A FORÇA DO ATO CRIADOR
Em Les Nuits de la Pleine Lune opõe-se espiritualidade e fisicalidade.
O espaço físico reflete o interior de cada ser. A atenção, ao mundo que nos rodeia, recai sempre sobre aquilo que nos dá outra dimensão. Os filmes de Éric Rohmer promovem frequentemente a analogia entre o pensamento e o espaço físico.
No livro “Eric Rohmer. Realist and Moralist.”, C. G. Crisp explica que, no filme Les Nuits de la Pleine Lune (Rohmer, 1984) , a obsessão de Louise em estar sempre no centro, onde acontece tudo, transmite-se nas constantes viagens entre as duas casas que se situam em Marne la Vallée e Paris. Louise tem vontade de estar no lugar de maior artifício, pretensão e movimento e não à margem. Crisp explica que até para Louise as outras personagens servem somente para fornecer olhares de admiração e estabelecer uma infinita rede de conexões.
O provérbio, que aparece no genérico, lembra que quem tem duas casas pode enlouquecer e pôr em perigo a sua alma. Segundo Crisp, o erro de Louise é o de confundir o centro geográfico e social (neste caso Paris) com o centro espiritual (lugar onde que a vida fará sentido). Nos filmes de Rohmer, as verdades essenciais e as relações permanentes só são descobertas na periferia das coisas, na borda, no que está perdido, em instantes fugazes ou em momentos em que a cidade (espaço) se torna enganosa e indiferente. A intensidade da vida metropolitana faz o indivíduo perder-se no anonimato da agitação.
O novo conjunto habitacional de Marne la Vallée (onde Louise habita com Rémi) parece ser sombrio e taciturno e Louise sente-se aí aprisionada. Louise, durante todo o filme, não deseja encontrar-se em Marne la Vallée. Louise anseia sim pelo alvoroço e a inquietação da cidade central para se esvaecer. Crisp escreve que Louise é acima de tudo seduzida pela necessidade de ser completamente livre e de manter todas as possibilidades em aberto.
“Louise: (…) J’ai besoin d’être seule, de temps en temps, vraiment seule. (…)
Octave: La solitude, ce n’est pas marrant du tout.
Louise: Je verrai. Qu’on me laisse au moins voir par moi-même!
Octave: Qui t’empêche?
Louise: Les autres, les gens qui m’aiment, en général. On m’aime trop.” (Rohmer 1999, 13)
Para Crisp, o filme explora motivos já conhecidos na obra de Rohmer, no que diz respeito à oposição e confronto entre espiritualidade e fisicalidade. Na série dos contos morais, a personagem principal conseguia, como que por milagre escapar às fraquezas espirituais. Porém, em Les Nuits de la Pleine Lune, a éterea Louise não é resgatada por nenhuma moral. Mas é no final, sob a lua cheia, que a casa de Paris (o espaço central) passa a ser cativeiro. É a própria Louise, que propõe a Rémi a abertura de outras possibilidades (sem imaginar o desgosto que irá ter).
Para Crisp, a angústia de Louise, no final, é um sinal de derrota, mas é principalmente um sinal de conversão tardia a sentimentos profundos. Na opinião de Crisp os jovens deste filme são descrito através de uma existência sombria e sem sentido - incapazes de escolher, ávidos de experiência e de tudo ao mesmo tempo e carentes de princípios (pelo menos inicialmente). Louise não suporta a natureza - a vida no campo provoca-lhe angustia - mas Crisp sublinha que é o seu estilo de vida noturno que a fará redescobrir precisamente o domínio dos seus impulsos através da natureza lunar.
Sendo assim, Crisp termina, esclarecendo que este é um dos filmes que mais efetivamente explora as oposições estruturais que estão presentes na obra de Rohmer. Neste filme, opõe-se liberdade e pertença; multiplicidade e unidade; espiritualidade e fisicalidade. Na busca pela liberdade, Louise toma consciência da sua dependência. Na procura pela sua individualidade, Louise encontra-se apenas solitária. Na vontade em viver no centro de tudo, Louise descobre que é na margem que estão os sentimentos mais profundos e permanentes. Estas e outras ironias servem para demonstrar que, dentro da estrutura fixa, característica dos filmes de Rohmer, existe infinito espaço contentor de contradições, isto porque o espaço físico é mesmo reflexo da dimensão interior.
Ana Ruepp