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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

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O fenómeno da contracultura.

‘The world of consumption is in reality the world of the mutual spectacularization of everyone, the world of everyone’s separation, estrangement and nonparticipation.’, Guy Debord, Writings from the Situationist International.

O fenómeno da contracultura pretende afirmar a atuação de uma autoridade anti-intelectual ao expor contradições e negações, incitando à criação artística relacionada com outras compensações, tais como sociais e económicas. Associados a este fenómeno, as normas da arte relacionadas com materiais, técnicas, escala, forma e conteúdo são postos em causa por uma nova geração de artistas. Os artistas rejeitam valores burgueses, industriais capitalistas, assim como o rigor tradicional Marxista. A arte passou a abraçar anarquicamente o poder da imaginação. Objetivava-se diminuir a demasiada intelectualização sobre qualquer experiência.

O Maio de 68 foi um movimento revolucionário importante, no mundo ocidental e foi assim efeito do fenómeno da contracultura e de um problema central da sociedade – a subjetivação do mundo que tinha por corolário a derrocada progressiva de todas as tradições, sob a exigência de se porem de acordo com a liberdade dos homens. Tudo o que é dogmático e institucional tornou-se estranho a um povo composto por indivíduos livres. O movimento de 1968 reivindicava a ‘Imaginação ao poder’. Desejava-se a substituição da razão pela imaginação, para resolver os problemas da existência. (Argan: 1992)

Os protagonistas de 68 reclamavam a criatividade, o prazer, o poder da imaginação, a libertação generalizada, o fim da sociedade de consumo. Determinava-se um entendimento muito mais alargado e permissivo em relação ao prazer individual que se pretendia imediato – e paradoxalmente a sociedade de consumo é o sistema que oferece mais possibilidade para gastar sem abstinência. O Museu, por exemplo, nos anos sessenta era considerado uma prisão, na convicção de que apenas servia para aumentar a distância entre a arte e a vida.

Não se reduzindo a uma camada restrita da população, redefiniu-se a moral burguesa que diante da contenção propunha o gasto, diante das certezas propunha a aventura e diante da renúncia propunha o prazer. É a revolução do agora, que se refere à satisfação imediata de qualquer vontade, de qualquer necessidade desde o eletrodoméstico, à casa, à viagem e ao carro. A expressão da sociedade de consumo ganha sentido, destruindo antigas certezas de contenção, utilidade e finalidade. É um momento crucial em que o capitalismo de produção, obscuro, austero e repressor se transforma num capitalismo de consumo ainda mais rejuvenescido, anti autoritário, liberal e revolucionário – a comunicação de massas e consumo em massa fez expandir a revolução de modo também efémero e sensacionalista. A contracultura consiste na adoração da eterna juventude, do fazer sem limites e sem valores. É o triunfo do vulgar.

‘We have to multiply poetic subjects and objects – which are now so rare that the slightest ones take on an exaggerated emotional importance – and we have to organize games of these poetic objects among these poetic subjects.’, Guy Debord.

Neste contexto, será ainda necessário referir Guy Debord, com o seu Grupo da Internacional Situacionista e a publicação de ‘A Sociedade do Espectáculo’ (1967), que teve influência significativa nos meios culturais no final dos anos sessenta, designadamente junto dos ativistas de Maio de 1968. Estava em causa a denúncia da falta de autenticidade da sociedade moderna, na qual a representação nos meios de comunicação de massas tomava o lugar da própria vida social. Debord visava não só o mercado do ocidente capitalista (o espetacular difuso), mas também o espetáculo de Estado do bloco soviético (o espetacular concentrado).  Debord argumenta igualmente, tal como o fizeram os surrealistas, que a vida diária com as suas imensas atividades alienantes e restritivas necessita de ser interrogada e motivada para ser suportável. A aparente liberdade promovida pela publicidade e pela imagem traz apenas um espetáculo estático, impessoal e utópico.


Ana Ruepp