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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR


Place de l’Étoile


A curta-metragem Place d l’Étoile, de Eric Rohmer, feita para o filme Paris vu par… (1965) explora o espaço público como meio primordial da nova cidade planeada por Haussmann. Neste caso específico, Rohmer ao conhecer bem toda a área circundante à Place de l’Étoile e por ter trabalhado no topo dos Champs Élysées, queria mostrar o seu interesse por este espaço aberto e circular.


A Place de l’Étoile é o ponto de encontro de doze grandes avenidas cujo centro é definido pelo imponente Arco do Triunfo (1906-1936). No filme, Rohmer explica que a praça em si, supostamente assinalada como um lugar de prestígio, é uma espécie de terra de ninguém, pois é totalmente ignorada e subestimada por seus transeuntes ativos e apressados que conhecem e percorrem somente o seu perímetro. A cada 50m uma rua tem de ser atravessada. Os semáforos que regularizam o movimento dos carros nas ruas periféricas em nada facilitam a circulação dos peões - resultando assim num desconforto descontínuo somente superada pela idade ou pelo carácter de cada indivíduo. As obras, que desde 1964 constroíem na praça o metro regional, também contribuem para aumentar o problema da circulação automóvel e pedestre.


Ora Jean-Marc, o herói desta história, antigo corredor dos 400m, trabalha como vendedor numa loja de fatos para homem na Avenida Victor Hugo. Todas as manhãs, Jean-Marc apanha o metro para ir para o trabalho. A sua última paragem é L’Étoile. Um dia ao sair da estação de metro e aborrecido por uma mulher ter pisado o seu pé, choca sem querer com um senhor que passa na Place de l’Étoile. Uma desavença aí se inicia até que o senhor colapsa no chão e Jean-Marc com medo foge em corrida, pensado que o senhor está ferido ou até mesmo morto. Durante as semanas seguintes, Jean-Marc prudentemente evita a Place de l’Étoile. Cuidadosamente tenta contornar a praça utilizando as suas ruas periféricas, mas nem sempre é bem sucedido. Mas para seu grande alívio um dia vê o senhor no metro.


A história deste filme depende totalmente da estrutura geométrica da Place de l’Étoile. A sua configuração é capaz de determinar os encontros, o itinerário, os desvios, a corrida, as interrupções que descrevem a história de Jean-Marc.


Por isso Jean-Marc é a figura necessária para estabelecer a ligação entre o espaço físico e o espaço psicológico daquele lugar específico.


Rohmer, a propósito deste filme cita Guy Débord e a sua teoria da Dérive. Debord define a Dérive como o modo experimental que liga o comportamento humano às condições de uma determinada sociedade urbana. Rohmer escreve que todo o ser humano gosta de ter a possibilidade de se deslocar a um lugar através de duas ou mais maneiras diferentes, porque o seu devaneio será sempre capaz de o conduzir até lá. E aqui Rohmer crítica abertamente a vida urbana moderna que ao proibir a divagação, o desvio e o acaso contribui para a destruição de Paris. (Baecque e Herpe 2014, 181)


A cidade moderna de Haussmann trouxe a definitiva cisão entre o humano e a natureza - é o triunfo do artificial esplendoroso sobre o natural, o tecnológico funcionalista sobre o intuitivo, a ordem longa e larga sobre o imprevisível.

 

Ana Ruepp