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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Louis Kahn revela que a verdadeira arquitetura é tudo aquilo que a natureza não pode construir.


“Em tudo o que a natureza faz,

A natureza imprime o seu modo de fazer.
Numa pedra, há a memória da pedra.
Num homem, há a memória da sua criação.


Quando compreendemos isso,
nós compreendemos as leis do universo.
Alguns são capazes de reconstruir as leis do universo
Apenas ao olhar uma folha da relva.
Outros têm que aprender muitas, muitas coisas,
até que possam perceber o que é necessário
para desvendar essa ordem que é o universo.”, Louis Kahn (Kahn 2002, 21)


Louis Kahn, nos anos 50 do séc. XX, através do projeto da Galeria de Arte de Yale (1953), concretiza duas ideias fundamentais: sensibilidade e pensamento.


Sensibilidade
para Kahn é intuição, é desejo de criar a natureza do espaço e da ordem. Está acima de pensamento, ao contrariar a ideologia moderna do puramente racional e funcional e ao valorizar a arquitetura como reflexão sensível. Pensamento estabelece os meios para criar, é desenho. O desenho estabelece-se na dimensão da matéria que contém ordem, geometria e hierarquia dos espaços - servidos e servidores.


Ora, no início dos anos 60, no projeto do Salk Institute, a sensibilidade cria características imensuráveis postas em prática a partir de experiências do passado e da evolução do ser humano. Durante este período as obras de Kahn falam do desejo em expressar inspiração para permitir a aprendizagem: “I consider that school is my chapel... Every building that an architect builds is answerable to an institution”, Kahn, 1967


Louis Kahn deseja criar instituições que inspirem o ser humano e que constituam uma herança. Sendo assim, no Salk Institute, o pensamento cria características mensuráveis. É sensibilidade com a presença de ordem. Para Kahn, a arquitetura também significa fazer. É pensamento organizado, é harmonia dos elementos de um programa é meio de expressão. Ao associar-se a sensibilidade, permite a realização da forma. Forma é vontade de existência universal e eterna - estabelece um equilíbrio com o mundo natural, onde as leis não mudam e implica uma hierarquia dos elementos e das funções. Afirma-se então, o volume dentro do volume - a planta não se afirma livre (o espaço servido tem as funções principais) porque está interrompida por espaços servidores (que têm funções secundárias). E assim, Kahn concebe os espaços servidores, unidos coerentemente pelo conceito de forma: “Spaces must be distinguished. The serving areas of a space and the spaces which are served, are two different things.” Kahn, 1959.


No projeto para a Bilblioteca Phillips Exeter (1965) silêncio toma o lugar da sensibilidade. Silêncio é agora o elemento da arquitetura que permite evidenciar a essência das coisas e o desejo de existir pelo meio físico da luz. O que liga o conceito de silêncio e de luz é a fonte de inspiração - com síntese, essência e forma.


“Phillips Exeter Academy Library is embodied in the movement from the darkness to the light as with the book and the search for knowledge”, Steven Holl, 1996


Por sua vez, luz toma o lugar de pensamento, relacionando-se com o fazer. Luz é um utensílio de expressão, um meio dado pela natureza, intimamente ligado à ordem estrutural, modular e à escolha dos materiais.


Por fim, no Yale Center for British Art (1966-1977) contacto substitui silêncio. Contacto é o espanto, o maravilhoso, a primeira resposta intuitiva, a revelação. É essência que não depende do meio e precede a sua existência. É regra inconsciente que não muda.


A visão substitui a luz. E visão é o belo, é o sentimento da total harmonia. É existência que evidencia o espírito encarnado na forma, que se torna presença assim que o ser humano invoca as leis da natureza: “Form has an existence (...) but existence does have a mental existence so you design to make things tangible.”, Louis Kahn


Kahn afirma que a ordem humana está referenciada ao conjunto de regras elaboradas conscientemente pela cultura. É estrutura, construção, tempo, espaço, mas sobretudo lugar e oportunidade. E no fundo, Kahn com este projeto revela que a verdadeira arquitetura é tudo aquilo que a natureza não pode construir.

 

Ana Ruepp