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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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A complexidade e o valor do contexto: Álvaro Siza e o Banco Pinto & Sotto Mayor (1971-74)
 

Álvaro Siza (1933) procura por uma ordem não universal mas uma ordem única que consiga responder à singularidade irrepetível de cada projecto.

Álvaro Siza passou a ser conhecido por um público mais alargado a partir do texto de Nuno Portas ‘Três obras de Álvaro Siza Vieira’, publicado na revista Arquitectura em 1962. Este estava integrado numa série de artigos acerca de novíssimas obras de arquitectos portugueses.

Os primeiros trabalhos de Siza foram duas casas em Matosinhos, datadas de 1954. As casas representavam a base de uma abordagem experimental de reflexão e aprofundamento, que não mais abandonou e que revelavam a não aceitação da facilidade em escolher um só caminho de resposta, isto porque o momento presente é único. (Alves Costa, 1997)

Siza Vieira traça, a partir de então, um caminho que apelida de difícil, por contrariar ortodoxias.

O seu método consiste em fixar uma linguagem a partir de outras, mas a escolha dessas referências não é feita nem ao acaso e nem a posteriori, é sim feita a partir das condições materiais e contextuais de um determinado problema. É um caminho complexo, porque cada edifício é único e irrepetível, apresentando elementos surpresa, criando um ideal para cada caso específico, pertencendo a um momento certo. Inicialmente foi influenciado pelas ideias de Le Corbusier.

 

‘Eu penso que a prodigiosa sistematização feita por Le Corbusier significa mais uma abertura a todas as conquistas dispersas de evolução lenta do que uma ruptura. E nesse sentido nada pode haver de mais fecundo.’

 

No início dos anos sessenta, os seus interesses estavam sobretudo relacionados com a redescoberta da tradição, dos materiais e da paisagem local. Trabalhou com Fernando Távora, que o acostumou aos princípios do movimento moderno, ao racionalismo e à importância de um método. A colaboração com Távora levou-o a Alvar Aalto, interessando-se sobretudo pela tensão entre as formas orgânicas e a geometria. Desta colaboração resultou o redobrado interesse pela contextualização e pela importância da leitura do lugar. Os seus trabalhos mais importantes desta década são a Casa de Chá da Boa Nova (1958-63) e as Piscinas de Leça da Palmeira (1961-66). É claramente visível que os dois projectos promovem um aturado diálogo com a paisagem, com a envolvente quer pelo uso dos materiais, quer pela delicada implantação, quer ainda pela escala adequada.

A parti daqui, Siza passará a articular com continuidade diversas influências e vocabulários associados à interpretação de uma realidade concreta, que existe para ser vivida – que ao ser complexa não se ajusta a soluções predeterminadas, a regras fixas. A possibilidade de interpretação dessa realidade permite uma abertura à exploração do imaginário, da variedade, do instinto e do acaso, cruzando saberes e referências de autores diversos. Contudo, estabelece-se um paradoxo, nesta forma de projectar porque apesar de haver abertura para a interpretação, a realidade apresenta-se sempre com condicionantes, por vezes muito rígidas. Na verdade, para Siza são essas limitações que permitem tornar o objecto arquitectónico único, singular e irrepetível. (Tostões, 1997)

A Agência Bancária do Banco Pinto & Sotto Mayor, em Oliveira de Azeméis situa-se num gaveto da área central da cidade. Os edifícios bancários, no final dos anos sessenta, ganharam protagonismo nas cidades de pequena e média dimensão. Com a emergência dos mercados capitais, os edifícios bancários representavam prosperidade e optimismo e por isso poucas restrições, financeiras ou conceptuais se impunham.

O edifício é de reduzida dimensão mas nele convergem todas as características do local. Tem três pisos comunicantes – o primeiro piso ocupa todo o perímetro da implantação, o segundo e o terceiro funcionam em mezzanine sobre o primeiro. A existência dos três níveis foi utilizada de modo a estabelecer uma relação mais dinâmica com o desenho da praça. O movimento dos planos, os diferentes volumes e alinhamentos, as distorções, a curva e as intersecções decorrem de medidas, pontos, alturas e ângulos existentes na envolvente e que são transpostos para aquele pequeno ponto da praça, onde tudo parece convergir. O edifício de Siza toma assim a forma do lugar – sem recorrer a um mimetismo, a volumetria do edifício define-se como que reflectindo nas linhas de cércea todos os edifícios da praça. É essa referenciação, ainda que virtual que faz o edifício pertencer ao local.

Os alinhamentos e a convergência de linhas, que caracterizam a envolvente, são como que transpostos para o interior da agência, criando uma sucessão de planos e curvas e de linhas no tecto, nas paredes, nas escadas, nos balcões, nas varandas. Os volumes puros, rebocados e pintados de branco, a utilização do pano de vidro, da caixilharia de ferro denunciam a escolha de uma linguagem modernista. Esta abordagem experimental mas contextual iniciou uma nova metodologia de projecto, baseada no jogo das grandes superfícies brancas, ora opacas, ora abertas em amplas janelas, com soluções de luz aproveitando os ângulos, e as linhas de fuga estão em diálogo permanente com a realidade envolvente.

Álvaro Siza utiliza um discurso cheio de contradições: as paredes brancas não são puras e estáticas mas dinâmicas (intersectam-se, ora são espessas ora são frágeis). A parede de vidro parece sustentar a parede portante curva exterior do edifício. A intersecção de todos os alinhamentos e direcções do local definem a ordem do edifício.

Paulo Varela Gomes em Arquitectura, Os Últimos Vinte e Cinco Anos, em ‘História da Arte Portuguesa’, 1997 estabelece uma estreita relação entre a linguagem utilizada neste edifício e o grupo dos New York Five, também conhecidos, pela crítica americana, pelos ‘Brancos’ de Nova Iorque, porque também eles dão importância ao retorno, assente numa exploração formalista referenciada à obra de alguns modernistas: Le Corbusier, Loos, Terragni, Rietveld. E estes retornos são objecto de elevada importância para a obra de Siza.

O Banco Pinto & Sotto Mayor representa, assim um momento de viragem na produção arquitectónica de Álvaro Siza e assinala a importância da fixação de uma linguagem, igualmente contextualizada, mas que parte do exterior, da forma e de alinhamentos da envolvente.

 

Ana Ruepp