A FORÇA DO ATO CRIADOR
O subúrbio era o lugar que permitia ser aquilo que se quer ser.
No livro “A cidade na História. Suas origens, transformação e perspetivas.” (Martins Fontes, 1998) de Lewis Mumford escreve que a formação do subúrbio coincide com o aparecimento da cidade. A sobrevivência da cidade e do subúrbio depende um do outro. A cidade predominava insalubre e compacta. O subúrbio decorria das necessidades e das deficiências da cidade.
O subúrbio desde cedo significava espaço (ar, verde e sol), natureza, saúde e liberdade. Mumford explica que os deleites do suburbanismo eram, desde o princípio reservados às classes superiores: “…de modo que o subúrbio podia ser descrito quase como a forma urbana coletiva da casa de campo (…) o modo de vida suburbano é, em grande parte, um derivado da vida descansada, jovial e consumidora da aristocracia, que se desenvolveu a partir da existência rude, belicosa e árdua da fortaleza feudal.” (Mumford 1998, 523)
Mumford faz notar que já no tratado de construção de Alberti se achava todo o programa suburbano doméstico dos arquitetos do princípio do séc. XX: retiro conveniente perto da cidade, livre de qualquer tipo de constrangimentos e convenções da sociedade urbana; oferta de ar e possibilidade de contemplação; abertura a prados, bosques, regatos, lagos e ao sol.
O subúrbio era assim o lugar que permitia ser aquilo que se quer ser: “…construir a sua própria casa, única, no meio de uma paisagem única; viver uma vida centralizada em si mesma (…) criar um asilo (…) comandado ainda à vontade dos privilégios e benefícios da sociedade urbana.” (Mumford 1998, 525)
O subúrbio antigo representava um esforço da classe média em encontrar um novo modo de vida segregado e menos formalizado e uma solução para a depressão e desordem da metrópole poluída.
O subúrbio representou, durante algum tempo, pela sua livre utilização do espaço, a antítese da maior parte das cidades históricas do Ocidente. No subúrbio houve uma dispersão da edificação no meio de espaços abertos. As ruas já não formavam corredores fechados. O edifício podia afirmar-se isolado no meio da paisagem. Foi, sobretudo no séc. XIX, que urbanistas e construtores utilizaram o subúrbio como um campo experimental para investigarem novas formas para a cidade de planta aberta com uma nova distribuição de funções.
Mas, Mumford revela que a utopia do subúrbio antigo terminou através do movimento em massa que se deu em direção a essa dispersão e liberdade. Nesse movimento coletivo, visível a partir do séc. XX, produziu-se um novo tipo de desenho suburbano com deficiências evidentes: “…uma multidão de casas uniformes, inidentificáveis, alinhadas de maneira inflexível, a distâncias uniformes, em estradas uniformes, num deserto comunal desprovido de árvores, habitado por pessoas da mesma classe, mesma renda, mesmo grupo de idade, assistindo aos mesmos programas de televisão, comendo os mesmos alimentos pré-fabricados e sem gosto, guardados nas mesmas geladeiras, conformando-se, no aspeto externo como no interno, a uma modelo comum, manufaturado na metrópole central.” (Mumford 1998, 525)
O crescimento em massa sobretudo dos subúrbios norte-americanos, que se deu em meados do séc. XX, levou à atomização, ao isolamento e à fragmentação da vida quotidiana: “…a mudança de dimensões e a difusão de moradias levantou um problema rural mais antigo, o do isolamento; e (…) amplificou a necessidade de transportes por veículos particulares…” (Mumford 1998, 530)
Na opinião de Mumford o subúrbio ao ter sido símbolo de refúgio preservava ilusões. Ali a individualidade podia prosperar sem culpa. Mumford afirma que ainda é a vivência da cidade concentrada que permite naturalmente construir uma consciência social, pelo constante contacto com a diferença e com a complexidade. O subúrbio contemporâneo ao compartimentar só permite o contacto com realidades diversas através da televisão. A televisão, como explica Luísa Sol na tese “A Imagem da cidade e o seu espaço-representado no videoclip da década de oitenta. Interferências norte-americanas na cultura arquitetónica contemporânea dita ocidental.” (Universidade de Lisboa, Faculdade de Arquitetura, 2018) permitiu uma confortável relação com o mundo sem sair do lugar. A partir deste momento, o culto do indivíduo elegeu o ecrã como sendo o novo grande espaço público.
Mumford explica assim que: “…as diferenças operativas entre o subúrbio contemporâneo e a grande cidade tornam-se cada vez mais minúsculas, pois naqueles ambientes aparentemente diferentes, a realidade tem sido gradativamente reduzida àquilo que é filtrado da tela do televisor.” (Mumford 1998, 536)
Ana Ruepp