Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

TeatroAzul.jpg

 

 O Teatro Azul

 

O Teatro Municipal de Almada / Teatro Azul (1998-2004) foi desenhado por Manuel Graça Dias (1953) e Egas José Vieira (1962), localiza-se no centro da cidade de Almada e adopta uma singularidade invulgar. Almada cresceu muito a partir da década de sessenta, ficando sobretudo marcada pela inauguração da ponte sobre o rio Tejo e pela expansão dos estaleiros navais da Lisnave. Desde então, Almada assistiu a um grande fluxo migratório e a sua mancha urbana alastrou consideravelmente, produto de uma ocupação urgente e maciça.

O Teatro Municipal de Almada está implantado numa nesga de terreno de declive acentuado, no meio de edifícios muito próximos. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira (MGD+EJV) resolveram, por isso assumir um diálogo directo com o tecido urbano que envolve o Teatro. O Teatro afirma-se assim como um organismo vivo, encostando-se mais a um lado do lote (ao lado mais denso), enquadrando perspectivas, recuperando percursos e deixando para a cota mais baixa a grande e alta caixa de palco. O grande volume da entrada principal abre-se para a Rua Prof. Egas Moniz e fecha o topo do lote, seguindo os alinhamentos da rua.

A sua integração na cidade é excepcional pela convergência que propõe e pela uniformidade azul. Ao criar identidade, densidade urbana desenha-se resistente à desordem que o rodeia.                        

A riqueza formal do Teatro caracteriza-se pelas ruas, praças, becos, esquinas, dobras, gavetos e arcadas que são gerados ao poisar no meio de uma circunstância já tão cheia e diversa. MGD+EJV colmatam um buraco da cidade através de uma solução de continuidade, de encontro, de ritmo e de movimento que cose a cidade e que estabelece uma série de relações múltiplas.

Da afirmação como volume de cada espaço do complexo programa resulta a unidade azul que deu nome ao edifício, depressa transformado num objeto de referência. O mosaico cerâmico vitrificado azul reveste todos os volumes separados do conjunto que passam a formar, com a mesma importância um organismo com uma só cor, brilho e textura.

Manuel Graça Dias e Egas José Vieira formam desde 1985 o atelier ‘Contemporânea’. Em cinco palavras-chave descreve-se assim o processo de trabalho da dupla MGD+EJV: leitura, memória, capacidade inventiva, síntese e resposta.

Leitura: Para MGD+EJV as ideias não se formulam num espaço imaterial mas sim a partir de um lugar real (feio ou bonito, denso ou disperso) dentro de um processo que tem passado (memória e história), presente (condicionamentos) e futuro (na determinação de um novo contexto e de uma nova ordem).

Memória: MGD+EJV utilizam a memória como sendo um dispositivo intuitivo e imaginativo do processo de construção da cidade. MGD+EJV abandonam o plano moral e metafísico e a indeterminação e o azar definem o curso dos projectos, originando uma exploração expressiva de elementos formais e construtivos. É dada enorme importância à diferença e ao particular em detrimento das generalizações, porque a acção do tempo presente é já por si de perpétua transformação.

Capacidade inventiva: MGD+EJV manifestam um interesse pela construção espontânea e não erudita mas também pelo vernáculo associado a um interesse pelo modernismo, pela inspiração surrealista e pela metáfora. Olham o existente, a banalidade como um potencial. MGD+EJV consideram a cidade diversa e para eles não existe uma arquitectura igual.

Síntese: MGD+EJV introduzem a arquitectura como uma nova ordem que valoriza o ritmo, a mudança e o artifício. Enfatizam a natureza excepcional do programa, potenciando o seu valor simbólico, estimulando novas relações com o contexto urbano.

Resultado: MGD+EJV apresentam no conjunto da sua obra, que se inicia com o bloco do Edifício ‘Golfinho’ (1987-90) no nordeste transmontano, uma primeira fase até ao Pavilhão de Portugal em Sevilha (1989-92) – que é uma imagem de impacto, forma, força e propaganda (nele se convocavam fragmentos da História de Portugal e da sua herança marítima). A crença de que arquitectura é oportunidade de recuperação e de emenda corresponde a uma segunda fase no trabalho de MGD+EJV. Pretende-se a partir daqui superar os condicionamentos através de opções formais exuberantes e criar assim como que uma vanguarda popular.

Sendo assim o Teatro Azul é um objecto de referência porque para Manuel Graça Dias e Egas José Vieira a arquitectura constrói-se numa cidade concreta e dentro do banal, dando vida ao existente amorfo e monótono. Só então se consegue criar o excepcional e a complexidade na adaptação às necessidades, à memória e à história.

 

Ana Ruepp