A FORÇA DO ATO CRIADOR
O Plano de Cerdá e a expansão urbana infinita.
O Plano de Cerdá desenvolve-se sobre a cidade de Barcelona em1859 e associa a forma urbana à funcionalidade – o planeamento urbano é um equilíbrio entre a forma, o funcionamento e o tempo. O plano não é o único na cidade de Barcelona, mas é o mais determinantemente identificável.
‘Uma cidade! É a afirmação do homem sobre a natureza. É um acto humano contra a natureza, um organismo humano de protecção e trabalho. É uma criação. A poesia é obra humana – uma série de relações estabelecidas entre imagens perceptíveis.’, Le Corbusier, 1925
A ‘ensanche’ que Ildefonso Cerdá (1815-1876) propõe para Barcelona, convive e afirma-se ao lado de outras formas urbanas pré-existentes – o castrum romano, o burgo medieval, a cidadela e o estabelecimento militar. Cada tecido é perfeitamente reconhecível. Cada tecido representa um tempo. E a especificidade dos tecidos pré-existentes integra-se na nova espacialidade do Plano de Cerdá. Ildefonso Cerdá estende Barcelona para além dos seus limites, segundo uma malha rigorosamente ortogonal, de parcelas e dimensões uniformes (o quarteirão quadrado pretendia-se ocupado só em dois dos seus quatro lados, definindo áreas verdes e pedonais). Traça-se a cidade densa, através de um sistema viário claro – desenham-se, inclusivamente, diagonais não interrompendo a mecânica repetitiva do sistema, inserindo até novos pontos de vista.
Barcelona era de reduzida dimensão, compacta e expressa numa zona muralhada. Cerdá propôs uma extensão muito maior – o projecto foi muito inovador e polémico pela abertura da cidade. Cerdá insistiu numa análise aprofundada e fundamentada do contexto e de diversas formas urbanas associadas a sistemas regulares e só, então, formulou o seu próprio discurso, formulou uma síntese. Desejava fazer uma cidade total e igual, para que todos tivessem as mesmas oportunidades – acesso a ruas de dimensões semelhantes, espaço, luz, ar e a um meio de transporte eléctrico.
A urbanização proposta apresenta-se inovadoramente utópica. É com a publicação de ‘Teoria Geral da Urbanização’ (1867), que Cerdá introduz e justifica a ideia de que a intervenção urbana deve basear-se num conteúdo científico. Estabelece-se, aqui, o conceito de urbanização – disciplina normativa de formação da cidade (conjunto de construções relacionadas entre si, que permitem o encontro, a entreajuda e a defesa humanas). O seu plano de ‘ensanche’ objectiva-se em garantir o crescimento controlado da cidade por um tempo infinito. Traça sete quilómetros de quadrícula, para 800 000 habitantes. A grelha reflecte o sentido social da proposta, ao impor iguais oportunidades aos proprietários. Afirma-se um policentrismo, assegurando a oferta homogénea (em função da quantidade de residência) de equipamentos, espaços verdes e serviços e garantindo cargas correctas sobre a infra-estrutura e condições de higiene para os habitantes.
O quarteirão de Cerdá não se pretende fechado. Porém, a crítica à rua-corredor da cidade tradicional e do quarteirão fechado, não é forte o suficiente, de maneira a tornar a disposição dos edifícios totalmente independente das vias. A solução de Cerdá concretiza-se sim, na formação de bandas em L ou =, nunca perdendo a referência da retícula. A não ocupação total do perímetro do quarteirão, representa, no plano, a possibilidade da inserção de espaços-corredor e espaços-largos verdes. Na prática, os quarteirões acabaram por se fechar, transformando o seu espaço interior num espaço privado e até alguns espaços destinados a equipamentos foram ocupados. Porém, a ‘ensanche’ resiste, incessantemente, à lógica do zonamento funcional.
A matriz regular é, em Barcelona, excepcional pelo chanfro de 20m nos gavetos de cada cruzamento. Supera-se, assim o simplismo viário, pela quadrícula quase octogonal e pelo traçado de grandes diagonais que relacionam a nova cidade com os aglomerados pré-existentes. Cerdá, ao associar-se às fracções progressistas da burguesia liberal, traça, sem dúvida, a maior expansão planeada das capitais europeias.
Ana Ruepp