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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Fragmentação, Continuidade e Novo Humanismo
na Arquitetura Moderna

 

‘We are informed now that our fate in the presente remains more wholly humam than we had recently been led to belive and that the world as we can know i tis made up not only of nature, nor of machines, nor only of na engulfing female security, but of the blazing ardor of men.’
Vincent Scully

 

No texto de Vincent Scully ‘Modern Architecture: Toward a Redefinition of Style’ (1957), sugere-se a existência de três fases na arquitetura moderna:

  1. Fragmentação (consiste na segmentação dos objetos em suas componentes): As gravuras proféticas de Piranesi, na série Carceri (iniciada em 1745) afirmam uma profunda fragmentação da harmonia, da escala e do auge do Barroco e geram um vasto mundo novo de violência. Neste mundo, o homem é confrontado e constantemente desafiado por um ambiente opressor e esmagador. Estas imagens anunciam a arquitetura da era industrial, de meados do séc. XIX – a vasta dimensão das novas estruturas urbanas, concebidas através dos ideais positivistas e materialistas, acolhe as grandes máquinas e faz esquecer a escala humana. Ainda no final do séc. XVIII, é igualmente declarada a fragmentação da liberdade e a ordem do Barroco. Por um lado, através da procura por uma ordem geométrica pura e austera – como está presente nos projetos de Claude-Nicolas Ledoux. E por outro, através de uma libertação total da geometria, em que se afirma uma assimetria e um naturalismo nostálgico – como se verifica no Hameau de Marie-Antoinette (1783) e em alguma da arquitetura suburbana da costa ocidental dos Estados Unidos.
  2. Continuidade (consiste num infinito movimento do espaço): Segundo Scully, a transição entre fragmentação e continuidade dá-se no início do séc. XX e coincide com o aparecimento do cubismo. Porém, é de facto nos Estados Unidos, que a vontade de continuidade é determinante. Frank Lloyd Wright anseia por uma arquitetura em que paredes, tetos e pavimentos sejam partes integrantes de um todo. Wright proclama uma nova estética, a da continuidade, que afirma uma nova realidade ‘espaço em vez de matéria’. Wright chama a esta nova realidade de ‘A Arquitetura da Democracia’ e declara Walt Whitman como seu profeta – porque todo o homem caminha numa estrada aberta que não tem um fim mas que se descobre sempre que se caminha para a frente.

‘In the low ceilings – ‘I broadened the mass out to bring it down into spaciousness’, wrote Wright – there is compulsion forward and flow like Mark Twain’s river carrying us along.’, Vincent Scully

Scully escreve que também Mondrian foi tocado por este profundo espírito, que cria um impulso a favor da continuidade. Igualmente Mies Van Der Rohe, ao projetar o Pavilhão de Barcelona, cria uma estrutura contínua cujos planos definem volumes espaciais contidos – existe continuidade na forma pela estreita relação entre os elementos mas há separação de volumes e funções.

É sobretudo através de Fallingwater (1935) que Wright associa continuidade a movimento – e as imagens poéticas, do simbolismo norte-americano do séc. XIX, de estrada, mar e rio aqui encontram concretização. O homem é convidado a fazer parte de uma corrente. Imerso, o homem purifica-se – a realidade interior da casa é verdadeiramente espacial. O posicionamento e o entendimento do homem na massa construída deixa de ter importância. É fundamental o infinito movimento no espaço que faz o homem avançar, como se de uma segunda natureza se tratasse – o edifício é a própria circunstância.

  1. Novo Humanismo: Vincent Scully diz que para o homem ocidental existem duas tradições arquitetónicas opostas. Uma tradição que se atualiza na preponderância do espaço interior – espaço este associado à proteção feminina e à caverna. E outra tradição que diz respeito à forma vertical, escultural da evocação dos deuses do exterior e do céu.

Ora, desde cedo que a obra de Le Corbusier tenta resolver esta dicotomia. As Casas Citrohan (1922) são volumes megaron puros – apresentam as extremidades abertas e as paredes laterais fechadas, o interior explora as qualidades tumultuosas e desafiadoras do Cubismo e o volume (que aparenta ser maciço mas que na verdade tem paredes que são simples membranas) no exterior é suportado por pilares finos e elegantes.

No entanto, é com a Unidade de Habitação em Marselha (1952) e com Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp (1954) que Le Corbusier apresenta o homem como centro da sua arquitetura. Assim se avança para uma nova definição de espaço e de corpo, trazida pela idade moderna. O séc. XX procura uma nova imagem do homem, que volta para o seu habitat natural mas não se dissolve nele (como acontece nas obras de Wright) nem interrompe a fluidez natural das coisas. A arquitetura não é simplesmente ambiente ou um volume fechado. E por isso, a arquitetura de Le Corbusier, tal como o templo Grego, através da massa puramente escultural e as suas perspetivas implícitas, não interrompe os principais elementos naturais circundantes mas consegue aproximar toda a paisagem à escala humana, criando identidade e empatia.

Ana Ruepp