A FORÇA DO ATO CRIADOR
Ainda sobre a arquitetura de Carlo Scarpa.
A arquitetura do movimento moderno ansiava eliminar qualquer ligação ao passado, qualquer tipo de atitude histórica e qualquer desejo de contextualização. Enfatizava-se a ideia de tábua rasa, vindo do exemplo do 'Plan Voisin' corbusiano. Entre os arquitetos modernos há uma reação exagerada contra academicismos, combinado com a ideia de que o progresso vem com o novo, com o nunca visto e com o original. Por isso, para um arquiteto, até aos anos setenta do séc. XX, a ideia de trabalhar sobre o existente não era muito sedutora. Porém, Carlo Scarpa (1906-1978) veio provar o contrário. A arquitetura de Scarpa entende muito bem, aquilo que William Morris descreveu como sendo a continuidade da história onde nada se mantém e onde tudo muda com o tempo.
Scarpa projetou muitos museus e espaços de exposição - e a sua grande realização neste domínio dá-se no modo como o objeto e o sujeito se relacionam. Scarpa coloca o objeto sempre em conversa direta com o observador (através do espaço desenhado em seu redor) e que deste modo passa a ter um papel ativo - no Museu de Castelvecchio, por exemplo, para que a estátua Cangrande fosse o ponto fulcral do edifício, demolições radicais foram feitas no canto edifício.
Scarpa conseguiu desenvolver uma linguagem muito específica e que pertence inteiramente ao séc. XX. Podemos encontrar referências japonesas, de Frank Lloyd Wright e do movimento holandês De Stijl, ao escolher deliberadamente planos assimétricos.
O detalhe da sua arquitetura é impressionante - Scarpa tinha uma adoração pela junta e pelo desenho dos objetos mais insignificantes (a maçaneta, a porta, o corrimão, a guarda, a janela, o degrau). Veneza é a maior referência para Scarpa e pemitiu formar uma arquitetura quase artesanal, onde ideias de leveza, flutuação, tensão, passagem do tempo e ruína estão sempre presentes.
Scarpa trabalhava no local de construção e dedicava muito tempo a investigar a história do edifício. Por isso, a arquitetura de Scarpa é capaz de redirecionar a atenção a detalhes históricos esquecidos, é capaz de se perder na individualidade e no ritmo irregular de cada matéria colocada. É uma experiência sensorial por excelência - o som da água e o toque do revestimento determinam a dimensão do espaço projetado.
Ana Ruepp