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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A ATUALIDADE DE EÇA DE QUEIROZ

  


Na varanda de casa de seus pais no Rossio, aquando do desfile de celebração da descoberta do caminho marítimo para a Índia (maio de 1898), José Maria Eça de Queiroz foi surpreendido por uma sentida ovação dos populares presentes na circunstância. Lembrei-me desse episódio quando assisti à cerimónia de concessão de honras de Panteão Nacional em memória do grande romancista da língua portuguesa, cuja importância ultrapassa em muito a nossa dimensão geográfica. Na manifestação espontânea de outrora, que muito sensibilizou o escritor, está simbolizada a justiça da homenagem de agora. Estavam então e agora representados cidadãos comuns, leitores, admiradores e amantes da língua comum, e nesse sentido o Panteão constitui um lugar de culto cívico que sai mais prestigiado pela chegada de um dos nossos imortais.

Citou o Presidente da República um trecho da carta datada de Paris em 28 de janeiro de 1890, dirigida a Oliveira Martins, que constitui um testemunho simbólico, onde sentimos ainda como Eça de Queiroz não seria indiferente a este reconhecimento. Daí a ligação das duas ocasiões – a do aplauso popular e a da confissão do mestre. A propósito de umas eventuais intrigas sobre o consulado de Paris, com epicentro no famigerado visconde de Faria, Eça pedia ao seu amigo que cuidasse de garantir a continuidade no consulado da cidade-luz, porém acrescentava: “Isto não quer dizer que eu não tenha desejo de recolher à minha Pátria; mas isso é difícil, por questões orçamentais, e a ficar na carreira, então desejo ficar em Paris. Se Vocês, todavia, homens poderosos, pudessem arranjar aí um nicho ao vosso amigo há tantos anos exilado, teríeis feito obra amiga e santa! Era necessário, porém, descobrir o nicho! E depois, arranjar do nosso bom amigo, o Rei, que eu fosse plantado no nicho! E dizer que, se eu, tivesse nascido dos Pirenéus para cá, e dado romances ao Petit Journal possuiria talvez 60.000 francos de renda”… Havia, no fundo, uma ligação íntima ao torrão natal e à nossa gente. E falando nas Notas Contemporâneas a propósito da demanda artificial de grandes homens que havia em França, Eça reconhecia que em qualquer escolha “a demonstração fica sujeita a dúvidas, a contestações, a protestos. Fica sobretudo incompreendida pela multidão”. Contudo, na distinção dos melhores, havia a exceção de Vítor Hugo, “pelo menos, é um grande homem – que não necessita demonstração”. E é disso que se trata no caso do nosso grande romancista.

Ele, melhor que ninguém, usou da ironia para distinguir o trigo do joio, e isso não se esquece quando se fala dos melhores, sabendo-se que a sociedade envolve todos, incluindo as respetivas caricaturas, os Acácios, os Pachecos e os Abranhos, dos quais não se conhecia obra, mas apenas inefável talento. O contexto da carta era o do Ultimato inglês, na sequência do Mapa Cor-de-Rosa, momento dramático da vida nacional, e a Eça parecia-lhe que o País acordava estremunhado e olhava em redor procurando um caminho. E Eça de Queiroz foi uma personalidade atenta, que, com espírito positivo, desejava que Portugal singrasse. A atualidade queiroziana está assim na sua obra, que importa ler e reler, e no retrato crítico e rigoroso da sociedade com os seus defeitos e qualidades que importa apurar, para sermos melhores.


GOM