A FORÇA DO ATO CRIADOR
Acerca da obra de Carlo Scarpa
'The truth is in the made.', Carlo Scarpa
Olhar para a arquitetura de Carlo Scarpa (1908-1978) ensina-nos a descobrir o interesse pela espessura da história, da matéria, da natureza, do detalhe e da invenção.
A arquitetura de Scarpa é acerca de camadas, de linhas, de massas e de volumes construídos. É um esculpir de superfícies.
Scarpa dá importância ao peso (se constrói em betão) e à leveza (se constrói em vidro). Concebe a forma como um todo, com elementos inseparáveis. O imenso respeito pelo contexto é concretizado pela importância e pela presença que cada elemento tem.
'In the work of Carlo Scarpa, ‘Beauty’, the first sense. Art, the first word, then Wonder.', Louis Kahn
Nuno Portas escreve no texto 'Carlo Scarpa. Um Arquiteto Moderno em Veneza.', que quem observar em pormenor a obra de Carlo Scarpa, não deixará de notar a invenção que caracteriza cada forma, cada articulação e cada elemento construtivo, por mais insignificante que seja. A arquitetura, surge assim como sendo um exercício intenso de desenho do detalhe. É necessário referir que Scarpa não fazia desenhos finais. Desenhava repetidamente sempre sobre o mesmo desenho. As camadas de espaço e de cor acumulavam-se num só desenho. Os seus desenhos são assim um registo simultâneo do processo do pensamento e do processo de construção.
O diálogo que Scarpa mantém com o passado é de abertura, porque o tempo presente está nas formas inventadas (que não são puras nem ideais, como declaravam os modernos). Afirma-se sempre um espírito de liberdade mas atento a condicionalismos. Cada forma aparece como sendo em simultâneo construção e detalhe, recusando qualquer simplismo nas soluções encontradas.
Para Scarpa, o tratamento do espaço é sempre complexo, dinâmico, intenso, intencional e dramático. Há uma constante diferenciação de pés-direitos, frequentes interligações dos espaços e uma contínua tensão entre os espaços cobertos e descobertos (N. Portas).
'Scarpa sai assim de uma habitual e limitada redução da obra arquitetónica à sua planta, tornando-a complexamente volumétrica através do estudo em altimetria em que conjuga o tratamento dos tetos, a iluminação, o jogo dos cheios e dos vazios, a variação certa no emprego dos diferentes materiais.', Nuno Portas
A obra de Scarpa precisa imensamente do ambiente preexistente e das referências exteriores para se tornar mais verdadeira. Os condicionalismos são para Scarpa reais sugestões para a sua imensa invenção arquitetónica.
O exemplo da obra de Carlo Scarpa é, assim, uma lição profunda de arquitetura sobre a importância simultânea do todo e do detalhe - onde a história, a memória e a fértil invenção humana contribuem para a continuidade entre os espaços interiores e exteriores, naturais e artificiais, iluminados e escuros, leves e pesados, complexos e puros.
Ana Ruepp