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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  

O Centro de Artes de Sines
 

Situado em Sines, o projecto do Centro de Artes (2000-2005) foi desenhado por Francisco e Manuel Aires Mateus de modo a completar dois quarteirões e a marcar uma nova entrada para o núcleo histórico. Localiza-se na área antes ocupada pelo Cine-Teatro Vasco da Gama e pelo Teatro do Mar. Quatro bandas erguem-se paralelas à Rua Cândido dos Reis – antigo caminho medieval que parte da Rua Marquês de Pombal (que separa o núcleo histórico da cidade mais recente) e que liga a cidade à baía. A geometria, a escala, a continuidade, as massas sólidas, a escavação da matéria e a complexidade interior são os elementos que permitem a ancoragem do conjunto àquele bocado de cidade.

A Rua Cândido dos Reis assume um papel muito importante, como eixo, na determinação do projecto do Centro das Artes. De um e do outro lado da rua compacta-se o variado programa. Todos os volumes estão unidos através de uma continuidade visual, espacial e material.

Ao nível da rua é possível ter-se uma leitura visual horizontal que cruza o auditório, o centro de documentação, a biblioteca e o espaço de exposições e assim se revela toda a extensão do centro cultural. Em corte transversal os volumes parecem mesmo estar suspensos de modo a permitir a continuidade desejada.

O projecto relaciona duas condições – uma enterrada e outra emergente. A parte que se desenvolve escavada permite gravar no lugar o programa e assim ligar os volumes que se separam no exterior. A parte emergente busca referências no Castelo da cidade e o revestimento em pedra de lioz reforça a unidade do edifício que se consolida duplamente como matéria e espaço. Os volumes são robustos e sólidos e combinam opacidade e transparência. Ao nível do peão e ao longo da Rua Cândido dos Reis as fachadas são envidraçadas, de modo a garantir a permeabilidade para as diversas actividades culturais que se desenvolvem no interior do centro. O interior é assim revestido de mármore branco liso de maneira a garantir o máximo uso da luz natural e a clareza espacial.

Para Manuel e Francisco Aires Mateus, a lógica do lugar, do programa e do tempo encontra sentido na lógica interna do projecto que se baseia numa procura sucessiva de uma ideia que se vai testando e encontrando significado em maquetes e desenhos. A ideia é uma descoberta que se encadeia e que resulta de um método experimental de tentativa e erro. Constitui, deste modo, a estrutura intelectual consistente para que o projecto tenha vida longa e própria.

Os Aires Mateus trabalham através de dualidades – o contexto e a lógica; o sentir e o pensar; o problema e a ideologia; a inspiração e a forma; a essência e a razão. Tiveram mestres como Manuel Tainha, e desde cedo começaram a colaborar activamente no atelier de Gonçalo Byrne.

De Manuel Tainha, os irmãos Mateus, trazem a lição de que a arquitectura sucede pelo meio do desenho. Este método permite uma apropriação do real e uma representação de posições no espaço, porque o traço contém todo o saber que se adensa à medida que se vai definindo a ideia.

Como já foi visto, no processo de projecto dos irmãos Mateus, determina-se importante o desempenho do desenho, da maquete e das representações informatizadas – o processo é sequencial e por vezes reduzido ao elementar (desenhos a preto e branco) para que se busque pela síntese e pela clareza. O preto e branco dos desenhos e as maquetes transparentes tornam até por vezes ambíguo o entendimento do espaço cheio e do espaço vazio e trazem a incerteza dos limites.

A concepção de que a lógica do sítio, do programa e do tempo e sobretudo a existência de uma estrutura de projecto consistente e rigorosa que prevalece sobre a forma foi influenciada pelo trabalho de Gonçalo Byrne.

Da colaboração com Byrne resultaram dois trabalhos muito importantes para os Aires Mateus: a Residência de Estudantes de Coimbra (1996-1999) e a Casa em Alenquer (1999-2001).

Para os Aires de Mateus é necessária uma reflexão sobre o espaço e a sua forma e para tal é determinante a importância do espaço que está dentro, do espaço entre, do espaço por baixo, da ausência que se torna presença, do vazio que se torna cheio, do transparente que se torna opaco, do interior que passa a exterior e das paredes

que engrossam e que podem ser vividas por dentro. A relação com o corpo torna-se assim mais intensa – o abrigo e a desprotecção, a memória do espaço, a preservação do vazio, o prolongar da história de um lugar que agora não pode ser vivido por dentro mas antes contemplado por fora tal como acontece por exemplo nos projectos para a Livraria Medina (1999-2002) ou no projecto para a Casa em Alvalade (1999) ou ainda na Casa em Brejos de Azeitão (2000-2003).

Sendo assim, o Centro de Artes de Sines na pequena escala da cidade adquire uma enorme importância. O objecto foi concebido como um compacto e opaco monólito e que depressa alcançou um valor emblemático. A identidade do conjunto é conseguida evitando analogias directas com a envolvente, enraizando antes a proposta na continuidade e na lógica urbana.
 

Ana Ruepp