Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

ArquitecturaPortuguesafinal60.jpg

Arquitetura portuguesa no final dos anos sessenta.

‘Modernos ao aplicar e criticar os princípios na realidade concreta, histórica, cultural, política, física, geográfica. Isso é que fez os anos sessenta e setenta. Aconteceu isto em todos os sítios.’
(Manuel Tainha, 2008)

No contexto da cultura arquitetónica portuguesa, o período final dos anos sessenta representou um momento de divergência, de transição, de relativismo, de contradição entre a inovação e a tradição, entre o internacionalismo e o regionalismo. Acrescentaram-se novas variáveis ao movimento moderno, que passou a ser plural, sensível ao lugar, à tradição, ao autor que o executa, e também à história, à cidade, aos movimentos pendulares, ao turismo e aos temas do urbano. (Fernandes, 1994)

E por isso aproximou-se cada vez mais da vida, do contexto, da sociedade, da cidade e da terra. Procurou-se por uma arquitetura individualizada, embora baseada nos ideais modernos, mas reelaboram-se os princípios teóricos dos CIAM, tendo contribuído em muito também a publicação, em 1961, do Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal.  

A arquitetura portuguesa fragmenta-se. Oscila entre várias formas de aproximação à prática disciplinar: uma mais atenta, culta e criativa, cujo exemplo é a obra de Fernando Távora e de Álvaro Siza; e uma outra arquitetura mais abrangente, de cariz popular, ligada a grandes operações imobiliárias e a novos grupos económicos emergentes – atitude representada na obra do Atelier de Conceição Silva. Esta visão dualista tende a ser geográfica – o Porto em oposição a Lisboa.

A relação com o exterior passa a caracterizar o modo de fazer arquitetura. Abandona-se a arquitetura marcada pela obediência mecânica a regras universais e a únicos padrões de ordem, de beleza, rigor e verdade. Novas relações entre o sujeito que cria e o objecto construído estabelecem-se.

Em termos de linguagem identificam-se as seguintes tendências:

  • Racionalismo puro associado à herança do Inquérito à Arquitetura Popular – Gropius e Mies em sintonia com a obra de Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto. Esta tendência concretiza-se na procura pela autenticidade (muitas vezes associada à verdade dos materiais), fixada num tempo, num lugar e na história, tornando-se assim possível a integração da modernidade na tradição. Confirma-se no interesse do espaço interno, à verdade dos materiais e à valorização sensível da envolvente. Nesta orientação incluem-se os arquitetos que fazem parte da Escola do Porto – Fernando Távora, Sérgio Fernandez e Alexandre Alves Costa. É preciso sublinhar que a elaboração do Inquérito à Arquitetura Popular Portuguesa permitiu sobretudo compreender a reciprocidade existente entre o homem e a paisagem.
  • Foi Álvaro Siza que trouxe ‘Complexidade e Contradição em Arquitetura’ de Robert Venturi, após uma viagem a Barcelona, em 1969. E é a partir de então e com mais força, que o purismo de Le Corbusier (onde as formas novas ao serem iguais não variam com gosto, nem com modas) vai ser confrontado e adensado com Venturi (que afirma não haver arquitetura nova e que as formas ambíguas são as mais interessantes e carregadas de significado). Esta tendência considera toda a história da arquitetura como fonte de inspiração, sem qualquer discriminação de autor ou época – o que leva à revisitação das vanguardas de início do século, como por exemplo Le Corbusier, De Stijl, Bruno Taut, Mallet-Stevens, os construtivistas russos, Terragni, etc. Os New York Five ou ‘Os Brancos’ também influenciaram esta tendência. Neste contexto é importante referir a importância do projecto de Caxinas (1970) ao trazer claramente Venturi através da aceitação do banal, ao incluir habitações clandestinas e ao estabelecer uma direta relação com a linguagem do modernismo dos anos 30, nomeadamente referenciando-se a Bruno Taut. (Gomes, 1997)
  • É preciso referir que a obra de Hestnes Ferreira e de Manuel Vicente ao entrar em contacto com a obra de Robert Venturi e sobretudo com a obra de Louis I. Kahn, nos Estados Unidos determinam uma outra tendência feita de composições em que predomina a elementaridade geométrica, o uso expressivo dos materiais e a ambiguidade espacial.
  • É possível identificar uma quarta tendência – a arquitetura nascida de uma reflexão urbana que se desenvolve de acordo com um modo de pensar o objeto arquitetónico, não como forma isolada e singular, mas sim capaz de agir de forma comunicativa, convertendo-se em momento de continuidade com o seu espaço circundante. Como exemplo desta prática apresenta-se o atelier de Nuno Teotónio Pereira. Esta arquitetura forma-se sob influência da corrente de pensamento estruturalista, que acredita que o comportamento humano é determinado por estruturas culturais, sociais e psicológicas. E assim ao dar sentido ao espaço vazio público propõe-se um conjunto formal de relações capazes de criar uma realidade social. A influência de Nuno Portas foi muito importante para a determinação desta arquitetura ancorada e ancorante, que relega para segundo plano a questão das linguagens e das autorias. (Gomes, 1992)

‘Eu nunca aderi à obra de Venturi. Não sou populista e não tenho nada a ver com o pós-moderno como via fácil para atingir a socialização da linguagem. Mas o purismo modernista tem de se conspurcar nos materiais da tradição, nas contradições do contexto. O grande falhanço do modernismo deu-se nos conceitos dos espaços coletivos ditos ‘livres’. Uma das formas para a cidade melhorar é o trabalho sobre os tipos e modelos da construção, não só do edifício singular mas do quarteirão, da rua, do boulevard ou da praça. Aspiro por uma modéstia dos arquitetos, contra o individualismo, o vedetismo. Ao falar de modéstia refiro-me a arquitetos que não têm que inventar nada, mas têm que repetir bem, isto é, com as variações ajustadas sobre o tema dado.’(Nuno Portas, 1992)

  • Afirma-se uma igualmente nova arquitetura a partir da ligação ao turismo, ao comércio e ao terciário através do Atelier Conceição Silva, em que colaboraram o arquiteto Tomás Taveira, os designers Carmo Valente e Eduardo Afonso Dias e o pintor Sá Nogueira. O atelier constituiu um facto singular porque conseguiu transformar-se numa grande empresa que integrava todas as valências do projecto, tendo obtido a sua expressão máxima no processo do empreendimento turístico de Tróia (1970-74). Considera-se também exemplo desta tendência o edifício Castil, na Rua Castilho em Lisboa, que propõe um programa de centro comercial, escritórios, cinema e estacionamento, revelando a nova força das atividades terciárias na cidade.
  • Por último é necessário mencionar a obra de Amâncio Guedes pela sua singularidade. Ao exprimir-se em áreas ultramarinas (nomeadamente em Moçambique, Angola, África do Sul mas também em Portugal) abriu sobretudo caminho a uma experimentação baseada numa complexidade expressiva e por vezes contraditória e eclética – acerca da Casa Vermelha Amâncio afirmou ter usado uma versão distorcida da Maison Citrohan de Le Corbusier para conseguir resolver os dois primeiros pisos. Pancho Guedes considera a arquitetura não como um fenómeno intelectual mas antes uma experiência sensível, uma emoção. (Fernandes, 1994)

Ana Ruepp