Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

O Jardim do Tarot.jpg

 

O Jardim do Tarot, de Niki de Saint Phalle.

 

“My purpose, however, was to make a garden of joy.”, Niki de Saint Phalle

 

Tal como o nome indica, o Jardim do Tarot (1979-2002) de Niki de Saint Phalle (1930-2002) tomou como inspiração o ofício hermético do Tarot. As cartas do Tarot são usadas desde a Idade Média para prever o futuro. Esta actividade, pouco compreensível para o indivíduo comum, é descrita como sendo o espelho da alma. Niki de Saint Phalle utiliza, no seu Jardim do Tarot todo o potencial inexplicável, sobrenatural e imagético intrínseco de cada carta do Tarot para conceber todos os objectos que nesse jardim se erguem. Em 1979, os príncipes de Caracciolo deram a Niki de Saint Phalle uma montanha em Capalbio, na província de Grosseto, em Itália, e a artista passou os últimos vinte anos da sua vida a criar o primeiro parque de escultura monumental concebido por uma mulher. Já no início dos anos sessenta, Niki tinha mencionado a enorme vontade em construir um jardim com esculturas baseadas nas cartas de Tarot.
Os objectos representam cartas como: The Sphinx, The Empress, The Falling Tower, The Sun, The High Priestess, The Magician, The Dragon, The Emperor’s Castle, The Justice, The Tree of Life, The Wheel of Fortune, The Temperance, The World, The Hermit, The Oracle, Death e The Devil. Cada espaço, objecto e escultura pensadas por Niki tem uma forma, cor e tatilidade distintas. Cada um, à sua maneira, funciona como um reflexo de nós próprios e do cosmos incontrolável que nos rodeia.

 

“I realized the entire project was meant as a permanent expression of her undying love for (Jean) Tinguely as much as her obsession with her work and making her dreams reality.” (Groom 2008, 89-90)

 

Pensa-se que Niki terá tomado como referências a escultura Cyclop, de Jean Tinguely em Milly-la-Forêt em França e o Parque Güell de Antoni Gaudí, com os seus mosaicos e formas orgânicas, antropomórficas e grotescas. À medida que o projecto avançou e se desenvolveu a Niki de Saint Phalle passou a viver na cabeça da The Sphinx. Para conseguir financiar este enorme projecto, construído com a colaboração de inúmeros ajudantes, Niki desenhou perfumes, lenços, gravatas e diversas peças de joalharia.
Niki de Saint Phalle sempre se interessou imenso pelo mundo dos sonhos, e pelo espaço ocupado pelo inconsciente desconhecido. Ao imaginar uma sociedade mais igualitária e humana através das suas Nanas (numa eterna homenagem à origem do mundo), Niki também se arrisca a fazer referência a tudo aquilo que se perde quando crescemos e nos tornamos adultos. No Jardim do Tarot, outros deuses são evocados e opõem-se aos deuses do conformismo, da apatia e do materialismo.

 

“Art, to most people is something terribly serious and people refuse to realize that joy is something terribly serious too.”, Niki de Saint Phalle

 

Com o seu Jardim do Tarot, Niki ensina-nos a olhar para o outro lado do espelho. O outro lado é tão profundo quanto o lado em que estamos e ao qual chamamos realidade. Os espelhos têm a qualidade de rejeitar todo o tipo de obscuridade e trazer movimento, vida, cor, brilho e luz. Talvez o Jardim do Tarot evoque essa voz profunda e latente que em nós existe desde que nascemos. Stephen Nachmanovitch em Free Play. Improvisation in Life and Art. escreve que as experiências, as dificuldades e os sofrimentos inerentes ao nosso crescimento podem servir para desenvolver e fazer durar essa voz latente ou original, que transportamos e que nos liga ao que é eterno, mas infelizmente essa voz acaba por ser ignorada, calada e enterrada.
A realidade que nos é dada a conhecer através do mundo instituído, está infinitamente condicionada por suposições subentendidas que construímos após múltiplas experiências quotidianas. É por isso que a experiência oferecida pela arte, tal como acontece no Jardim do Tarot, nos parecem extraordinárias. O Jardim do Tarot, e todas as experiências criativas, na verdade ensinam-nos a ver a eternidade, e a redescobrir a voz latente através do mais pequeno e subtil gesto.

 

Ana Ruepp