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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A Força do Ato Criador

 


Aldo Rossi, Passado, Memória e Continuidade


Aldo Rossi, através do livro ‘L’architettura della città’ (1966), constrói uma metodologia própria com grande repercussão internacional – quase como um novo tratado. É o início do Neo-Racionalismo italiano ou Tendeza. A reconciliação com o passado, a introdução da memória e a sugestão para uma construção da cidade em continuidade são os temas chave desta obra de referência. A ordem e o rigor com que os temas são discutidos, cria como que um mecanismo quase científico e viável para transformar a arquitectura da cidade.

A arquitectura contemporânea reconcilia-se com o passado remoto e recente sem preconceitos. Rossi reconhece mestres em todas as épocas, desde as contribuições renascentistas até aos modernistas como Mies Van Der Rohe e Adolf Loos.

Aldo Rossi evoca a memória como sendo, por um lado, um dispositivo mais impreciso, mais intuitivo e fantasioso do processo de construção da cidade e, por outro, um instrumento que permite acompanhar a produção de formas através de um processo racional, lógico, analógico, histórico e público. O pensamento analógico, para Aldo Rossi assume grande importância e não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado. É um monólogo interior, arcaico, inexplícito e praticamente inexprimível em palavras – é passível de ser entendido ainda que irreal.

Rossi compõe assim a cidade de acordo com um processo de repetição e de analogia – sobretudo no que diz respeito à habitação – e de acordo com elementos excepcionais, que transportam partes de história e que definem a imagem e o carácter da cidade – o regresso ao monumento. Segundo Aldo Rossi a ideia de monumento está associada à memória da cidade. Os monumentos são datas para a cidade, é através deles que o homem toma consciência da passagem do tempo, é através deles que se transmitem ideias, técnicas e se interpreta a história. A história documenta a estrutura urbana na sua descontinuidade, individualidade e forma.

A sugestão de continuidade revela-se no sentido de que a arquitectura constrói-se com um objectivo, o da duração, e estabelece por isso uma ligação entre o presente, o passado e o futuro.

Rossi ao repor valores de monumentalidade, solidez e permanência está declarar a importância da forma na constituição das cidades e porque a forma deve ser concebida para durar, as funções estão sempre a mudar constantemente.

Ao acumular a imaginação do Homem, a cidade sintetiza um conjunto de valores colectivos. Revela-se, deste modo, a importância do contexto, no que diz respeito a pré-existências e à tradição. Rossi analisa a cidade através dos seus artefactos, das suas permanências morfológicas e tipológicas e define o artefacto urbano como sendo o único programa capaz de encarnar os valores históricos da arquitectura, cujos referenciais racionais devem advir analogicamente do vernáculo, da memória colectiva, das necessidades do quotidiano e assim construir o local através de formas estruturais.

A definição de um artefacto urbano só a partir de uma função específica não faz sentido para Rossi, porque a função muda com o tempo e com as necessidades de uma comunidade e de um lugar. A história permite que a ideia de passado constitua a estrutura dos artefactos urbanos, do tempo presente – o ser humano aceita perenidade nos artefactos urbanos sempre que sente necessidade de se expressar nas suas formas. Sendo assim, o artefacto é um momento típico ou tipo da cidade – o monumento é também um artefacto urbano. O tipo desenvolve-se de acordo com as necessidades e aspirações de uma comunidade. Formaliza um modelo e uma maneira de viver constante, variando de sociedade para sociedade. Para Aldo Rossi, a constituição do tipo em arquitectura estabelece-se através da conjugação de três parâmetros: geometria (referência mais convencional da arquitectura), topologia (ao enfatização conceptual das relações de proximidade, separação, sucessão, clausura e continuidade) e pulsão (vivência corporal e psíquica de um espaço).

Morfologia e tipologia urbana servem para Rossi descrever a complexidade do processo de implantação da cidade – relações entre traçados viários e quarteirões, entre formas de uso e formas de edificação. A lei de constituição de projecto depende da especificidade do lugar.

E assim Aldo Rossi ao projectar Gallaratese, em 1969, recorre à metáfora e à geometria directa, repetitiva e quase primária. O complexo, pensado para 2400 habitantes, é um contentor de cidade, estando equipado com serviços, escolas, comércio e espaços públicos destinados a uma vida em comunidade. Rossi quis aqui criar um tipo urbano – através da grande escala, das diversas funções e dos diferentes discursos e analogias.  

 

Ana Ruepp