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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

O Palácio Nacional da Pena.

 

O Palácio Nacional da Pena (1839-1849) está situado num dos topos da Serra de Sintra, a 500 m de altitude. O Palácio foi uma residência de verão da Família Real Portuguesa desde 1838 até 1910, tendo-se transformado em casa/museu a partir de 1920.

 

O seu perfil, que acompanha a configuração da montanha, avista-se de longe numa posição tão estratégica quão icónica, tal como acontece com o Castelo dos Mouros. Neste preciso lugar, outrora erguia-se o Mosteiro Jerónimo de Nossa Senhora da Pena, mandado construir por D. Manuel I, em 1511 para albergar a Ordem de São Jerónimo.

 

Originalmente, desde o séc. XII, aí existia uma capela. No séc. XVIII, além de ter sido em parte destruído por um incêndio (provocado por um raio), o terramoto de 1755 deixou o convento em ruínas, de que restou apenas a capela (nomeadamente a zona do altar-mor com o seu retábulo em mármore e alabastro da autoria de Nicolau de Chanterenne, feito entre 1528-32) e o claustro.

 

Fernando de Saxe-Coburg-Gotha, casado com D. Maria II, ficou fascinado com as ruínas deste Mosteiro. Em 1838, decidiu adquirir o velho convento, a cerca envolvente, assim como o Castelo dos Mouros, as quintas e as matas circundantes. D. Fernando estava determinado em deixar uma marca em Sintra, influenciado pelo espírito romântico da época.

 

No início do séc. XIX, assistiu-se à introdução do Romantismo em Portugal. Numa tendência oposta ao classicismo, enfatizava-se sobretudo a expressão pessoal e emocional do criador da qual resultavam formas dramáticas. A realidade era idealizada e a busca pelo sonho, pelo subjetivismo, pelo exagero, pelo exótico pelo passado histórico e pela exacerbação nacionalista, fazia resultar obras que provocassem no público a imaginação e a fantasia.

 

O Palácio da Pena foi assim construído por vontade e determinação de D. Fernando II. O projeto foi entregue ao seu amigo pessoal, mineralogista e engenheiro militar germânico Wilhelm Ludwig, o Barão Von Eschwege (1777-1855).

 

O Barão de Eschwege, nascido em Hessen, na Alemanha, tinha uma formação académica bastante eclética. Estudou Direito, Ciências Naturais, Arquitetura, Ciência e Economia Política, Economia Florestal, Mineralogia e Paisagismo. De 1802-1810 esteve em Portugal como diretor de minas, onde catalogou inúmeros aspetos da mineralogia portuguesa. Entre 1836 e 1840 colaborou então, a convite de D. Fernando, na elaboração dos planos para o Palácio Nacional da Pena. Eschwege era um amante de arquitetura e representava para D. Fernando flexibilidade, adaptabilidade, pragmatismo e cultura necessários para ceder às suas exigências. O Barão Eschwege adquiriu a sensibilidade pela arte através de viagens que fez pela Europa e pela Argélia, através da integração numa rede intelectual abrangente que incluía Goethe, Karl Marx e Alexander Von Humboldt.

 

A escala da obra era ambiciosa. O palácio assenta em enormes rochedos e a sua implantação está assim condicionada pela topografia e pela construção do mosteiro pré-existente. A presença de um mineralogista e engenheiro tornou a obra possível, sobretudo dada a acentuada inclinação da montanha – tiveram de ser escavados túneis em ângulos pouco usuais, de modo a permitir o acesso ao topo. O Barão tinha já estudado e escrito ao detalhe tratados geológicos acerca da estrutura de granito desta específica montanha.

 

Os planos originais revelam que o Barão de Eschwege tinha intenções de construir um castelo de estilo medieval Germânico – com torres, ameias e baluartes fortificados. O Barão estava familiarizado com este tipo de construções na Alemanha – os castelos de Rheinstein (1824) e de Stolzenfelds (1834) constituem decerto uma referência. A obras começaram no inicio de 1840 e prolongaram-se até mesmo após a morte de D. Fernando, em 1885.

 

O rei consorte teve um papel muito ativo durante toda a obra – no que respeita a decisões de forma, certos detalhes decorativos e simbólicos são vontade de D. Fernando. O palácio colorido e eclético, apresenta uma profusão de estilos intencional. Enfatizam-se os revivalismos – o neo-gótico, o neo-manuelino e o neo-renascentista – e os exotismos – sugestões indianas, neo-mouriscas e o neo-mudéjar. Certos estilos são mais pronunciados que outros. Elementos de pastiche estão tão embutidos, criando atmosferas diversas, contradizendo ideais clássicos de harmonia, pureza e coerência.

 

Os estilos orientais – moghul, mourisco – foram sugeridos pelo Barão de Eschwege e o gótico e o manuelino escolhidos por D. Fernando II.O manuelino, igualmente, usado no Palácio da Vila (no séc. XVI) é utilizado no palácio da Pena através da escultura decorativa com animais exóticos, fauna e flora, as colunas são torcidas através de formas espirais e os arcos são adornados com cabos náuticos.

 

O palácio divide-se em quatro partes principais: a muralha, o convento, o pátio dos Arcos e o palácio.

A muralha serve para consolidar a implantação da construção, reforça o suporte do terreno e apresenta duas portas, uma com uma ponte levadiça. O convento é preexistência, foi recuperado e contém a torre do relógio inspirada no torreão da Torre de Belém. O pátio dos Arcos aberto à frente da capela do mosteiro inclui uma parede de arcos mouriscos. A entrada para o pátio dos Arcos faz-se por um pórtico encimado por uma janela de sacada saliente em relação à fachada e apresenta na sua base um ser híbrido em relevo meio-homem, meio-peixe que sai de uma concha e cujos cabelos se transformam num tronco de videira. O ser apresenta o semblante carregado, pois pretende transportar todo o peso do mundo. Este conjunto designado por pórtico do Tritão, foi pensado por D. Fernando de maneira a evocar a janela do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar – com as suas voltas de corda e figuras marítimas. Finalmente, o palácio é constituído por várias partes ladeadas por torreões cobertos de cúpulas e por um grande torreão cilíndrico. O palácio é de planta irregular e orgânica, distribuída por vários terraços em desnivelamentos sucessivos, moldando-se aos acidentes naturais do terreno. Diversos níveis são usados de maneira a usufruir e a enfatizar diferentes perspetivas da Serra de Sintra.

 

Os interiores apresentam estuques e pinturas murais, madeiras exóticas, tetos abobadados e trabalhados, painéis de azulejo, rico mobiliário e baixelas. Nas várias salas do interior do palácio há referências mouriscas, indianas, góticas, mas também alemãs.

 

O Parque da Pena também faz parte do plano de construção do palácio concebido por D. Fernando, de maneira a obter um todo coerente. D. Fernando tinha como objetivo criar um conjunto natural, dando a impressão de que espécies raras e exóticas cresciam nas encostas da Serra de Sintra. As espécies plantadas foram escolhidas pelo Rei Consorte, transformando-se assim os terrenos circundantes ao palácio numa abundante floresta, com espécies importadas vindas da Austrália, da América do Norte, do extremo Oriente, assim como de França e de Inglaterra.

 

Ana Ruepp