...» in: La Compagnie de Jesus et Le Japon, de Léon Bourdoy, p. 111. O Japão já tinha sido representado, no século XV, como sendo uma grande ilha rectangular no Insularium Ilustratum do alemão Henricus Martellus, de cerca de 1490 e no globo do alemão Martin Behaim, de 1492, mas nestes mapas não aparece o nome Japão. Após a chegada dos Portugueses ao Japão, durante um período de cerca de cem anos, «...desenvolveu-se um intercâmbio económico e cultural entre...» Japoneses e Portugueses, segundo Alfredo Pinheiro Marques, na sua obra A Cartografia dos Descobrimentos, p. 63. O encontro entre Portugueses e Japoneses deixou marcas na cartografia, porque os Portugueses começaram a dar a conhecer o Japão a todo o Mundo. Os cartógrafos Portugueses recolheram informações acerca do Japão no Oriente e, antes dos Portugueses chegarem ao Japão, homens como Francisco Rodrigues, Pedro Reinel e Lopo Homem já tinham representado o Japão na cartografia portuguesa, sob a influência de Marco Polo, que concebeu a ilha como sendo rectangular. Segundo Armando Cortesão, a primeira representação efectiva do Japão data de 1550, vem num mapa anónimo português e neste mapa também aparece, pela primeira vez, o nome Japão. Este mapa está conservado na Biblioteca Vallicelliana, em Itália». (Elementos da Universidade Católica Portuguesa).

PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

Contagem decrescente - Japão (8) 

 

Prosseguimos a nossa contagem até à Peregrinação em terras do Sol Nascente. Hoje recordamos S. Francisco Xavier (que já homenageámos em Goa). Francisco Xavier e os seus companheiros alcançaram o Japão a 27 de Julho de 1549, mas só a 15 de Agosto foram autorizados a aportar em Kagoshima, o principal porto da província de Satsuma, na ilha de Kiushu. Francisco foi recebido amigavelmente e ficou hospedado pela família de Angiró até Outubro de 1550. Entre Outubro e Dezembro residiu em Yamaguchi. Pouco antes do Natal, partiu para Kyoto, mas não conseguiu autorização para visitar o imperador. Regressou a Yamaguchi em Março de 1551, onde o “daimio” daquela província o autorizou a pregar. Contudo, faltando-lhe a fluência na língua nipónica, teve de se limitar a ler alto a tradução do catecismo feita com Angiró. O jesuíta teve um forte impacto no Japão e foi o primeiro membro da ordem a estar em missão. Levou com ele pinturas da Virgem Maria e da Virgem com o Menino Jesus. Estas imagens ajudaram-no a explicar o Cristianismo aos japoneses, uma vez que a barreira da comunicação era enorme, visto o japonês ser diferente de todos os idiomas que os missionários tinham até aí encontrado. Os japoneses não se revelaram pessoas facilmente catequizáveis. Muitos eram já budistas. Francisco Xavier teve dificuldade em explicar-lhes o conceito de Deus e a ideia segundo a qual Deus criou tudo o que existe. Aos seus olhos, Deus seria então responsável também pelo Mal e pelo pecado, algo que era para os japoneses incompreensível. O conceito de Inferno foi também difícil de explicar, pois os japoneses não aguentavam a concepção de que os seus antepassados podiam estar num Inferno eterno do qual era impossível libertá-los. Apesar das diferenças religiosas, Francisco de Xavier terá sentido que os japoneses eram um povo bom e que por isso poderiam ser convertidos. Xavier foi bem acolhido pelos monges da escola de Shingon, por ter usado a palavra “Dainichi” para descrever o Deus Cristão. Depois de ter aprendido mais sobre os significados da palavra, Francisco passou a usar a palavra “Deusu”, da palavra latina e a palavra portuguesa “Deus”. Foi nesse momento que os monges se aperceberam que ele pregava uma religião rival. No entanto, Francisco sempre respeitou o povo que o acolheu, tendo aprendido japonês, deixado de comer carne e peixe, e cumprimentava os senhores com vénias profundas, tendo chegado em algumas circunstâncias a vestir-se com trajes japoneses, para ser melhor aceite. Com a passagem do tempo, a missão de Francisco Xavier no Japão pôde ser considerada muito frutuosa, tendo conseguido estabelecer congregações em Hirado, Yamaguchi e Bungo. Francisco Xavier continuou a trabalhar durante mais de dois anos no Japão, tendo escrito um livro em japonês sobre a criação do mundo e a vida de Cristo. Então decide regressar à Índia. Nessa viagem, uma tempestade força-o a parar numa ilha perto de Cantão, na China, onde já estivera. Encontra assim o rico mercador Diogo Pereira, um velho amigo de Cochim, que lhe mostra uma carta proveniente de portugueses mantidos prisioneiros em Cantão, pedindo um embaixador português que intercedesse a seu favor junto do Imperador. Mais tarde durante a viagem, pára de novo em Malaca a 27 de Dezembro de 1551 e estava de volta a Goa em Janeiro de 1552».

PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

Contagem decrescente - Japão (7) 

A nossa Peregrinação continua a preparar-se. O diálogo cultural obriga à troca… Sentimo-lo especialmente com o Japão. Continuamos com a Prof. Helena Barbas (1990) a propósito do romance de Shusako Endo “O Silêncio”: O herói (…) é um jesuíta português, Sebastião ­Rodrigues que, em 1638, parte de Lisboa para o Japão com o­ objectivo de manter a fé e apoiar os indígenas convertidos ­em tempo de perseguições. Tem como segundo objectivo encontrar um antigo professor, o provincial da ordem ­Cristóvão Ferreira, e confirmar a informação de que, após­ trinta anos de trabalho apostólico, face à tortura, teria ­renegado. Apesar de avisos dos superiores hierárquicos, Rodrigues­ insiste na sua viagem em direcção ao martírio, pautada pelos ­passos da via-sacra. O sacerdote identifica-se expressamente­ com Cristo e os momentos mais trágicos da paixão, não lhe ­faltando, inclusive, um Judas-Kishijiro que o vende por 300 ­moedas. É através desta personagem que surge a grande ­questionação ao cristianismo enquanto lei de amor:­ «Porventura seria Cristo capaz de buscar e amar um homem destes, sujo e imundo como nenhum outro? Até num canalha, é ­certo, se poderá descobrir uma centelha de força e beleza,­ mas chamar canalha a Kishijiro já era favor...». Todavia, a situação histórica e os inimigos são ­diversos, e Rodrigues vê-se confrontado com um dilema­ terrível: escolher entre suportar a responsabilidade da ­tortura e morte das suas ovelhas, a que os seus carcereiros ­o forçam a assistir, ou evitar essas mortes, pelo renegar da­ fé católica e pisar da imagem de Cristo, o Éfumié. Este dilema é duplamente agravado. Pela crescente­ constatação da indiferença divina face aos sofrimentos ­humanos, o silêncio de Deus que se estende à própria ­natureza: «Sei que hoje, dia em que Mochiki e Ichizo ­choraram sofreram e morreram para maior glória de Deus, não ­consigo suportar o monótono fragor deste negro mar, ­abocanhando com os seus colmilhos a areia da praia. Como ­fundo a este mar sinistro, paira o silêncio de Deus... a­ sensação de que Deus continua de braços cruzados ante os ­clamores atirados ao céu por estes homens.». Por ­outro lado, Rodrigues toma conhecimento de que o Deus­ europeu se aculturou naquele país onde não se entende a ­diferença entre o Bem e o Mal, onde o pecado e a­ culpabilidade não existem: «Já  desde o princípio que os ­japoneses, que confundiam Deus com Dainichi, começaram a­ deformar e a adaptar à sua maneira o nosso Deus, criando­ algo diferente. Mesmo quando a confusão de vocabulário desapareceu, as distorções e adaptações prosseguiram­ sub-repticiamente. (...) Não era no Deus-cristão que­ acreditavam... Até hoje, nunca os japoneses tiveram o­ conceito de Deus; nem jamais o terão.». As palavras dos missionários recebiam um sentido­ diferente do que lhes era atribuído e a sua religião acabava­ dissolvida nas já vigentes. Pelo xintoísmo, e devido ao ­relacionamento do imperador com a deusa do sol, o povo é, ao ­contrário do resto do mundo, naturalmente eleito – não necessita de redenção. Com aquele se fundira um budismo que,­ na maioria dos seus preceitos, se encontra demasiado próximo ­do pensamento cristão. A situação de Rodrigues torna-se exemplar, num sentido­ geral, enquanto representante de um determinado grupo, e num­ sentido particular, enquanto registo da evolução espiritual ­de um homem em busca de si próprio, através do divino. E o ­encontro pretende dar-se por intermédio do lado mais humano ­de Cristo, o homem-deus perseguido e sofredor, desprezado e­ rejeitado pelos outros homens».

PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

Contagem decrescente - Japão (6)
Peregrinar obriga a pensar. Já falámos de Shusako Endo e da sua amizade com o Embaixador Martins Janeira, hoje voltamos ao romancista japonês, com a ajuda da Professora Helena Barbas (FCSH, UNL). Esta refere-nos o romance “O Silêncio” de Shusako Endo: «São os portugueses quem, acidentalmente, descobre o Japão ao mundo Ocidental por volta de 1542. ­Talvez Fernão Mendes Pinto e seus dois companheiros Diogo ­Zeimoto e Cristóvão Borralho, num dos seus muitos­ naufrágios. Estes «Chenchocogins do cabo do mundo» são seguramente responsáveis pela introdução das armas de fogo e­ do fabrico da pólvora naquele país (Peregrinação, cap. ­cxxxiiii). Este relacionamento estabelecido pelo enxofre e incenso­ é magistralmente descrito por Venceslau de Morais: «Em 1549 ­o Jesuíta Francisco Xavier, espanhol de origem, mas servindo­ portugueses, desembarca no Japão, em Kagoshima, e enceta a­ sua propaganda religiosa, seguido de perto por outros nossos ­missionários e numerosos mercadores. Em 1587, dá-se a ­primeira perseguição contra os cristãos. Em 1597, em ­Nagasaki, vinte e seis cristãos perecem no martírio. Em ­1624, após lutas cruentas, tragédias e massacres, o Japão ­fecha à cristandade as suas portas, com excepção dos ­holandeses...» (Os Serões no Japão, Parceria A. M. Pereira, ­1973, p.142). Lendo Relance da História do Japão, ainda ­de Morais, entende-se que, por detrás do conflito individual­ de Sebastião Rodrigues, está o Histórico, apenas esboçado no ­romance de Shusaku Endo: a grande luta religiosa entre­ protestantes e católicos; o conflito de interesses ­comerciais entre as grandes potências do período; o ­fechamento do Japão ao ocidente, fundamentado na necessidade ­de independência e autonomia. O Silêncio não é um romance teológico, mas evidencia a ­posição dogmática de Endo face à religião católica. As suas ­personagens só pelo renunciar aos aspectos mais materiais da­ religião, pelo abandono das manifestações culturais da fé,­ podem alcançar a redenção e entender a natureza de Cristo: o ­Cristo benevolente, que convida o jesuíta Rodrigues a pisar­ a sua face, é o mesmo com quem Hasekura, O Samurai se encontra. Um Cristo tão oriental que parece tocar as raias­ da heresia. A preocupação religiosa do autor transborda no excesso­ de referências e comparações com os momentos mais conhecidos ­da Paixão, redundantes para a cultura judaico-cristã. (…) Estes mesmos aspectos revelam-se como ­manifestação de um esforço sincero de entendimento do ­ocidente por um olhar oriental, pelo que em nada diminuem o ­interesse deste singular romance.» - Helena Barbas [O Independente, 4 de Maio de 1990, III p.43].