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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR


A imensidão dos espaços físicos existe dentro de cada ser.


“The world is large, but in us it is deep as the sea.”, R. M. Rilke


Os espaços são testemunhos de vida e são suscetíveis de ser manipulados pela memória e pela imaginação. São uma mistura de passado, de sonho e de experiência e têm a capacidade de revelar e corresponder ao estado íntimo de cada ser.


Gaston Bachelard em The Poetics of Space, no capítulo “Intimate Immensity” explica que a imensidão do mundo exterior é um estado íntimo. A imensidão pertence à categoria do sonho. O sonho e o devaneio têm a capacidade de transportar o ser para fora do mundo imediato e a contemplação tem sobre si a marca do infinito. 


Para Bachelard, apenas através da memória, longe do mar e da terra sem-fim, podem-se adquirir ressonâncias do inalcançável. A imensidão está dentro de cada ser. Está ligada a uma expansão, que a vida restringe e sufoca - mas que, segundo Bachelard, pode ser reactivada sempre que se está sozinho ou parado: “Indeed, immensity is the movement of motionless man.” (Bachelard 1994, 184)


A sede de imensidão, define o ser da imaginação pura, permite o alargamento da consciência e a abertura do mundo concreto. Muitas vezes é esta imensidão interior que dá sentido real ao espaço limitado e visível.


“I live in great density (…) In the forest, I am my entire self.”, René Ménard


Bachelard revela que só se consegue meditar perante aquilo que já conhece. Mas existem certos espaços físicos cuja ligação é imediata e intrínseca e não depende de nenhuma condição ou predisposição prévia - tal como o mar ou a floresta. Estes espaços, transportam naturalmente a profundidade íntima de todos os seres: “The forest is a before-me, before-us, whereas for fields and meadows, my dreams and recollections accompany all the different phases of tilling and harvesting. When the dialectics of the I and the non-I grow more flexible, I feel that fields and meadows are with me, in the with-me, with-us. But forests reign in the past.” (Bachelard 1994, 188)


Há assim imagens de certos lugares que já existem dentro de cada ser, mas a ressonância dos espaços que formam o mundo só acontece se houver predisposição. O muro que separa o eu de o mundo e que impede a sua compreensão, só pode deixar de existir se houver um diálogo entre dois silêncios e duas solidões. E o esforço de entender e de ver a verdade que está por trás de cada espaço e de cada objeto, pode ajudar a pertencer. Os espaços desconhecidos demoram tempo a ser entranhados e entendidos.


Deste modo, Bachelard escreve que um espírito que medita e que sonha, consegue alcançar imagens de imensidão até no mais pequeno objeto. A vastidão e o infinito podem estar ao alcance imediato. O mundo percetível é então um eco do que já existe dentro de cada ser. A imensidão íntima e particular tem a capacidade de absorver e dissolver o mundo percetível. Quanto mais profunda for a interioridade e o detalhe maior será o alcance do infinito. Para Bachelard cada ser é o espelho de uma vastidão singular.


Ana Ruepp